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Trabalho e emprego: o futuro da relação salarial em Portugal

Luísa Cristóvam *

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As profundas mudanças provocadas no mundo laboral pela globalização da economia têm posto em destaque diferenças entre trabalho (actividade produtiva) e emprego (relação definida num quadro institucional com um estatuto, direitos e remuneração correspondentes) e, ainda, a distinção entre emprego e actividade. Alguns autores referem que existe actualmente uma intenção de pôr em evidência o objectivo da "plena actividade" substituindo-o ao de "pleno emprego" e que tal conduzirá a clivagens sociais. Que mudanças sociais acompanharão em Portugal esta situação? Que novas formas de regulação lhe estão implícitas no quadro da integração europeia e mundial?

Portugal apresenta uma taxa de actividade considerada relativamente elevada no contexto da Comunidade Europeia. Esta taxa tem vindo gradualmente a crescer, tendo esse crescimento sido de 2,6 % no 3° trimestre de 1998. Verifica-se ainda uma tendência para a feminização.

Portugal acompanha também, embora com alguma especificidade, o crescimento da chamada sociedade de serviços. A divisão do trabalho por sector de actividade revela uma percentagem de pessoas na agricultura relativamente elevada face às médias europeias – 13,3% contra 5,0%. Na indústria, a percentagem de trabalhadores é de 31,8% contra 29,5% de média europeia.

O processo de terciarização apresenta igualmente alguma divergência já que, em Portugal, existem 55,7% de trabalhadores nos serviços, sendo 65,6% a média europeia. Ao contrário da indústria, tida como o sector que mais tem perdido postos de trabalho, os sectores que mais cresceram foram a construção civil, comércio, restaurantes, hotéis e serviços.

Constata-se que quase todos os sectores de actividade perderam mão-de-obra para o sector "serviços prestados às empresas", onde se classificam grande parte das micro-empresas de trabalho independente. Também se verifica uma tendência de substituição da grande pela pequena empresa. De realçar, ainda, que 35% da mão-de-obra industrial se encontra localizada na indústria têxtil, confecções e calçado – sectores de mão-de-obra intensiva de baixo salário.

 

Pouco trabalho a tempo parcial

Actualmente, novas formas de realização de actividade humana estão surgindo ou formas até agora pouco habituais estão sendo cada vez mais utilizadas. Refira-se, em primeiro lugar, o trabalho a tempo parcial. Este tem aumentado na Europa, quer como uma solução de partilha do trabalho, quer, como forma de flexibilização. Portugal encontra-se entre o conjunto dos Estados membros europeus que apresentam mais baixas taxas de trabalho a tempo parcial. Sendo a média europeia de trabalhadores a tempo parcial de 16,9%, Portugal apresenta uma taxa de 9,9%. Enquanto nos Estados do norte da Europa existem taxas de: 38,0 na Holanda, 24,5 na Suécia e 24,9 no Reino Unido, os países do sul apresentam 4,6% na Grécia, 7,1% na Itália e 8,2% na Espanha.

Os baixos salários, uma oposição forte dos sindicatos, a ausência de organização complexa das empresas portuguesas, necessária para a integração de trabalho a tempo parcial, não são alheios a esta constatação. As empresas portuguesas preferem utilizar como estratégia de flexibilização a precarização da relação de emprego, sobretudo, com o recurso ao trabalho autónomo.

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Mais trabalho a prazo

Retomando como referência a "relação salarial" clássica, o trabalho por conta de outrem ou assalariado, em Portugal, representa 71,6% do total da população activa (83,1% de média europeia). Em 1998, esta situação não se alterou substancialmente. Comparativamente a outros Estados membros, Portugal apresenta uma das mais altas taxas de trabalho independente e empregadores da União Europeia. Na verdade, essa taxa de 26,9% é quase o dobro da média europeia que é de 14,9%, sendo só ultrapassada pela Grécia. Estados membros como a Alemanha e a Dinamarca apresentam taxas de 9,9% e 8,3%, respectivamente.

Por seu lado, o trabalho a prazo, ou seja, aquele em que os trabalhadores mantêm um vínculo contratual baseado em contratos a termo certo, aumentou muito, sobretudo nos dois últimos anos: 2,3 % entre o ano de 1997 e 1998. Uma análise ao emprego estruturado em Portugal mostra que em Outubro de 1998 19,5 % dos trabalhadores têm um vínculo de contrato a termo. O emprego permanente por tempo indeterminado diminuiu 7,3% entre 1992 e 1997. Outros modelos de actividade vão, entretanto surgindo, afastando-se pela sua forma e conteúdo do estatuto de "relação salarial" correspondente à sociedade industrial. Eis alguns dos mais frequentes:

  • O teletrabalho é uma nova forma de estruturação da actividade de trabalho com base na flexibilização do local e tempo de trabalho. Embora não tenha muitas tradições, estatísticas como as contidas no projecto TELDET da DG-XIII-B (1994-1995) referem a existência em Portugal de 25.107 teletrabalhadores.
  • Os estágios, que embora sejam fundamentais para criar laços sociais, a sua utilização fora da lógica para que foram criados pode ter um efeito perverso, impedindo a criação de postos de trabalho.
  • As actividades socialmente úteis regidas pela lógica da economia solidária. As medidas e programas propostos no âmbito destas actividades englobam uma componente formativa, estimulam a actividade empresarial e a criação de postos de trabalho efectivos.

 

25% de desempregados licenciados

Uma das características da sociedade dos nossos dias é a valorização dada ao conhecimento e à qualificação. Quando se apresenta a taxa de 4,8% de desemprego para Portugal (3° trimestre de 1998) como uma das mais baixas da União Europeia refere-se também que o que está em causa não é o emprego mas a qualidade do emprego, quer no que se refere ao vínculo criado, quer à qualificação exigida.

Sabendo-se que os mercados de trabalho funcionam, sobretudo, com referência a diplomas, torna-se importante apresentar alguns dados sobre Portugal. Em 1998,70,6% dos trabalhadores empregados em Portugal possuía o ensino básico. Os trabalhadores que possuem formação de nível superior correspondem a 14,2% das pessoas entre os 15 e os 59 anos que têm emprego (23,4% na média europeia).

A situação piora com os níveis do secundário superior, onde apenas se encontram 12,9% dos trabalhadores (42,1 na média europeia) para se verificar uma concentração no nível inferior que corresponde a 72,9% (média europeia de 33,6%).

Um estudo recente da OCDE sobre educação refere que em Portugal a taxa de desemprego em 1996 é de 25% nos licenciados, 20% até ao 12° ano e 10% quando possuem formação inferior.

Dado o perfil de especialização económico escolhido pelas empresas e a debilidade do sistema produtivo, aquelas parece não terem capacidade para integrar emprego qualificado. Entre os objectivos dos organismos públicos como o IEFP, está o de levar as empresas à valorização do emprego uma vez que a uma organização do trabalho pobre surgem associadas estruturas de qualificações e de habilitações deficitárias. Uma acção directa sobre as necessidades de competências das empresas e sobre a qualificação dos postos de trabalho contribui para melhorar qualificação.

 

Distribuição dos rendimentos

Finalmente uma referência ao rendimento. Portugal tem uma deficiente distribuição de rendimento, quer no que respeita a salários, quer a outras formas de benefícios. Especialistas têm referido a existência em Portugal de uma relação estreita entre salários e emprego, ou seja, os salários reais respondem rapidamente a variações de desemprego. Como se sabe, o desemprego tem vindo a baixar, sendo de 4,7% no terceiro trimestre de 1998 e encontrando-se, desta forma, em cima da taxa natural do desemprego.

Numa perspectiva macro verificou-se uma flexibilização global do salário em Portugal durante os anos 80 e 90. E numa perspectiva micro, dadas as más condições dos subsídios de desemprego, "é baixo o nível de salário pelo qual os trabalhadores se dispõem a aceitar um emprego". Ainda relativamente aos baixos salários praticados em Portugal verifica-se que o custo médio da mão-de-obra industrial em Portugal é cerca de 4,3 vezes inferior ao praticado na Alemanha. A situação nos serviços não é tão radical (2,4). Acresce, ainda, que a aproximação às médias europeias parece estar cada vez mais longe. Na verdade, entre 1992-95 enquanto os salários na indústria na Alemanha cresceram cerca de 20%, em Portugal o crescimento foi de 5%. A justificação para a situação pode ser encontrada na pouca qualificação global das empresas, nas actividades de mão-de-obra intensiva e na baixa qualificação requerida quando comparada com os outros Estados membros.

A modernização e recomposição do tecido produtivo e a maior qualificação dos trabalhadores irão melhorar a situação. Apesar de algumas das transformações actuais e previsíveis, embora não inelutáveis, serem habitualmente contextualizadas pelo fenómeno da mundialização, o facto de Portugal ter sido um dos Estados membros que integraram a moeda única em Janeiro de 1999 leva a que se faça uma reflexão sobre o futuro do trabalho e do emprego em Portugal nesse âmbito. Está em causa a relação entre o económico e o social. Várias perspectivas são possíveis para o futuro da política social em função das opções económicas que vierem a ser feitas, sabendo-se que a evolução do emprego se situa na intersecção entre a política económica e a política social. Eis alguns dos caminhos possíveis:

  • A liberalização dos mercados acompanhando políticas nacionais dos estados-membros não cooperativas. Esta situação terá por consequência a flexibilização do mercado de trabalho, dos salários, do tempo de trabalho e negociações colectivas totalmente descentralizadas. Existem neste caso riscos de aumento das desigualdades entre Estados membros e fragmentação do tecido social, não sendo socialmente aceite, nomeadamente pelos parceiros sociais.
  • Políticas cooperativas institucionalizadas e objectivos de convergência real. Neste caso a articulação das dimensões económica e social seria feita a partir de uma negociação de compromissos globais de longo termo e os direitos sociais e a coesão social seriam consideradas não como o subproduto mas uma condição da eficácia económica. A sua fazibilidade depende, porém, da existência de uma vontade política dos Estados membros.
  • Unidade económica europeia e regulações sociais nacionais: a questão principal e o perigo desta terceira hipótese é a segmentação social da União Europeia verificando-se a manutenção de regulações sociais fragmentadas num espaço económico unificado com a permanência da heterogeneidade das estruturas produtivas. Manter-se-iam indefinidamente mercados nacionais de trabalho flexíveis com qualificações de banda larga, altos salários e formação permanente, participação dos trabalhadores no sistema produtivo e negociação colectiva a par de outros espaços nacionais que se tornam atractivos aos investimentos por oferecerem uma mão-de-obra barata e estatutos precários aos trabalhadores (Freyssenet, 1998). Muitos observadores receiam que a União Europeia se esteja aproximando desta terceira perspectiva.


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* Luísa Cristóvam

Correspondente do Observatório Europeu das Relações Profissionais. Especialista em Sociologia do Trabalho e Relações Laborais. Docente na UAL.

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