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Janus 1998 F.A.



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O estatuto constitucional das F.A.

António Vitorino *

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O estatuto constitucional das Forças Armadas foi definido em duas fases essenciais: a primeira, entre 1976 e 1982, correspondendo, no essencial, à consagração, na Lei Fundamental, do denominado 2° Pacto MFA/Partidos, de Fevereiro de 1976, celebrado entre o Movimento das Forças Armadas e os Partidos Políticos com representação na Assembleia Constituinte; a segunda, após a revisão constitucional de 1982, que consagra a plena subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático e consequentemente a definição do seu estatuto jurídico em termos próximos dos consagrados na generalidade dos países do nosso espaço geopolítico.

Esta evolução foi profundamente influenciada pelo papel central desempenhado pelas Forças Armadas no processo de transição de um regime autoritário para a democracia, que se projectou, no plano político e institucional, entre 1976 e 1982, além de outros aspectos, na existência do Conselho da Revolução, na consagração do princípio do autogoverno das Forças Armadas e no reconhecimento implícito do especial papel conferido ao Presidente da República enquanto emanação ou pelo menos protagonista de um especial vínculo de ligação à própria instituição militar.

A revisão constitucional de 1982 foi dominada precisamente pela temática da extinção do Conselho da Revolução e pela definição do modelo de plena subordinação da instituição militar ao poder político democrático, pondo-se então termo ao sistema de autogoverno militar, o que abriu caminho para a aprovação do edifício normativo fundamental da Defesa Nacional e das Forças Armadas, assente sobretudo na Lei n° 29/82, de 11 de Dezembro (Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, alterada pela Lei n° 41/83, de 21 de Dezembro e ainda pela Lei n° 18/95, de 13 de Julho).

A temática da Defesa Nacional e das Forças Armadas constitui uma das áreas onde mais visivelmente se identificam aspectos institucionais que espelham a natureza semipresidencial do nosso sistema de governo, em que os órgãos do poder político (Presidente da República, Assembleia da República e Governo) partilham poderes, competências e responsabilidades num original modelo de equilíbrio que visa simultaneamente salvaguardar uma larga margem de corresponsabilização a par de uma relevante autonomia organizacional da própria instituição militar, (ver Informação Complementar).

 Neste contexto, o Presidente da República exerce, por inerência, o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas, competindo-lhe o poder de nomear e exonerar, sob proposta do Governo, os altos chefes militares. A opção do legislador constituinte recaiu, assim, num sistema de "dupla confiança", embora reconhecendo ao Governo um poder exclusivo de iniciativa, em conformidade com a afirmação do executivo como o órgão de direcção geral da política do país e órgão superior da Administração Pública do Estado (nesta se inserindo quer a administração civil quer a militar).

Nos primeiros treze anos de vigência do sistema de designação das chefias militares a escolha do Governo estava significativamente condicionada pela prévia selecção de uma lista de três nomes emergentes da própria instituição militar para cada cargo mas, com a alteração introduzida em 1995, ampliou-se a margem de liberdade de escolha do Governo, eliminando-se o sistema de lista prévia, enquanto a participação das instâncias militares passou a revestir natureza meramente consultiva. A revisão constitucional de 1982 confiou ainda ao Presidente da República a presidência do Conselho Superior de Defesa Nacional que é essencialmente um órgão de consulta para os assuntos relativos à defesa nacional e à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas.

A Assembleia da República, por seu turno, desfruta de um amplo complexo de competências neste domínio de matérias (aprovar os tratados de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares, bem como autorizar o Presidente da República a declarar a guerra e a fazer a paz e acompanhar, nos termos da lei e do Regimento, o envolvimento de contingentes militares portugueses no estrangeiro). No plano legislativo, compete à Assembleia da República, enquanto competência absolutamente reservada, legislar sobre organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas, bem como aprovar as denominadas "leis de programação militar" (leis de investimento específicas das Forças Armadas).

Integra ainda a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República a aprovação da legislação que restrinja o exercício de direitos por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo (restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, na estrita medida das exigências das suas funções próprias), afloramento do princípio constitucional do rigoroso apartidarismo das Forças Armadas. Finalmente o Parlamento dispõe, também no que concerne aos domínios da Defesa Nacional e das Forças Armadas, dos amplíssimos poderes orçamentais que resultam do nosso sistema político. Na recente revisão constitucional (de 1997) procedeu-se ao aprofundamento deste modelo de evolução em torno de três vectores fundamentais.

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Por um lado, explicitou-se que "incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do Estado português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte", o que vem pôr em realce não só a necessária redefinição das missões das Forças Armadas em função das mutações verificadas no cenário internacional e no específico protagonismo das organizações internacionais a que o nosso País pertence (designadamente a ONU, a NATO, a UE, a UEO e a OSCE), mas também vem sublinhar a cada vez mais íntima articulação do empenho de forças militares em missões de sustentação da política externa do Estado português (missões da ONU em Moçambique, em Angola e no Sara Ocidental e da NATO na Bósnia-Herzegovina).

Este enquadramento conceptual corresponde ao entendimento perfilhado quanto ao baixo grau de ameaça convencional sobre o território nacional e à relevância central que desempenha, na definição da nossa própria defesa nacional, a partilha de responsabilidades no quadro das organizações internacionais, em especial daquelas que se ocupam da defesa colectiva (a NATO e a UEO). Neste contexto, a defesa e segurança colectiva exigem um conjunto de instrumentos de natureza preventiva que, para além da específica acção político-diplomática, passam pelo envolvimento das Forças Armadas em missões de gestão de crises que visam prevenir focos de eventuais conflitos ou restabelecer a paz nas melhores condições possíveis.

No que se refere ao quadro de missões das Forças Armadas, a revisão veio acrescentar à previsão da participação das Forças Armadas em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, designadamente no domínio ambiental, a colaboração em missões de protecção civil, bem como a participação em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação (em especial com os PALOPS).

A revisão constitucional de 1997, mantendo a afirmação de que a defesa da Pátria é simultaneamente um direito e um dever dos cidadãos portugueses, veio, contudo, pôr termo à garantia constitucional do serviço militar obrigatório, o que significa que o legislador constitucional devolveu ao legislador ordinário a possibilidade de optar pela manutenção do sistema de serviço militar obrigatório (mais exactamente manutenção do sistema misto serviço efectivo normal e serviço voluntário ou em regime de contrato conforme se encontra em vigor entre nós desde 1993) ou pela consagração de um sistema exclusivamente de voluntariado para constituição do contingente geral.

O dever de serviço militar, enquanto obrigação reservada aos cidadãos portugueses, impendia sobre os homens, uma vez que a prestação de serviço militar pelas mulheres apenas foi admitida após 1993 e exclusivamente em regime de voluntariado ou de contrato, não na modalidade de serviço efectivo normal. Sem embargo, a nossa Lei Fundamental consagra o direito à objecção de consciência ao serviço militar (nº 4) e regula as diversas condições em que pode ter lugar a prestação de um serviço cívico alternativo (nºs 3, 4 e 5). A revisão constitucional de 1997 consagrou ainda a extinção dos tribunais militares em tempo de paz.

 

Informação Complementar

Integração no sistema político posterior a 1982

O modelo de plena integração das Forças Armadas no sistema político democrático posterior a 1982 evoluiu segundo três linhas fundamentais de consolidação:

• Por um lado, "desdramatizou-se" o risco de instrumentalização partidária que algumas correntes de opinião identificavam em 1982 no denominado processo de "governamentalização" das Forças Armadas, afirmando-se uma prática política que, no essencial, correspondeu à efectiva salvaguarda da isenção e do apartidarismo da instituição militar;

• Por outro lado, subsistindo uma esfera ainda relevante de autonomia organizacional das Forças Armadas no seu conjunto e dos três ramos que as integram, o peso específico da instituição militar foi diminuindo no conjunto das instituições do Estado, quer por força da alteração do cenário geoestratégico (e do quadro de ameaças e de riscos a ele ligado) quer em virtude do processo de reforma e de reestruturação adoptados tanto no ciclo pós-revolucionário (iniciado em 1982) como subsequentemente no contexto da reforma de redução e redimensionamento do dispositivo militar (iniciada em 1992/93 e que ainda prossegue);

• Finalmente, a superação do debate entre uma concepção estrita de defesa nacional, exclusivamente centrada na componente militar da garantia da integridade do território e da independência nacional e concepções mais alargadas, que tendencialmente colhiam inspirações típicas das denominadas "teorias da segurança nacional", mais viradas para o empenho das Forças Armadas na própria garantia da ordem interna, acabou por abrir as portas a um consenso nacional alargado assente na autonomia específica da política de defesa nacional, de natureza permanente e carácter interministerial, cuja componente militar não se confunde com funções policiais e por isso não se destina à garantia da ordem interna (a não ser nas situações de excepção expressamente identificadas na nossa Lei Fundamental — estado de guerra e estados de sítio e de emergência) mas antes às missões de defesa autónoma e de participação em sistemas de alianças de defesa colectiva, valorizando-se paralelamente quer o seu emprego em missões de gestão de crises, missões de paz e missões humanitárias quer em outras missões de interesse público (designadamente as atinentes à fiscalização das pescas e da poluição ambiental, à busca e salvamento e evacuação médica e às referentes à promoção da melhoria do bem-estar e da qualidade de vida das populações).

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* António Vitorino

Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional entre 1995 e 1997.

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