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Armas de destruição maciça: a espada de Dâmocles

Abel Cabral Couto *

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Durante a Guerra Fria, a lógica do "equilíbrio do terror" com vista à dissuasão recíproca entre as duas superpotências conjugada, por um lado, com a dinâmica dos processos de acção e reacção resultantes do clima de suspeição mútua e, por outro lado, com uma estratégia americana de desgaste económico do adversário, através da corrida aos armamentos, e dos interesses, a Leste e a Oeste, dos complexos industriais-militares, resultaram na criação de arsenais nucleares monstruosos pelas duas superpotências. No mesmo período, a França, o Reino Unido e a China, de forma declarada, e Israel, a Índia, o Paquistão e a África do Sul, de modo clandestino, tornaram-se potências nucleares, embora com sistemas qualitativa e quantitativamente muito inferiores aos das superpotências.

Segundo algumas estimativas, o potencial explosivo de todas as armas nucleares existentes proporciona à destruição de cada ser humano o equivalente a cerca de 40 tons. de TNT.... E embora o grosso das preocupações, análises e debates se tenha centrado na questão nuclear, foram desenvolvidos também enormes stocks das outras armas de destruição maciça — as químicas e as biológicas. O número de países capazes de obterem armas de destruição maciça tende naturalmente a crescer, se não forem tomadas medidas adequadas de contraproliferação. A posse de armas de destruição maciça por potências regionais que enfrentem problemas de segurança graves com os seus vizinhos, em especial se dirigidas por governos messiânicos, fanáticos ou ditatoriais, pode incentivá-las a acções com recurso àquelas armas, o que impediria, praticamente, a ONU de exercer qualquer acção capaz de deter agressões desses países e acabaria por comprometer a segurança mundial.

Por outro lado, há o risco crescente da chamada proliferação não-estatal, através da detenção de agentes radioactivos, químicos ou biológicos, de elevada letalidade, por seitas fanáticas, grupos terroristas ou organizações de banditismo, capazes de lançarem o pânico em grandes núcleos populacionais ou de exercerem acções de chantagem que ponham em xeque os poderes constituídos. A questão das armas de destruição maciça é, portanto, um problema que continua a ser central em qualquer análise sobre a paz, a segurança ou a ordem internacional, constituindo essas armas uma verdadeira "espada de Dâmocles" que impende sobre toda a Humanidade, exercendo sobre esta uma ameaça destrutiva a que nenhum país ou região podem ser alheios. Mas, pela consciência crescente de tal risco, pode exercer também um poderoso efeito de racionalização no comportamento dos governos e incentivar a cooperação entre os Estados e no seio da ONU, com vista à atenuação de tais riscos.

No curto e médio prazo, no que respeita às armas de destruição maciça e ao reforço da segurança mundial, apresentam-se assim três grandes problemas: a redução dos arsenais dos EUA e da Rússia; a contraproliferação; outras medidas de controlo de armamentos. Tais problemas serão analisados no presente texto e no seguinte.

 

Redução dos arsenais de armas de destruição maciça dos EUA e da Rússia

a.Armas nucleares

Embora o número total de ogivas nucleares eliminadas pelo Tratado INF, assinado em Dezembro de 1987 em Washington, fosse reduzido, aquele Tratado foi sobremaneira importante por duas razões inovadoras: ambas as partes concordaram em eliminar determinados sistemas de armas nucleares, em vez de se limitarem a controlar o seu crescimento ou a uma diminuição gradual; foi aceite a criação de um sistema de verificação in loco, que traduzia uma elevada diminuição do clima de suspeição, abrindo o caminho a maiores reduções noutros sistemas de forças nucleares.

Em Julho de 1991, em Moscovo, foi assinado, depois de anos de negociações e de adiamentos, o Acordo START 1, posteriormente ratificado por ambas as partes; em Janeiro de 1993 foi assinado o tratado START 2, já ratificado pelos EUA mas não pela Duma. Em Março de 1997 os Presidentes russo e americano em declaração conjunta acordaram em que logo que a Rússia ratifique o START 2, devem iniciar-se negociações sobre o START 3, o qual visará uma ainda maior redução dos arsenais, apontando-se a um número de ogivas entre 2000 e 2500 até fins de 2007.

Há que ter presente que o desmantelamento de sistemas de armas nucleares é uma operação cara, morosa e que envolve complexos problemas técnicos e opções delicadas. Um dos principais problemas respeita à forma de encarar os produtos radioactivos, de vida longa, resultantes do desmantelamento, e que atingirão milhares de toneladas. Os EUA têm proporcionado fundos à Rússia, para a ajudar na desactivação dos sistemas nucleares.

Quanto às armas nucleares tácticas, não existem quaisquer Acordos, pelo que as reduções resultam de decisões unilaterais. Os EUA decidiram desmantelar todas as armas terra-terra, armazenar em solo americano os sistemas navais e manter operacionais apenas os sistemas ar-solo. Em fins de 1997, segundo o "Bulletin of the Atomic Scientists", os EUA e a Rússia possuíam o número de ogivas que figura no quadro abaixo (valores a encarar com reserva).

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b.Armas químicas

Com a descoberta de novos agentes químicos — tais como os neurotóxicos Taburn, Sarin, Soman e VX — com elevada eficácia militar, baixos custos e fácil armazenamento, a dinâmica da corrida aos armamentos, durante a Guerra Fria, estendeu-se também às armas químicas. A discrição do fabrico de certas armas químicas foi significativamente aumentada com a descoberta da "binarização": trata-se de dois compostos, cada um de toxicidade reduzida e utilizável para fins pacíficos, que, quando combinados, se transformam em produtos químicos de elevada letalidade. A Convenção sobre Armas Químicas, de Novembro de 1992, atingiu em Outubro de 1996 o seu objectivo de 65 ratificações, pelo que entrou em aplicação em fins de Abril de 1997.

A Convenção sobre Armas Químicas proíbe a produção, a posse, o transporte e o emprego dessas armas e obriga os Estados a declararem quais os seus stocks, locais de armazenagem e instalações de produção, bem como os compostos (que podem ter uso militar/civil) utilizáveis em armas binárias. A Convenção fixa um prazo de 10 anos para a destruição das armas existentes. Depois de anos de hesitações, por razões várias, os EUA ratificaram a Convenção sobre Armas Químicas pouco antes da sua entrada em vigor. Quanto à Rússia, ainda não o fez. Os EUA reconheceram possuir cerca de 30.000 ton de armas químicas, a CEI declarou 40.000 ton de agentes, mas é possível que os valores reais sejam superiores. A destruição de armas químicas, embora possa criar alguns problemas de ordem ambiental, não tem dificuldades técnicas de maior. Embora os EUA tenham começado a destruir as suas armas químicas unilateralmente, a Rússia parece não ter iniciado idêntico processo, por razões políticas, técnicas e financeiras. Todavia, afirma o propósito de destruição do seu arsenal até 2005.

 

c. Armas biológicas

O problema das armas biológicas apresenta características específicas e perturbadoras. Uma arma biológica usa micro-organismos (bactérias ou vírus) ou toxinas. Ora os conhecimentos sobre microbiologia e sobre os processos de fermentação necessários à produção de agentes de armas biológicas, tais como o antrax, o botúlio, a tularemia, etc, estão largamente difundidos e são acessíveis através de literatura científica especializada. Aqueles agentes podem ser produzidos por processos e equipamentos semelhantes aos utilizados na produção de cerveja, de certos produtos farmacêuticos, de pesticidas, etc. Assim, a produção de agentes para armas biológicas está ao alcance quer dos Estados em vias de desenvolvimento, quer mesmo de grupos terroristas.

Mas saber produzir agentes não significa ter capacidade para fabricar armas biológicas. De facto, para este efeito é necessário conceber sistemas capazes de conterem, transportarem e libertarem, de forma adequada, os agentes e saber dominar técnicas de dosagem, de permanência dos agentes na atmosfera pelo tempo desejado, de segurança na manipulação e armazenagem, etc.

A Convenção sobre Armas Biológicas, de 1972, proíbe essas armas, bem como as instalações e tecnologias associadas à sua produção, e foi assinada pela maior parte dos países do mundo. Mas, em 1994, foram obtidos indícios seguros de que a Rússia continuava a desenvolver o seu programa de armas biológicas, apesar de já em Abril de 1992 Ieltsin ter reconhecido violações à Convenção e ter decretado a proibição de quaisquer actividades relacionadas com as armas biológicas.

Os EUA declararam ter abandonado, em 1969, o seu programa e terem destruído todas as armas biológicas de que dispunham. As dúvidas existentes quanto à Rússia e, em particular, a dificuldade de, pelas razões acima apontadas, conceber e pôr em execução um plano de verificação que seja fiável e eficaz, tem posto em causa o valor da Convenção sobre Armas Biológicas.

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* Abel Cabral Couto

General do Exército reformado. Professor Catedrático Convidado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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