Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 1998 > Índice de artigos > Relações com as grandes regiões do mundo > Europa Ocidental > [A Europa de Maastricht a Amesterdão]  
- JANUS 2004 -

Janus 2004



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

A Europa de Maastricht a Amesterdão

Teresa de Sousa *

separador

Que lugar ocupará a Europa numa nova ordem internacional pós-guerra fria cujos contornos apenas começam a emergir? Sobreviverão as suas principais instituições (União Europeia e NATO) às novas condições estratégicas e políticas criadas pelo colapso do império soviético e pela reunificação da Alemanha? As duas questões que imediatamente se colocaram aos países ocidentais com o fim do comunismo e a desagregação da União Soviética ainda não estão — e, provavelmente, não estarão nos tempos mais próximos — inteiramente resolvidas. As instituições europeias e euro-atlânticas conseguiram sobreviver à mudança e deram, mesmo, alguns passos relativamente importantes no sentido da sua adaptação às novas condições internacionais.

Mas muitas interrogações subsistem ainda quanto ao destino da União Europeia (e à sustentabilidade do seu modelo de integração) e quanto ao futuro das relações transatlânticas. O novo Tratado de Amesterdão, resultado de uma conferência intergovernamental que se prolongou por quase ano e meio e que foi finalmente aprovado no Conselho Europeu de Junho de 1997, ao ficar muito aquém dos objectivos inicialmente ambicionados para a reforma de Maastricht, acabou por não consolidar um novo consenso sobre o futuro da União.

As divergências quanto à melhor forma de definir os interesses e os instrumentos comuns para o exercício de uma efectiva política externa e as profundas divisões entre os Estados-membros quanto à reforma das instituições da União deixaram em aberto dois dos maiores desafios de que depende o futuro da União Europeia: a sua afirmação externa como um dos grandes actores mundiais do próximo século e o modo como levará a cabo a expansão das suas fronteiras para integrar a metade leste do continente.

1. O Tratado de Maastricht, aprovado em Dezembro de 1991, é a primeira tentativa de adaptação da Comunidade Europeia às novas circunstâncias políticas em que passa a inserir-se o processo de integração. De certo modo, o Tratado da União Europeia — com o lançamento da União Económica e Monetária (UEM) e de uma nova dimensão política da integração — funciona como a "confirmação" do projecto comunitário para além das circunstâncias da guerra fria e como a garantia de que a nova União tem a ambição de constituir-se como o pólo integrador e estabilizador de todo o continente. A preocupação imediata dos líderes europeus — e, em primeiro lugar, do presidente francês, François Mitterrand, e do chanceler alemão, Helmut Kohl — é, todavia, encontrar uma resposta política e institucional à reunificação da Alemanha.

O projecto da união monetária que, até aí, funcionara como a consequência natural do Mercado Interno, assume uma nova dimensão: a de contrapartida à própria reunificação alemã e de garantia de que ela se faria no quadro da unificação europeia. A decisão de lançar as bases de uma união política, através de uma política externa e de segurança comum (PESC) e, a prazo, de uma defesa comum, corresponde também, muito claramente, à percepção de que o fim de uma ordem mundial dominada pela lógica bipolar confrontaria a Comunidade com novas responsabilidades europeias e internacionais, nomeadamente nos domínios da segurança.

2. O modo pacífico como ocorreram as inesperadas e profundas transformações geopolíticas no cenário europeu acabou por gerar entre as elites europeias uma onda de optimismo e de euforia que levou até os espíritos mais cépticos a admirar a extraordinária adaptabilidade das instituições ocidentais. Maastricht correspondeu a este período. Mas as suas ambições esfumar-se-iam rapidamente contra uma sucessão de acontecimentos internos e externos à nova União que viriam revelar, de forma por vezes dramática, a incapacidade dos seus Estados-membros de prever e controlar a evolução dos acontecimentos europeus.

Internamente, os processos de ratificação de Maastricht defrontaram-se com uma verdadeira "revolta popular" feita de desconfiança e de incompreensão, cujas consequências ainda hoje a UE não conseguiu superar. Os custos económicos da reunificação alemã repercutiam-se nas economias europeias de forma brutal, provocando uma profunda recessão. O próprio projecto da moeda única — a mais sólida aquisição de Maastricht — viu-se seriamente abalado pelas tempestades monetárias de 1992 e 1993 que quase fizeram explodir o SME (Sistema Monetário Europeu). Externamente, a desagregação sangrenta da antiga Jugoslávia punha pela primeira vez à prova as boas intenções de Maastricht, revelando as divisões e as fraquezas de uma União incapaz de exercer de forma credível uma diplomacia conjunta e eficaz.

3. Paralelamente, a NATO — depois de um período de indefinições e de divisões internas — vai encontrar uma nova vitalidade, em parte graças ao papel que é finalmente chamada a desempenhar na Bósnia a partir dos acordos de paz de Dayton. A relativa turbulência dos processos de transição política da Rússia e de recomposição do espaço da nova Comunidade de Estados Independentes (CEI) também contribui de forma decisiva para manter um sólido consenso em torno da utilidade da Aliança Atlântica, nomeadamente como a melhor forma de preservar o compromisso norte-americano com a segurança europeia.

Topo Seta de topo

Hoje, a Aliança Atlântica não só passou a prova da sobrevivência, como iniciou o caminho da sua expansão para Leste, ao anunciar, em Julho de 1997, a abertura das negociações para a adesão de três novos membros (Polónia, República Checa e Hungria). Resta-lhe, todavia, concluir uma reforma estrutural que não só complete o processo de adaptação do seu dispositivo militar às novas condições em que é chamada a agir, como reflicta um novo equilíbrio de poder interno, sobre o qual a Europa e os EUA ainda não conseguiram entender-se. A falta de consenso entre os Quinze quanto a uma Identidade Europeia de Defesa, que prevaleceu em Amesterdão, dificultará a conclusão do processo de adaptação da Aliança.

4. Oito anos depois da queda do Muro de Berlim, o cenário de uma nova fragmentação europeia parece razoavelmente improvável e a Europa Ocidental conseguiu preservar as suas instituições comuns (assentes em interesses económicos comuns muito fortes). A rede de "acordos de associação" firmados entre a União e cada um dos países pós-comunistas da Europa Central e Oriental, bem como o conjunto de regras de "bom comportamento" político, estabelecidos no Conselho Europeu de Essen, em 1994, a que devem submeter-se os candidatos à adesão, e o poder de atracção que a UE continua a exercer sobre eles acabaram por funcionar como importante factor de estabilização, incentivando as transições democráticas e a resolução pacífica de velhos conflitos que o fim do domínio soviético veio "descongelar". À excepção, naturalmente, da ex-Jugoslávia. Mas a ausência de consenso quanto às reformas institucionais e políticas e quanto aos novos objectivos da UE, traduzidas pelo impasse de Amesterdão, acabam por manter um razoável grau de incerteza quanto à rapidez e ao âmbito do próprio processo de alargamento.

A União Europeia sai desta reforma muito longe ainda de possuir os instrumentos de acção externa indispensáveis para se afirmar como um dos grandes pólos de influência internacionais do próximo século. A PESC beneficiou de um reforço pouco mais do que simbólico, e a afirmação de uma Identidade Europeia de Segurança e Defesa — funcionando simultaneamente como componente essencial da PESC e como pilar europeu da NATO — não conseguiu passar, mais uma vez, do domínio das boas intenções. Depois de Amesterdão, a Europa continuará, pois, a ser "um gigante económico e um anão político" — e sê-lo-á de forma ainda mais acentuada a partir de 1999, com a moeda única —, sem dispor das condições de autonomia para defender os seus interesses a nível internacional sempre que estes não forem coincidentes com os interesses norte-americanos.

5. O fracasso político de Amesterdão, comprovando que a UE ainda não conseguiu sair da relativa estagnação em que mergulhou pouco depois de Maastricht, vem sublinhar o valor da UEM como um poderoso factor de integração e um sólido instrumento da sua afirmação externa enquanto potência comercial. Mas, ao mesmo tempo, vem acentuar o desequilíbrio entre os mecanismos de integração económica e a persistente ausência de consenso em torno dos objectivos e do papel da União no mundo pós-guerra fria. A realização da UEM, por mais importante que seja, não vem por si só resolver os novos e complexos desafios colocados às sociedades democráticas europeias pela globalização e pela liberalização dos mercados mundiais.

As economias nacionais vêem-se cada vez mais vulneráveis a acontecimentos externos aos quais só dificilmente conseguem resistir. O desemprego atinge valores só comparáveis aos da crise dos anos 30. As desigualdades aumentam e o trabalho precariza-se. O modelo social em que assenta a coesão das sociedades europeias ocidentais é constantemente posto em causa. Os Estados nacionais não parecem estar em condições de encontrar respostas políticas adequadas ou encontram-nas apenas de forma defensiva e limitada.

Mas também aqui a União Europeia tem dificuldade em ir mais longe do que o Mercado Interno e a união monetária, não desempenhando o papel de complementaridade em relação aos Estados nacionais. A "ressaca" de Maastricht e um certo mal-estar generalizado em relação ao processo de integração é, em boa parte, o resultado desta "quebra da corrente" entre as sociedades europeias e as instituições europeias. Em Amesterdão, foi uma vez mais visível a relutância da generalidade dos governos nacionais em tentar encontrar as respostas comuns aos novos problemas, permitindo reconstituir a confiança popular nas instituições europeias. A Europa social continua a ser uma miragem.

6. A Europa e os seus Estados parecem, pois, quedar-se ainda perante uma encruzilhada que pode vir a conduzi-los em várias direcções. Por um lado, a moeda única será um "salto" de enormes consequências. Por outro, somam-se os factores de incerteza — do fracasso de Amesterdão, às novas exigências da Alemanha quanto à redução do seu contributo para o orçamento comunitário, pondo (temporariamente?) em causa os princípios de solidariedade em que assenta a coesão do próprio modelo de integração; da linha de fractura entre pequenos e grandes sobre a reforma institucional às divergências em torno do alargamento e das reformas políticas que ele exige. A resultante destas forças contraditórias e das escolhas políticas que forem sendo feitas pêlos responsáveis europeus permanece ainda uma incógnita. Da qual dependerão não só o futuro da Europa e das suas relações com o mundo envolvente, mas também, em grande medida, os próprios contornos do que será uma "nova ordem internacional" no próximo século.

separador

* Teresa de Sousa

Jornalista do PÚBLICO.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela A Europa de Maastricht a Amesterdão

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores