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Há 30 milhões de pessoas no Portugal dos PDM's

Clara Viana *

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Portugal está a projectar-se no futuro como um bairro periférico onde caberia o quádruplo da sua população. A febre urbanizadora atinge autarquias e governos, apesar de se saber que, dentro de poucas décadas, a população portuguesa será sensivelmente menor que a de hoje. Em 2050, segundo projecções demográficas das Nações Unidas, os portugueses em Portugal serão, quando muito, 8,1 milhões, contra os 9,8 que a ONU dava como contados há dois anos atrás: quase dois milhões de almas a menos. Mas, a concretizarem-se os sonhos camarários ratificados pelo poder central, haverá em Portugal, no mínimo, habitações para 14 milhões de pessoas — na hipótese minimalista, descrita pela Direcção Geral de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU), que fez o cálculo. Na realidade, ter-se-á ido mais longe: segundo a secretária de Estado da Habitação, Leonor Coutinho, o que já hoje existe, em Portugal, de solo classificado como urbano e urbanizável, tem em mente uma população de 30 milhões de pessoas. Bastaria, para tal, que se traduzisse em construção efectiva o aumento dos espaços urbanos — os destinados a construção — previsto nos Planos Directores Municipais (PDM's), aprovados pelas câmaras e ratificados pelo poder central. A ser assim, e já começa a sê-lo, Portugal garantirá, decerto, um lugar na história futura do urbanismo; mas no lado mau dessa história, aquele onde se continuam a promover, embora em contracorrente no contexto europeu, aberrações sem nome.

Óbidos é um bom exemplo desta nova vertigem: o seu PDM reclassificou solos até se atingir a situação descrita pela DGOTDU no seu estudo "Planos Directores Municipais — Geo-referenciação de áreas urbanas, turísticas e industriais", de 1998: à data do estudo, tinham sido "libertados" mais 689 hectares para construção que, a serem utilizados, se traduzirão num aumento de 284,71 por cento da área urbana do concelho, por comparação com a existente quando da elaboração da respectiva carta de ordenamento. Uma quase triplicação. Esta tendência vertiginosa generalizou-se, e é alimentada pelo financiamento das autarquias pela habitação — quantas mais casas novas, mais receitas para as câmaras, através da Sisa e da Contribuição Autárquica. Já hoje autarquias como Sintra, Cascais, Faro, garantem mais de um terço das suas receitas via impostos sobre a habitação. Outras há, como Barrancos, que nem dois por cento obtêm por tal via; essas anseiam por que ela cresça e "libertam" solos. Ricos ou pobres, os municípios portugueses reconhecem-se hoje nesta mesma ideia desenvolvimentista, mas não sustentável, de ordenamento do território.

Há excepções, mas muitos outros PDM's confirmam a epidemia: em pleno Alentejo desertificado, Barrancos "libertou" mais 73 hectares para construção, aumentando em 106 por cento a área urbana do concelho. Alcácer do Sal prevê uma área urbana 97 por cento maior do que a actual. Évora reservou para a sua expansão mais 407 hectares, aumentando em 93,35 por cento a área para construção e antevendo cerca de 50 mil novos habitantes potenciais.

A concretizar-se o que os PDM's autorizaram, Viana do Castelo teria 142 560 novos habitantes nos 3 644 hectares suplementares libertados para construção, passando a suportar uma área urbana 171,56 por cento maior que a existente. Lamego quer crescer mais 118,26 por cento. O Barreiro, mais 80 por cento. Portimão poderá chegar a um aumento de 119,67 por cento, fazendo antever mais 46 472 habitantes.

Estes são apenas alguns exemplos do que foi autorizado em Portugal, na década de 90, pela chamada primeira geração de Planos Directores Municipais. No conjunto, conclui a Direcção Geral de Ordenamento do Território (DGOT), o que se propõe equivalerá a um aumento de 47 por cento da área urbana existente no país. Delírio? Sim, e não acaba aqui. A DGOT sublinha que "a disponibilização de solos para ocupação futura, correspondente às propostas dos PDM's, é certamente superior aos valores obtidos". De facto, nos exemplos acima descritos, não está considerado o inevitável crescimento no interior das áreas urbanas e industriais já existentes: apenas se reteve a soma de ex-solos rurais reclassificados e disponibilizados para a construção. E preciso cruzar essa soma com o que já existe e deverá continuar a crescer, para se chegar ao Portugal dos 30 milhões que começámos por referir. Tal aberração foi denunciada por Eduardo Cabrita, um dos mentores da nova lei de ordenamento do território, e depois sublinhada por Leonor Coutinho, que nela terá visto uma boa forma de evidenciar o profundo nonsense do caminho que se está a seguir.

 

O dobro da média europeia

Não se trata apenas do que delirantemente, mas legalmente, se projectou para o futuro. Trata-se, também, daquilo que, por causa do delírio legalizado, já está a ocorrer. Desde 1997, as licenças de construção emitidas pelas câmaras portuguesas duplicam a média europeia. Só em 1998, último ano de referência do Instituto Nacional de Estatística, foram passadas 39 888 licenças para novos edifícios de habitação, com especial relevo para os concelhos do litoral e da região Norte. Nesse ano, Mafra ganhou a todo o país: a câmara local emitiu 995 licenças. Seguiram-se-lhe Braga (927), Santo Tirso (843) e Sintra (724). No mesmo ano eram dadas como concluídas 53 799 obras, 80,1 por cento das quais eram novas construções. Nos restantes países europeus, a média de construção de habitações novas situa-se hoje nos 22 por cento.

Por outro lado, Portugal permanece "o país das casinhas", embora a multiplicação de prédios de apartamentos em território suburbano se intensifique. No que toca a licenças para novos edifícios e a obras concluídas para o mesmo efeito, as habitações unifamiliares ocuparam, em 1998, 80 por cento do total. Mas, no mesmo ano, o número de fogos licenciados aumentou 12,4 por cento em relação a 1997. E deram-se como concluídos mais 89 244, aumentando em 23,2 por cento a parada do ano anterior. Densifica-se a construção e pensa-se o país como se todo ele fosse território para urbanizar. E depois constrói-se, extensivamente, o mesmo tipo de prédio, da Conceição de Tavira a Arcos de Valdevez.

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Escreveu o investigador Paul Virilio que "as cidades mostram o falhanço do século XX". Facto reconhecido na Grã-Bretanha, onde, no final dos anos 90, se admitiu o colapso de muitas das principais cidades do país. Foi uma das primeiras conclusões do trabalho da Urban Task Force, criada pelo governo trabalhista para avaliar a possibilidade de um "renascimento urbano" nacional. E que forneceu respostas interessantes, reunidas nas 300 páginas de diagnósticos e recomendações que, no ano passado, deram corpo ao relatório da comissão, "Towards an Urban Renaissance". Em 2000, Londres deu forma de lei a um dos postulados de base da Force, decidindo não autorizar a construção fora das áreas urbanas já existentes, sem que primeiro se confirme o esgotamento da capacidade destas últimas.

Por exemplo, percebeu-se que existem, na Grã-Bretanha, mais de 20 mil hectares de solo classificado como urbano mas devoluto. Outras contas apontavam para um défice, no país, de quatro milhões de casas. Ainda em 1997, o governo Blair decidiu que 60 por cento destas habitações teriam de resultar da conversão de outras já existentes, ou seriam erguidas em antigas zonas industriais desactivadas nas cidades. "Brownfield first" tornou-se, assim, a palavra de ordem. São ainda escassos os resultados práticos desta política na Grã-Bretanha, mas ela também tem vindo a ser seguida na Holanda e em outros países do Norte europeu. Na década de 80 proclamava-se, na ONU, que as gerações actuais devem responder às suas necessidades sem inviabilizarem a satisfação das necessidades das gerações futuras. Nascia o conceito de "desenvolvimento sustentável", lançado pela comissão a que presidiu a ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Brudtland, e adoptado, em 1998, pelo Conselho Europeu de Urbanistas, na chamada Nova Carta de Atenas. Assumiu-se que a revitalização das cidades só poderá ser feita com o fim da expansão dos subúrbios, preservando-se o que ainda é zona natural e investindo no que já é urbano.

Em Portugal, começou em 2000 a esboçar-se a segunda geração de PDM's, fruto da revisão dos que se encontravam em vigor. Os técnicos que os fiscalizam acreditam que será, de futuro, mais fácil travar a febre imobiliária, porque o decreto-lei 380/99 (de 22 de Setembro) estipula que "a reclassificação do solo como solo urbano tem carácter excepcional (...)". Mas isso significa que o poder central esperou até que a quase totalidade dos municípios gerasse PDM's sistematicamente reclassificadores de solos, e só depois criou os princípios que deveriam ter limitado o delírio desses mesmos PDM's. Primeiro com a chamada lei de bases do ordenamento do território (a 48/98, de 11 de Agosto), depois com o 380/99, que a complementa. Em ambos os textos, tão tarde, encontramos a defesa do "desenvolvimento sustentável": casa roubada, trancas à porta. O absurdo maior é que continuam a expandir-se, sobretudo no litoral e em torno de Lisboa e do Porto, periferias de cidades que, em si mesmas, entraram em perda de população. Entre 1981 e 1999, Lisboa perdeu 290 mil residentes. No mesmo período, Sintra ganhou quase 60 mil. Sem grandes metrópoles e com o crescimento, acelerado e desejado, de tudo o que é periferia, Portugal encontrou a sua "modernidade", na viragem do século, a caminho de uma nebulosa suburbana de contornos cada vez mais labirínticos e indefinidos. Na melhor das hipóteses, seremos o país que, no continente europeu, poderá ser desenhado como uma série contínua de edifícios alinhados ao longo de estradas ou de vias mais ou menos rápidas. Na pior, tornamo-nos párias por acentuarmos a incapacidade de recusar o crescimento da imparável mancha suburbana, cujo motor passou a ser o poder local em pessoa.

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* Clara Viana

Jornalista do Público.

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