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A mobilidade dos cérebros

João Peixoto *

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Nos estudos sobre migrações, a "mobilidade dos cérebros" não é um dos temas mais correntes. A razão é simples: face ao volume e variedade dos fluxos de mão-de-obra pouco ou medianamente qualificada, e perante os "problemas sociais" daí resultantes, pouca visibilidade resta para alguns — mesmo se significativos— movimentos de "cérebros". Podemos argumentar que este esquecimento é negativo. Por um lado, na nova economia do conhecimento — ou, mais genericamente, nas economias industriais ou pós-industriais baseadas na aplicação do conhecimento à prática (conversão da ciência em tecnologia) —, omitir a mobilidade do factor humano que mais directamente incorpora o conhecimento não parece razoável. Por outro lado, sabe-se que os "efeitos multiplicadores" da presença de agentes sociais de "topo" sobrelevam o seu peso quantitativo. Tal reflecte-se na sua capacidade originadora de iniciativas económicas e de inovação, ou, simplesmente, no seu volume de consumo superior à média. Em síntese, uma deslocação numericamente baixa de agentes sociais qualificados encerra em si um potencial de mudança— e, eventualmente, de explicação de migrações menos qualificadas — proporcionalmente superior ao seu volume.

Uma leitura cronológica da bibliografia sobre o tema conta-nos qual foi a evolução histórica do fenómeno (cf. Gaillard e Gaillard, 1998). Nos anos 60, a maioria das alusões respeita aos movimentos oriundos da Europa (países mais desenvolvidos), tendo por destino os EUA. Foi nesta época que se cunhou o termo brain drain (êxodo ou fuga dos cérebros). Nos anos 70 e primeira metade da década de 80, focaram-se sobretudo as saídas dos países em desenvolvimento, chegando-se a proclamar a necessidade dos mais ricos indemnizarem os mais pobres. Durante os anos 80 e até ao início dos anos 90, o fenómeno perdeu impacte — apesar de uma das suas modalidades, a dos estudantes que permaneciam no destino, nunca ter deixado de existir. Nessa altura, a aceitação das vertentes positivas do "êxodo" — incluindo a existência de fluxos de regresso (reverse brain drain) e a construção de "redes" internacionais — contrabalançou a permanência de alguns fluxos (Oommen, 1989). No início dos anos 90, o fenómeno regressou à ribalta, agora povoado de receios — que se manifestaram infundados — de um movimento maciço da Europa de Leste para o Ocidente. Ainda nos anos 80, a multilateralidade geográfica dos fluxos foi aprofundada, focando-se movimentos internos a organizações, como é caso das empresas transnacionais (Salt, 1992).

Portugal tem mantido uma posição, aparentemente, marginal — e também silenciosa — em relação aos movimentos de "cérebros" (para maior desenvolvimento, cf. Peixoto, 1999). A abundância de movimentos migratórios de baixa e média qualificação, desde os anos 60 — tanto emigração como imigração—, tem reforçado o carácter generalizadamente secundário daqueles movimentos. Apesar de não existirem desde essa década até à actualidade, números muito fiáveis sobre o nível de qualificação dos migrantes, são visíveis alguns fluxos. No período áureo da emigração para a Europa, a componente de "emigrantes" muito qualificados foi escassa. Nos anos 60 e primeira metade dos anos 70, verificaram-se, de facto, algumas saídas de técnicos e de intelectuais portugueses, para os EUA e para a Europa. Alguns destes movimentos foram causados por razões políticas, outros por motivos meramente profissionais. A explicação para os baixos números de saídas quase dispensa estatísticas mais rigorosas: em termos comparativos, os técnicos e quadros portugueses desfrutavam, já nessa altura, de um padrão de vida semelhante ao dos seus colegas europeus ou norte-americanos — pelo que só os portugueses menos qualificados detinham uma real racionalidade para a saída.

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Os anos 70 introduziram algumas modificações neste panorama — e revelaram uma maior intensidade de movimentos. Antes de mais, a revolução política de 1974 obrigou a uma saída, nunca devidamente estudada nem quantificada, de agentes sociais de "topo" em Portugal. Os fluxos de quadros superiores e técnicos, para além dos de empresários detentores de elevadas competências, devem ser mencionados. O carácter relativamente efémero destas saídas parece ser, porém, um dado adquirido. Logo após a "normalização" da vida económica portuguesa, apelos de vários governos, processos de privatização e a dinamização, em geral, da economia, conduziram a muitos "regressos". No plano mais estrito de cientistas e investigadores, 1974 caracteriza-se também por um regresso. Os intelectuais exilados acorreram, em proporção importante, ao país. Se lhes adicionarmos a realização de doutoramentos no estrangeiro, mais "regressos" se foram verificando — muitos ligados ao crescimento do ensino superior e à abertura de novos estabelecimentos.

Movimentos intra-organizacionais desenvolveram-se a partir dos anos 60, e deverão ter ganho relevo após os anos 80. Devemos enquadrar aqui, antes de mais, os quadros de empresas transnacionais. A abertura da economia portuguesa ao investimento estrangeiro, a partir do início da década de 60, foi paralela à entrada de quadros, para funções técnicas ou de controlo nas organizações. De início, foram movimentos reduzidos, que se caracterizavam por prolongadas estadias no país. Hoje, são movimentos mais abundantes e caracterizados por maior rotação de pessoal, frequentemente ligada a políticas de desenvolvimento de carreira. Parte importante dos estrangeiros, sobretudo de origem europeia, que têm procurado residência em Portugal tem, assim, como origem os movimentos de capitais. Se seguirmos a curva do investimento estrangeiro — que aumentou fortemente em 1986, com a adesão à União Europeia (DE) —, bem como dados acerca dos sectores privilegiados de inserção e nacionalidade das empresas-mãe, teremos indicadores do aumento e da renovação dos fluxos — apesar da contratendência para a substituição, com o tempo, de quadros expatriados por nacionais.

No âmbito dos movimentos intra-organizacionais, algumas saídas de portugueses se têm verificado. A partir da segunda metade dos anos 70, dois novos movimentos de "emigração" passaram a registar-se. Por um lado, um surto breve — mas significativo — de grandes investimentos e projectos no Médio Oriente levou à deslocação de pessoal técnico mais qualificado do que o habitual. Por outro lado, o início do processo de cooperação com as ex-colónias levou a um movimento de técnicos e quadros, no âmbito do Estado, de organizações não-governamentais ou de empresas privadas. A partir dos anos 80, processos cada vez mais sustentados de internacionalização de empresas portuguesas para vários destinos internacionais — não apenas as ex-colónias — levaram, agora, a um novo movimento de quadros, simétrico ao das entradas de quadros de multinacionais estrangeiras. São, agora, portugueses que saem, em modalidades variadas, para exercício de funções técnicas ou de controlo organizacional. Se voltarmos ao campo das migrações "independentes" (isto é, não enquadradas em organizações), os últimos 15 anos têm conhecido uma agitação crescente. No que se refere a entradas, o país acolheu um número significativo de estrangeiros qualificados que enfrentaram, concorrencialmente, o mercado de trabalho. Eles foram, sobretudo, brasileiros.

Os casos de inserção menos problemática foram os que passaram por sectores como o marketing. Os de inserção mais difícil foram aqueles onde os regulamentos profissionais são mais complexos, como sucede com os médicos-dentistas. Recentemente, algumas entradas de médicos e enfermeiros de nacionalidade espanhola e brasileira aconteceram — sendo fluxos com probabilidade de crescimento. Traços comuns a esta imigração são a relativa escassez de profissionais portugueses qualificados nas áreas em causa ou a inserção em regiões menos centrais, devido à deserção dos portugueses para os grandes centros (Lisboa, Porto e Coimbra). Quanto a saídas migratórias independentes, elas parecem ter sido sobretudo de estudantes, ambicionando obter graus académicos — sobretudo pós-graduados — no estrangeiro.

Este processo representa um alargamento dos canais de mobilidade social, sendo o estudo em universidades estrangeiras um meio eficaz de ascensão social. A liberdade de circulação na UE veio facilitar este, como outros, movimentos. Em Portugal, o balanço aparenta ser, assim, de mais entradas do que saídas de quadros altamente qualificados. Quanto à imigração, as estatísticas disponíveis dizem-nos que, no final de 1998, cerca de 30% dos estrangeiros activos com residência legalizada dispunham de profissões de "topo" (profissões técnicas e quadros dirigentes). Esta proporção praticamente estabilizou desde 1986. Por outras palavras, a polarização social dos imigrantes, entre um grupo de agentes muito qualificados e uma maioria de indivíduos com baixa qualificação, é uma constante em Portugal — pelo menos desde que a imigração se tornou significativa.

Quanto a saídas, as escassas informações disponíveis apontam para um volume apenas residual de movimentos. As causalidades que agem sobre entradas e saídas e as suas possibilidades de crescimento são diversas. O potencial para entradas resulta da necessidade de acompanhamento dos fluxos de investimento estrangeiro e de cargos técnicos em falta no âmbito do processo de modernização. O reduzido potencial para saídas resulta tanto da fraca concorrencialidade dos portugueses em mercados de trabalho qualificados como do bom estatuto social interno destes profissionais.

No futuro, tudo indica que estes fluxos venham a aumentar — embora de forma mais reduzida do que os clássicos movimentos económicos de "massa". O aumento generalizado de qualificação das populações, as necessidades crescentes de trabalho qualificado, processos de integração política e regional (a UE, a integração económica de Portugal e Espanha), processos de reestruturação locais — estão na base do crescimento potencial. O actual regime de liberdade de circulação na UE, acompanhado por um cada vez mais denso processo de reconhecimento de diplomas e credenciais — vital à circulação de pessoal qualificado —, deverá vir a proporcionar mais fluxos a médio prazo (apesar de podermos argumentar que, até hoje, não tem exercido um papel muito relevante nos movimentos). Relembre-se que sucessivos relatórios da UE lembram que a escassa mobilidade de competências, por comparação com os EUA, é um obstáculo à modernização das economias europeias. A conjugação de apelos económicos, estratégias sociais e desenhos políticos irá, certamente, levar a uma mobilidade crescente dos agentes qualificados.

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* João Peixoto

Docente no ISEG/UTL

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Bibliografia

Gaillard, Anne Marie, e Jacques Gaillard (1998), International Migration of the Highly Qualified: a Bibliographical and Conceptual Itinerary, Nova Iorque, Center for Migration Studies.

Oomen, T.K. (1989), "Índia: "brain drain" or the migration of talent?", International Migration, Vol. 27, N° 3, pp. 411-425.

Peixoto, João (1999), A Mobilidade Internacional dos Quadros – Migrações Internacionais, Quadros e Empresas Transnacionais em Portugal, Oeiras, Celta Editora.

Salt, John (1992), "Migration processes among the highly skilled in Europe", International Migration Review, Vol. 26, Nº 2, pp. 484-505.

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