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A decepção do renascimento de África

Vítor Ramalho *

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No termo do segundo conflito mundial, emergiram, à escala planetária, duas superpotências, os EUA e a ex-URSS, que, por fundamentos diferentes, sustentavam o direito inalienável dos povos dependentes de tutelas coloniais a disporem de si  mesmos. A Carta das Nações Unidas incorporou este princípio. Para além desta nova realidade, o quadro concreto então existente favorecia o impulso dos povos colonizados à autodeterminação.

A Europa saíra devastada da segunda conflagração mundial, esta havia suscitado a participação de milhares de cidadãos africanos nos teatros das operações militares, inclusive em partes do continente africano, e inúmeros jovens estudantes de África vieram então estudar para universidades europeias. Tudo razões que justificaram o Plano Marshall para a Europa, o reconhecimento da igualdade dos seres humanos perante a morte e a autoconfiança dos jovens líderes universitários africanos na capacidade de dirigirem e gerirem os destinos dos territórios colonizados de que eram originários.

Assiste-se assim, a partir da década de 60 do século XX, aos processos de descolonização dos territórios colonizados pelos europeus em África, com excepção da Libéria e da Etiópia, já então países independentes. O primeiro da África subsaariana a alcançar a independência, neste período, foi o Gana, em 1957, com Kwame N’Krumah na Presidência da República, seguindo-se-lhe os demais, a partir dessa década. Portugal foi a última potência europeia a descolonizar, na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974.

A OUA – Organização da Unidade Africana, criada em 25 de Maio de 1963, data que assinala o dia de África, estabeleceu o princípio de que os processos de autodeterminação deveriam respeitar as fronteiras herdadas do colonialismo. Admitiu-se então que o continente africano e nele os países que o integram, ao renascerem com autonomia, passariam a experimentar um rápido desenvolvimento económico e social.

Decorridas quatro décadas, não foi esse o resultado que, genericamente, se alcançou. Quais as razões para esta decepção? Elas são de natureza essencialmente política, com profundos reflexos no económico e no social.

O continente africano renasce com as autodeterminações, sob um quadro de bipolaridade à escala planetária, com duas superpotências que prosseguiam objectivos hegemónicos. A “guerra fria” que então ocorria na Europa deu lugar a “guerras quentes” em África, por interpostos agentes.

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A especificidade dos territórios africanos colonizados, suportados, em regra, em economias de subsistência, eram incompatíveis com a transposição mecanicista dos modelos políticos e económicos dos países mais avançados, máxime das duas superpotências de sinal contrário, num caso a sustentar a planificação e noutro o total livre jogo do mercado.

Cedo as contradições irromperam, quer pelo recurso a sistemáticos golpes de Estado, quer por impulsos secessionistas, como os que ocorreram no Katanga (actual Shaba), região da ex-República do Congo-Leopoldville (actual República Democrática do Congo), quer, mais tarde, no Biafra, região da Nigéria.

Este pano de fundo contribuiu para agravar o chamado ciclo vicioso da pobreza. Com diminuta ou quase nula poupança interna, a esmagadora maioria dos países recém-independentes lançou mãos da poupança externa, muitas vezes sob a forma de empréstimos. Que, como é evidente, tiveram e têm de ser pagos, em resultado dos benefícios que se esperam do próprio investimento realizado com eles. Quando estes são condicionados pelos interesses das entidades mutuantes e credoras, atento o mundo bipolar então existente e canalizados, no todo ou em parte, para fins diversos e desadaptados, inclusive, do ponto de vista das necessidades tecnológicas, são várias as consequências. Foi o caso. O endividamento externo subiu em espiral, criando a “questão da dívida”, a gestão dos recursos favoreceu o nepotismo e a corrupção e o ciclo vicioso da pobreza, ao invés de ser quebrado agravou-se e, com ele, a dependência.

A visão da estratégia do futuro cedeu à lógica do que é para o imediato e as medidas estruturantes que se impunham, fossem nos domínios sanitário, educacional e outros, porque com efeitos a longo prazo, foram sacrificadas.

Com a queda do mundo bipolarizado, admitiu-se que este estado de coisas se alteraria. Em muitos casos, ele agravou-se. Basta ter presente a interligação dos conflitos que hoje se estendem da região dos Grandes Lagos à África Austral. Porquê?

A implosão ocorrida num dos pólos da bipolaridade mundial, no caso na ex-URSS, fez evidenciar o princípio de que o desenvolvimento económico e social se suporta na criatividade individual e esta pressupõe regimes democráticos a suportarem o poder político. Daí à universalização do conceito de democracia e à pressão exercida pela única potência hegemónica, os EUA, para a rápida realização de processos eleitorais, condicionando-se inclusivamente a ajuda ao desenvolvimento, ao sufrágio directo e  universal, fundamento da democracia. Sucede que os países africanos são Estados à procura de serem nações, com mosaicos muito diversificados no seu seio, de natureza linguística, étnica, religiosa e cultural. A democracia não se restringe ao princípio de um homem, um voto. Ela é, sobretudo, um regime que deve salvaguardar o direito de participação e, neste, dos equilíbrios, inclusive os que respeitam ao exercício efectivo dos vários poderes.

A transposição, também mecanicista e meramente formal, da democracia, restrita ao sufrágio e à aceitação, sem mais, das consequências deste, não se acautelando, previamente, mecanismos constitucionais de equilíbrio, exacerbou as próprias contradições internas do mosaico. Estas contradições, face ao vazio gerado à escala planetária pela implosão de uma das superpotências e dos regimes apoiados por ela, interligou e fez interligar, por razões endógenas e exógenas, vários conflitos. De par com esta situação foram despoletados, em algumas regiões, mecanismos fundamentalistas de religiões ecuménicas e messiânicas que, do mesmo passo, se exacerbaram.

Como se vê e pode apurar, em qualquer dos períodos, antes e após a queda do mundo bipolar, as questões de fundo são essencialmente políticas antes de serem económicas. São-no mais acrescidamente no período actual, muito complexo, face à globalização e à natureza das relações de troca multilaterais que, de facto, têm agravado a desigualdade entre os países mais avançados e os menos avançados.

É nesta lógica que assistimos, genericamente, à degradação da noção do Estado e da autoridade deste no rigoroso cumprimento da igualdade da lei, pressuposto e garante do investimento e da estabilidade. Esta degradação dificulta, a juzante destes fenómenos, que se levem a bom termo combates indispensáveis para a qualidade da vida, seja contra o flagelo da Sida, seja pela defesa do planeamento familiar. O que está em causa é a determinação da aposta no capital humano, recurso estratégico de tudo o mais.

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* Vítor Ramalho

Advogado. Docente na UAL.

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