Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2001 > Índice de artigos > A "arquitectura" política europeia > As Propostas > [Antecedentes históricos: EUA e Alemanha]  
- JANUS 2001 -

Janus 2001



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Antecedentes históricos: EUA e Alemanha

Luís Nuno Rodrigues *

separador

Aos novos Estados independentes na América do Norte, no final do século XVIII, colocou-se uma interrogação fulcral: corno organizar politicamente um espaço de vastas dimensões garantindo ao mesmo tempo a existência de uma autoridade supra-estadual que promovesse a coesão, a unidade política, e uma larga margem de autonomia ao nível dos diversos Estados que comporiam essa mesma unidade?

A verdade é que assim que foi obtida a independência das antigas colónias britânicas vieram ao de cima determinadas diferenças entre os seus projectos políticos e económicos. Por exemplo, as colónias do nordeste, junto ao Atlântico, estavam mais viradas para as relações com o exterior e, por conseguinte, interessava-lhes sobretudo a recuperação do velho sistema de trocas com a Grã-Bretanha. Era essa a actividade predominante das elites mercantis destas cidades. Para isso defendiam relações privilegiadas com os ingleses e um sistema de governo relativamente autónomo para os diversos Estados, que lhes permitisse conduzir livremente a sua política. Já as colónias do sul se mostravam muito mais interessadas na expansão territorial para o oeste do continente americano, a fim de, através da anexação de novos territórios, expandir as suas plantações de algodão e de tabaco, principais actividades dessas colónias. Para a concretização deste objectivo, porém, era necessário um poder mais forte e centralizado que pudesse fazer face quer às tropas inglesas acantonadas ainda no Canadá, quer aos agrupamentos de nativos que povoavam os referidos territórios, e que pudesse desenvolver aquilo a que hoje chamaríamos "infra-estruturas", ou seja, caminhos e vias de comunicação com o Oeste. Estas diferenças a nível dos objectivos políticos e económicos foram agravadas por uma profunda depressão económica que atingiu o seu auge em 1784. As autoridades norte-americanas tomam então consciência da necessidade de consolidar politicamente a sua união.

À altura, as antigas colónias ainda se regulavam pêlos chamados Artigos da Confederação, aprovados em 1781, que, em termos da edificação de uma união política, eram manifestamente inadequados pois definiam a Confederação como uma confederação de Estados que mantinham a sua soberania, liberdade, independência, e todos os poderes, jurisdições e direitos que não fossem expressamente delegados nos "Estados unidos" reunidos em Congresso. A questão da soberania permanecia, quanto ao essencial, inamovível e os artigos deixavam ainda uma fatia muito considerável de poder e de autonomia aos vários Estados, nomeadamente no que dizia respeito à política económica e à política externa.

Topo Seta de topo

Para os habitantes dos diversos Estados norte-americanos, a sua nação continuava a ser o respectivo Estado e tinham a perfeita noção da diversidade dos seus interesses sociais e económicos. Por conseguinte, duvidavam da possibilidade do estabelecimento de um governo único que não implicasse um regresso à monarquia e à "tirania", de que as antigas colónias há tão pouco tempo se tinham libertado.

Apesar de tudo, a adopção dos Artigos da Confederação já tinha representado um avanço nesse sentido de unificação. Mas os artigos tinham fraquezas em alguns pontos fundamentais. Desde logo, não previam a existência da figura de um Presidente, ou seja, de uma autoridade executiva que pudesse implementar as decisões do Congresso nos vários Estados que compunham a Nação. Depois, porque, de acordo com os Artigos da Confederação, o Congresso representava os Estados e não os cidadãos directamente. Cada Estado dispunha de um voto no Congresso, apesar de poder enviar entre 2 a 7 delegados ao Congresso. Por exemplo, o pequeno Estado de Delaware tinha tanto peso político no Congresso como o importante Estado da Virgínia.

Por outro lado, os poderes do próprio Congresso eram bastante limitados. Não só não tinha poder para cobrar impostos directamente, como não podia obrigar um cidadão a servir num exército nacional. Além disso, o Congresso não tinha poderes para regulamentar o comércio entre os diversos Estados e com os países estrangeiros. As actividades comerciais, mercantis e industriais estavam à mercê dos governos estaduais e também das imposições dos países estrangeiros, como por exemplo a Inglaterra, em relação aos quais o Congresso não podia, de uma maneira única, representar os interesses dos Estados unidos. As resoluções do Congresso continuavam a ser, em última análise, recomendações, cuja execução era deixada à decisão dos Estados. Note-se, por fim, que os artigos da Confederação não proibiam os Estados de emitir papel moeda e nem sequer se referiam aos Estados Unidos com letras maiúsculas, mas sim como "Estados unidos", deste modo enfatizando a soberania dos diversos Estados.

Vários factores contribuiriam para que os artigos da Confederação se tornassem manifestamente inadequados sob o ponto de vista político e económico. As elites norte-americanas empenhadas na construção do novo Estado e na consolidação da sua independência começam então a exigir uma profunda reforma dos artigos da Confederação:

• os sectores da manufactura pretendiam a imposição de taxas aduaneiras fortes aos produtos importados de países estrangeiros, nomeadamente da Inglaterra, de modo a que eles não fossem vendidos na América a preços mais baratos do que aqueles que eles conseguiam apresentar. Defendiam uma política proteccionista, que pusesse termo a uma espécie de neocolonialismo comercial inglês, mas que exigia uma autoridade central com poderes consideravelmente mais vastos do que os do Congresso;

• uma balança de pagamentos permanentemente deficitária conduzira a uma profunda depressão económica com o seu auge em 1784, a que os diversos Estados responderam emitindo mais moeda e mais notas;

• a desvalorização da moeda levou os bancos a não aceitar mais hipotecas e a executar dívidas, o que provocou, no estado de Massachusetts, uma revolta (em 1786) que quase derrubava o governo estadual.

O receio de desagregação interna que muitos Estados norte-americanos sentiram em meados dos anos 80 conduziu-os à discussão da reforma dos artigos da Confederação e quebrou a relutância de certos sectores das elites políticas norte-americanas em aceitar o caminho federalista que assim se iniciou não "de cima para baixo" mas de "baixo para cima". Na convenção de Filadélfia (Maio de 1787) o debate entre os defensores de um novo sistema de governo que pusesse fim à antiga confederação e os antifederalistas foi profundo. Estes criticaram os federalistas afirmando que a nova Constituição por eles proposta estabeleceria um governo supranacional, ao invés de um governo nacional, conglomerando os antigos Estados independentes em apenas um e transferindo a soberania previamente detida pêlos respectivos Estados para o novo Estado nacional. A tendência federalista acabou, contudo, por impor-se e o processo acabou por resultar na aprovação da Constituição Americana de 1787.

Os Estados Unidos tinham agora uma administração federal, que obedecia ao princípio da separação de poderes; um governo presidencialista, dirigido por um Presidente; um Congresso que legislava; e um tribunal federal para a administração da justiça, mantendo-se abaixo desta ordem federal ordens estaduais, reguladas de maneira idêntica e dotadas ainda de poderes consideráveis, num claro compromisso entre federalistas e estadualistas, para a criação de um Estado federal dotado de certos poderes, mas que ao mesmo tempo mantinha uma ordem política estadual.

Os interesses dos diversos Estados foram conciliados, de modo a criar-se a ordem federal, colocando-se um poder assinalável nas mãos do Congresso em detrimento dos poderes do executivo, e dividindo-se o Congresso em duas Câmaras: a Câmara dos Representantes e o Senado. A primeira tinha uma representação proporcional ao número de habitantes de cada Estado, conferindo por isso mais poder aos Estados mais numerosos e mais povoados. O segundo garantia um equilíbrio entre todos os Estados porque nele tinham assento dois representantes de cada Estado, por igual, independentemente da sua dimensão.

Todas as leis tinham que ser aprovadas pelas duas câmaras. Os Estados do sul concordaram que a tomada de decisão pudesse efectuar-se por maioria e não por dois terços, e em troca, os Estados do norte aceitaram a continuação da escravatura, pelo menos até 1808. O Congresso podia agora regular o comércio externo e intra-estadual; cobrar impostos e outros direitos; celebrar tratados com outras nações (sob proposta do presidente e aprovados por dois terços do senado); podia declarar a guerra e controlar as finanças, atribuindo ao executivo as verbas a gastar no governo. Os interesses vários (federalistas vs. antifederalistas, norte vs. sul, Estados pequenos vs. Estados grandes) ficavam garantidos e impedia-se a "concentração tirânica de todos os poderes do governo nas mesmas mãos". No espírito de James Madison, uma nação tão grande, tão vasta, tão pluralista em termos de interesses, garantia que nenhum desses interesses, nenhuma das facções, nenhum dos partidos pudesse simultaneamente controlar todo o poder, todas as instâncias de poder existentes, garantindo assim um eficaz funcionamento da democracia.

 

Informação complementar

Do Zollverein à Unificação Política

A unificação alemã ocorrida no século XIX foi precedida de uma união de cariz aduaneiro e de comércio livre — o Zollverein, criado em 1834 — agrupando dezoito Estados (Reinos, Eleitorados, Ducados, Cidades Imperiais, territórios eclesiásticos, de dimensão variada, como grandes potências [Império dos Habsburgos e Prússia], e pequenos principados [Reuss-Greiz] sujeitos ao Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, uma entidade imperial desprovida de qualquer significado político], 23 milhões de habitantes e cerca de dois terços do território do futuro império germânico sob a autoridade de um órgão executivo — o Congresso Geral — que reuniria anualmente numa capital diferente e em que cada Estado membro tinha um voto, sendo necessária a unanimidade em todas as decisões.

O Zollverein, que adoptara o novo código tarifário da Prússia (1818) e aboliu os impostos alfandegários internos, substituindo-os por direitos cobrados nas fronteiras da união, foi essencial à industrialização e desenvolvimento económico da Alemanha: unificou o direito comercial e a moeda, criou um mercado interno com tarifas baixas e deu protecção tarifária contra a competição estrangeira. As suas consequências políticas foram ainda mais importantes: permitiu à Prússia o domínio económico e político da região, a construção da unificação política da Alemanha culminada, em 1871, sob a sua égide, com a proclamação de uma Constituição Federal para os Estados alemães.

separador

* Luís Nuno Rodrigues

Docente no ISCTE. Doutorando pela Universidade de Wisconsin Madison, E.U.A.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Data de incorporação de cada estado na União

Link em nova janela A unificação económica da Alemanha

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores