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Janus 2004



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O Tratado de Amesterdão (1997)

José Barros Moura *

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O Tratado de Amesterdão é o resultado da Conferência Intergovernamental (CIG) que decorreu entre Março de 1996 e Junho de 1997 e que deveria, não tocando na moeda única, completar Maastricht, aprofundando a UE na perspectiva de maior democracia, legitimidade e eficácia, preparando assim o novo alargamento. O balanço é mitigado: avanços reais ao encontro dos interesses dos cidadãos em questões de direitos fundamentais, liberdade e segurança, emprego e política social; progressos limitados na política externa e defesa; reforma institucional insuficiente.

 

A estrutura do Tratado

O Tratado de Amesterdão decompõe-se em três partes e em numerosos protocolos e declarações anexas que procedem, por um lado, a alterações substantivas aos Tratados da UE e das CE e, por outro lado, à simplificação formal dos mesmos, a fim de suprimir disposições caducas, adaptando em consequência o texto de algumas disposições, e renumerando o conjunto das disposições assim alteradas. Ainda com o objectivo de tornar mais acessível e compreensível a leitura da "floresta" dos textos será publicada uma consolidação dos Tratados, um trabalho de carácter técnico e informativo sem valor jurídico vinculativo. As alterações substantivas mantêm a estrutura dos três pilares, embora alarguem a competência da CE transferindo para ela várias matérias do 3° pilar (justiça e policia).

 

Conteúdo

a) Liberdade, segurança e justiça

— Direitos fundamentais e não discriminação: O Tratado reforça a garantia dos direitos fundamentais na UE, através do recurso directo dos cidadãos ao Tribunal de Justiça, e baseia neles a dimensão ética da União ao prever a suspensão de Estados que violem gravemente os direitos do homem. Entre vários outros avanços, consagra uma proibição geral de discriminação (sexo, raça, origem étnica, religião, crença, deficiência, idade ou orientação sexual) e o princípio da igualdade entre mulheres e homens.

— Questões policiais e judiciárias: Para assegurar a livre circulação de pessoas no espaço comum, sem lesar a segurança e as liberdades dos cidadãos, o Tratado procede à incorporação na competência da CE de várias matérias antes no 3° pilar: passagem das fronteiras externas, supressão de controlos fronteiriços, vistos, asilo, refugiados, imigração, cooperação judiciária em matéria civil, fraude contra os interesses financeiros da UE, cooperação aduaneira. Durante 5 anos decide-se por unanimidade no Conselho. Depois, poderá vir a decidir-se por maioria qualificada, em conjunto com o Parlamento Europeu. Às matérias não comunitarizadas, que continuam no 3° pilar (cooperação policial e judiciária no combate à criminalidade transnacional, incluindo o combate ao racismo e xenofobia, ao tráfico de seres humanos e aos crimes contra as crianças), passam a aplicar-se processos de decisão mais eficazes e permite-se a uma maioria qualificada de Estados autorizar uma "cooperação reforçada" (v. infra). Passa a existir, embora com limitações, um controlo de legalidade perante o Tribunal de Justiça. O acervo de Schengen é integrado no Tratado para impedir o retrocesso, possível devido a persistência da unanimidade nas principais decisões sobre justiça e polícia.

b) Responder aos interesses concretos dos cidadãos:

O Tratado introduz um capítulo novo sobre o emprego visando dotar a União de meios para fazer frente ao grave problema do desemprego e estabelecer um certo paralelismo institucional entre a política económica e monetária, por um lado, e a política de emprego como questão de interesse comum. Além disso, incorpora o Protocolo sobre a Política Social, que o Governo inglês antes recusara, e proclama o respeito pêlos direitos sociais fundamentais consagrados nas duas Cartas Sociais Europeias. Desse modo, alargam-se as possibilidades de uma política social europeia de harmonização no progresso. Melhora-se o regime da política de ambiente e defesa dos consumidores. Regulam-se outros aspectos relevantes, tais como: cidadania europeia, línguas e culturas nacionais, acesso ao ensino, desporto, regiões ultraperiféricas, serviços de interesse geral, serviço público de rádio e televisão, voluntariado, protecção dos animais, etc.

c) Transparência e proximidade aos cidadãos:

Garante-se a publicidade no funcionamento das instituições e o acesso dos cidadãos aos documentos; clarifica-se o alcance do princípio da subsidiariedade; obriga-se à simplificação, codificação e melhoria da qualidade e legibilidade da legislação.

d) PESC:

As alterações aqui introduzidas, quer as referentes aos objectivos políticos, que foram clarificados no referente à salvaguarda da União e das suas fronteiras externas e completados com a introdução de uma cláusula de solidariedade política, quer as referentes aos mecanismos institucionais e processos de decisão (nomeadamente, a abstenção positiva para evitar o veto e a possibilidade de decidir por maioria qualificada as "acções" e "posições comuns"), vão no sentido de dotar a UE de uma verdadeira política externa. Mas são insuficientes face às contradições que continuam a fazer-se sentir entre os Estados-membros e à falta de uma clara vontade política. A unanimidade continua a ser exigida para as decisões fundamentais ("princípios" e "orientações gerais", "estratégias comuns") e a invocação de um "interesse nacional importante" permite impedir a tomada de decisões. A UE continua sem personalidade jurídica, o que significa que só pode exprimir-se na ordem internacional através dos Estados-membros, sem qualquer representatividade própria da Comissão. Nas relações económicas externas não há mudanças, tendo os Estados-membros recusado ampliar a competência da Comissão a novos domínios.

Relativamente à Defesa, também não são significativos os avanços, prevendo-se mesmo a convocação de uma nova CIG para dotar a UE dos mecanismos que agora não foi possível estabelecer. Consagra-se o reforço da cooperação com a UEO com vista a uma eventual integração desta. As "missões de Petersberg" (missões humanitárias de evacuação, missões de manutenção da paz, missões de forças de combate para gestão de crises, compreendendo missões de restabelecimento da paz) são incluídas na política de segurança da União.

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e) Instituições

Correspondendo aos propósitos de democratização da UE, o Tratado reforça significativamente os poderes do Parlamento Europeu, nomeadamente, ao alargar o processo de codecisão a 23 novos domínios, simplificando e abreviando a sua tramitação. Alargam-se também os casos de obrigatoriedade de consulta prévia ao Parlamento sobre decisões importantes (por exemplo sobre a "cooperação mais estreita"). A indigitação do Presidente da Comissão pelos Governos dos Estados-membros passa a depender de aprovação prévia do Parlamento.

Pelo seu lado, o objectivo de maior eficácia só muito insuficientemente foi realizado, através de um alargamento limitado das votações por maioria qualificada no Conselho (a, apenas, 5 dos 48 casos exigindo unanimidade no Tratado anterior, e a mais 11 do novo Tratado, em geral, de menor importância política). O estatuto da Comissão não tem mudanças muito importantes, a não ser no que se refere a um reforço dos poderes de direcção e coordenação política do Presidente cujo acordo passa a ser exigido para a escolha dos comissários.

Foram adiadas as reformas de fundo sobre as regras de voto no Conselho e sobre o número de comissários, que se consideravam indispensáveis para preparar a UE para o alargamento. Um protocolo anexo prevê a redução do número de comissários a l por país, logo que se concretize a adesão dos primeiros candidatos e obriga a uma revisão do Tratado, quanto ao voto no Conselho (que poderá incluir uma nova ponderação dos votos em função da população de cada Estado, ou a exigência de uma dupla maioria de votos e de população) em ligação com a questão do número de comissários, para compensar os 5 maiores Estados da perda do segundo comissário — antes de a UE passar a ter mais de 20 Estados-membros.

O que está em jogo é, portanto, a redefinição das posições relativas dos grandes e pequenos Estados, num momento em que, devido aos sucessivos alargamentos a vários pequenos, a manutenção da actual ponderação dos votos teria por consequência enfraquecer o peso decisório dos grandes, que representam a maioria da população, impedindo-os, desde logo, de aceitarem a generalização das votações por maioria, necessária para evitar a paralisia decisional numa EU alargada a mais de 20 membros. Além de alguns benefícios no estatuto dos Comités Económico e Social e das Regiões, foram incluídas disposições visando melhorar a informação aos Parlamentos nacionais, dando-lhes a possibilidade de acompanharem, desde o início, a tomada de decisões e as posições dos respectivos Governos no Conselho, e reforçar o seu papel na construção europeia.

f) Cooperação mais estreita / Flexibilidade

Trata-se de definir as condições em que uma parte dos Estados-membros poderão avançar sem os restantes para etapas de maior integração, respeitando os objectivos e interesses comuns da União, não pondo em causa a sua unidade institucional, nem comprometendo o princípio da igualdade entre os Estados-membros. A possibilidade de a decisão ser tomada por maioria qualificada impede a pura e simples obstrução de Estados pouco empenhados. A definição apertada dos requisitos permitirá salvaguardar o acervo comunitário e impedir a fragmentação da União em "núcleos duros" ou "directórios", face a Estados com estatuto dependente, numa "Europa a várias velocidades". Invocando "importantes e expressas razões de política nacional", os Estados-membros podem opor-se a que a decisão seja tomada por maioria qualificada. O mecanismo poderá ter a maior importância nos domínios da justiça e assuntos internos (Schengen é, aliás, um bom exemplo de uma "cooperação mais estreita") e nos da política externa e defesa (este com regras próprias), mas poderá aplicar-se também ao primeiro pilar. A Comissão e o Parlamento intervêm na decisão garantindo a compatibilidade com os princípios indicados.

 

Balanço

a) Progressos

Como não mencionar, a este título, o reforço do poder do Parlamento Europeu (que significa redução do "défice democrático"); a melhoria da protecção dos direitos fundamentais (que representa um incremento da dimensão ético-política da União); a efectiva ampliação das possibilidades de tomar decisões eficazes no domínio do espaço de liberdade, segurança e justiça (que permite à União assumir responsabilidades na garantia das liberdades e segurança dos cidadãos, à medida que os Estados-membros perdem capacidade de agir devido à dimensão transnacional dos fenómenos); a introdução de um capítulo sobre o emprego (apesar das limitações e ambivalência potencial já referidas); a inclusão do capítulo social de Maastricht (mesmo com todo o seu minimalismo); a melhoria de uma série de políticas (ambiente, consumidores, saúde pública, etc.) e a preocupação com várias questões (línguas nacionais, cultura, desporto, bem estar dos animais, etc.) que têm de comum o corresponderem a interesses concretos e muito sentidos dos cidadãos?

Outros aspectos positivos poderiam ser mencionados. Mas não deverá ocultar-se que, se a União Europeia não for dotada de meios de acção (nomeadamente, institucionais e financeiros) capazes de lhe permitirem concretizar as novas responsabilidades que passará a assumir — poderão as novas competências converter-se em novos factores de descrédito perante a opinião pública. O que se liga muito com o que vem a seguir.

b) Debilidades

O novo Tratado não fornece à União Europeia os meios para agir com a eficácia requerida numa série de domínios importantes. No que respeita à Política Externa, à Segurança e à Defesa, os pequenos passos agora dados não modificam substancialmente a situação. Continuam a faltar os instrumentos, os processos de decisão (não dependentes do veto nacional) e, sobretudo, a vontade política para definir e afirmar uma identidade europeia no domínio internacional. Daí resulta um enfraquecimento da capacidade de defender e promover os interesses económicos, comerciais, sociais e culturais dos povos europeus. Daí resulta uma clara subalternização face à crescente hegemonia dos EUA no plano mundial.

Apesar dos progressos não negligenciáveis, as questões de livre circulação de pessoas, segurança e justiça continuam a depender de unanimidade, pelo menos, por mais 5 anos a contar da entrada em vigor do Tratado. O facto de não se ter consagrado a passagem automática (ao fim de um período transitório) à decisão por maioria qualificada, mantém de facto o conjunto destas matérias no domínio intergovernamental — o que compromete a eficácia e a democraticidade das medidas de controlo das fronteiras externas e de combate à criminalidade transnacional. A reforma institucional é, porventura, o maior fracasso da CIG. Com efeito, e sem esquecer o importante reforço do poder do Parlamento Europeu, o novo Tratado não resolve os principais problemas de que depende uma actuação mais eficaz e também mais democrática. Pelo que, na perspectiva do alargamento, se pode dizer que a União Europeia não sai de Amesterdão preparada para não mergulhar na ineficácia decisional e para não se diluir numa vasta zona de comércio livre sem solidariedade política, nem projecto social.

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* José Barros Moura

Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Deputado ao Parlamento Europeu. Docente na UAL.

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