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Relações de Portugal com a Santa Sé no reinado de D. João V

Nuno Gonçalo Monteiro *

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Parece inegável que alguns acontecimentos diplomáticos com cunho espectacular têm contribuído de forma marcante para emprestar ao reinado de D. João V a feição peculiar que as representações da posteridade lhe reservaram. A entrada do Conde da Ribeira em Paris em 1715 ou os casamentos cruzados de 1728 do Príncipe D. José com D. Maria Ana Vitória e de D. Fernando de Espanha com a infanta portuguesa D. Maria Bárbara na fronteira do Caia estão entre os mais registados. Mas também, certamente, o cortejo do Marquês de Fontes em Roma em 1716 ao qual se costuma associar os célebres coches. Na verdade, se a diplomacia de representação ocupa um lugar destacado nas imagens do reinado joanino, as relações com a Santa Sé e os investimentos eclesiásticos em geral são recorrentemente apresentados como o seu elemento central. Mais ainda, em torno desses temas defrontaram-se sucessivas gerações de escritores e historiógrafos que defendiam diversos retratos de conjunto da história portuguesa.

Das expressões da cultura crítica, antes e depois da geração de 70, podemos considerar paradigmáticas as palavras de Oliveira Martins: "Foi sobre o ouro e os diamantes do Brasil (...) que D. João V, e todo o reino, puderam entregar-se ao entusiasmo dessa ópera ao divino, em que desperdiçaram os tesouros americanos. (...) Os dinheiros do Brasil (...) iam para Roma custear o preço de concessões valiosas" (Hist. Port.). Ao invés, os expoentes da cultura conservadora contemporânea esforçaram-se por reabilitar o período joanino e, em particular e com especial destaque para as obras de Eduardo Brazão, os seus prolongados investimentos diplomáticos junto da Santa Sé. Tentar ultrapassar essa polarização insistente, identificável com os apologistas de Pombal em contraponto aos que na meia centúria joanina descobriram um momento alto da história portuguesa, tem pois de constituir um dos objectivos de uma reavaliação do tema que nos propusemos discutir.

Uma primeira e decisiva questão consiste em dimensionar a importância relativa do Papado e das relações que com ele estabeleciam as potências católicas ao longo da primeira metade do século XVIII.

Por um lado, é indiscutível que o Estado Pontifício foi perdendo o seu peso na cena internacional desde o tratado de Vestefália (1648). Não apenas porque se rompeu definitivamente a unidade religiosa do continente, com a consagração da divisão da Alemanha, mas sobretudo pelo esforço de afirmação nas diversas unidades políticas católicas da supremacia das realezas nas respectivas igrejas face à tutela de Roma e pela crescente dificuldade do Papado em assumir o papel tradicional de árbitro entre as potências católicas, num contexto em que se ia acentuando a importância de uma potência não católica nas relações internacionais (a Grã-Bretanha) e se desenhavam novos códigos da diplomacia.

Alguns acontecimentos do início de setecentos vieram acentuar esta evolução. As oscilações do Papado ao longo da Guerra da Sucessão de Espanha contribuíram para a invasão dos seus territórios pelas tropas imperais em 1708, à qual se seguiriam outras nas décadas subsequentes. Aquando da assinatura do Tratado de Rastadt (1714) o papa disporá apenas de um observador. Ao mesmo tempo, avolumaram-se os esforços das principais potências católicas (Império, França e Espanha) para interferirem na eleição dos papas, seja tentando impor o direito de veto, seja através da conquista de posições no colégio cardinalício. Apesar do que antes se escreveu, há que ponderar, porém, o peso que as questões religiosas e as relações com o Papado mantiveram ao longo do período estudado. Recordar a enorme importância do problema jansenista em França e as pronunciadas tensões políticas que rodearam a recepção da Constituição Unigenitus (1713) que condenava os prosélitos de Port Royal.

Por outro lado, entre outros, os episódios que rodearam as elevações ao barrete cardinalício de Alberoni em Espanha ou de Fleury em França mostram bem o peso que tais questões continuaram a ter no âmbito das realezas católicas. No quadro da política espanhola, o problema do padroado régio sobre os benefícios eclesiásticos arrastou-se ao longo de toda a primeira metade de setecentos. Em síntese, os exemplos referidos servem para sublinhar a relevância que as questões religiosas e as relações com a Santa Sé mantiveram no interior das monarquias católicas, contribuindo para retirar à política joanina alguma da excepcionalidade que por vezes se lhe confere. As relações com o Papado tornam-se, para utilizar uma linguagem actual, menos relevantes em termos de política externa mas mantêm a sua acuidade na política interna das monarquias católicas.

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Definido em termos gerais o Estatuto das relações com o Papado no contexto do continente europeu, importa agora caracterizar os grandes parâmetros dos alinhamentos externos do Portugal joanino. A participação de Portugal na Guerra da Sucessão de Espanha, onde, depois do reconhecimento inicial do candidato francês, se passou a apoiar activamente o pretendente austríaco, sustentado pela Inglaterra, delimitou em boa medida as grandes opções prosseguidas ao longo das décadas subsequentes.

Foi no quadro deste novo alinhamento que se assinou o Tratado de Methuen com a Inglaterra (1703). De facto, o rescaldo do envolvimento de Portugal neste grande conflito europeu parece ter sido a consolidação da opção atlântica e da aliança com a Grã-Bretanha, a potência marítima dominante. A grande prioridade foi sempre o Brasil, a defesa das suas rotas e a definição e protecção das suas fronteiras, surgindo a aliança inglesa como o seu corolário natural. Essa escolha essencial foi complementada por uma política de neutralidade face aos grandes conflitos europeus, adoptada de forma mais ou menos continuada desde 1715, o que levou Portugal a não integrar a Quádrupla Aliança e ver-se afastado do Congresso de Cambrai.

Embora condenada recorrentemente por muitos grandes vultos da época joanina como D. Luís da Cunha, o Conde de Tarouca e Alexandre Gusmão, esta orientação tem de ser encarada como o complemento da aliança inglesa, que contrariava o envolvimento directo nos afastados cenários da diplomacia continental. As relações próximas com o vizinho espanhol, que passaram pelos casamentos cruzados de 1728 mas também pela declaração do estado de guerra em 1735-36 (com o consequente pedido de auxílio aos britânicos) constituíam uma exigência incontornável, tanto por razões de proximidade continental (temor da integração) como pelas implicações da contiguidade territorial no continente sul-americano. Tudo o mais se poderia considerar supérfluo. A excepção foram, precisamente, as relações com o Papado. De facto, o grande investimento joanino em matéria de diplomacia europeia foi a conquista da paridade de tratamento com as outras grandes potências católicas no seu relacionamento com a Santa Sé, à semelhança do que ocorria antes de 1580. Um processo caro e arrastado no tempo. Que passou até por momentos de grande tensão, como a ruptura das relações diplomáticas entre 1728 e 1732, em resultado da recusa da Santa Sé em conceder o barrete cardinalício a Monsenhor Vicente Bichi, que fora núncio na corte portuguesa. Com esta exigência, pretendia D. João V, uma vez mais, equiparar-se às outras cabeças coroadas católicas, às quais tal distinção era conferida quando os núncios terminavam a suas funções. E acabou por conseguir o que queria em 1731. Como triunfante fora o empenho em elevar a capela real à dignidade de igreja e basílica patriarcal em que se empenhou o Marquês de Fontes (1716) e, mais tarde, a atribuição da dignidade cardinalícia ao Patriarca de Lisboa Ocidental (1737). E, também, o reconhecimento do direito de apresentação dos bispos pelo monarca português (1740). Por fim, a atribuição ao monarca português do título de Rei Fidelíssimo (1748) representou o ponto culminante de uma opção diplomática prosseguida com grande persistência durante todo o reinado.

Em outras matérias, os resultados foram menos brilhantes. O padroado no Oriente não foi plenamente reconquistado, embora essa fosse a principal missão da embaixada extraordinária do Marquês de Fontes em 1712. Como, também, falharam os esforços de mediação em meados dos anos quarenta entre a Santa Sé e o Império, nos quais se viu envolvido o embaixador em Viena, Sebastião José de Carvalho e Melo. É de notar que os embaixadores joaninos junto da Santa Sé só no início do reinado tiveram um elevado estatuto social (André Mello e Castro (1705-1711 e 1718-20) e o 3º Marquês de Fontes (1712-18)), embora Pedro da Motta e Silva aí tenha feito parte do tirocínio que mais tarde o levou à Secretaria de Estado. Aliás, o papel dos diplomatas joaninos em Itália na encomenda de obras de arte e no recrutamento de artistas e músicos não deve ser esquecido, uma vez que contribuiu decisivamente para a imagem de grandeza que D. João V procurava associar à corte de Lisboa. Das bibliotecas, à pintura e à arquitectura, passando pelas grandes celebrações dentro (nascimentos e casamentos, etc.) e fora do reino (entradas dos embaixadores nas diversas cortes) essa constitui uma dimensão essencial do reinado que não deve ser esquecida.

A elevação da Patriarcal conduziu a uma redefinição das hierarquias e dos estatutos no interior da sociedade de corte de D. João V. As tensões e conflitos de classificação que suscitou, exemplarmente ilustrados pela questão das precedências entre os condes e os cónegos da Patriarcal recém-elevada, foi finalmente dirimido em favor destes. Os rituais e as práticas de legitimação da monarquia foram, assim, reformulados durante o período joanino ao longo do qual se assistiu a um esforço considerável de disciplinação da sociedade de corte e se fundaram novos pólos de representação (Mafra). Os continuados empenhos junto da Santa Sé poderão, desta forma, ser interpretados como parte integrante de uma redefinição das formas de exercício e de ritualização das relações de poder no centro da monarquia. Ou seja, como uma dimensão relevante da política interna portuguesa da época joanina.

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* Nuno Gonçalo Monteiro

Professor e Reitor da UAL.

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