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Timor Leste: o referendo e os resultados das eleições de 1999

José Júlio Pereira Gomes *

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Nos termos dos acordos de Nova Iorque de 5 de Maio de 1999, a ONU (através daUNAMET, United Nations Mission in East Timor), organizou uma consulta popularaos timorenses sobre duas opções: a atribuição a Timor Leste de um estatuto deautonomia especial dentro da Indonésia ou a independência.

A 30 de Agosto de 1999, no final de um processo marcado pela intimidação e violência, os timorenses decidem-se pela independência. De um total de 451.796 eleitores recenseados, votam 446.953, ou seja cerca de 98,9%. Dos votos validamente expressos, 344.580 (78,5%) optam pela independência e 94.388 (21,5%), pela autonomia.

Os resultados são anunciados a 4 de Setembro. Ao fim da manhã desse dia a Indonésia, batida nas urnas, inicia a retirada que é acompanhada de actos de violência, destruição generalizada e deportação forçada para Timor Ocidental de cerca de 300 mil timorenses. Os que conseguem escapar à acção das milícias refugiam-se nas montanhas. Após uma semana de destruição e morte, a Indonésia aceita, a 12 de Setembro, o apoio internacional para restabelecer a ordem. Uma força liderada pela Austrália (INTERFET) entra em Timor a 20 de Setembro.

A Assembleia Consultiva Popular Indonésia (MPR) revoga, a 19 de Outubro, a lei que em 17 de Julho de 1976 tinha integrado Timor Leste como a sua 27ª Província. A 25 de Outubro, o novo presidente da Indonésia, Abdurrahman Wahid (Gus Dur) escreve ao secretário-geral da ONU (SGONU), informando-o da decisão da MPR. Essa carta e a correspondente resposta do SGONU, do mesmo dia, consumam a transferência de poder entre a Indonésia e as Nações Unidas e marca o fim da ocupação e o início da administração internacional (UNTAET).

Tem-se especulado se os acordos de Nova Iorque traduziam para a Indonésia uma estratégia de “se livrar” do problema de Timor ou se eram ainda uma tentativa para legitimar a integração. Provavelmente as duas coisas, dependendo do sector indonésio envolvido. Certo é que, enquanto em Nova Iorque se negoceia o projecto de estatuto de autonomia, as forças armadas indonésias organizam vários grupos de milícias que vão semear o terror em Timor Leste.

Admitiu-se que a instalação da UNAMET em Timor Leste levasse à contenção das milícias e fosse assim possível efectuar a consulta em relativa paz e normalidade. Tal não veio a suceder. As milícias continuam a provocar ondas de violência e chegam a atacar e a ameaçar a própria UNAMET (29 de Junho em Maliana, 30 de Junho em Viqueque e 4 Julho em Liquiça).

No princípio de Julho, com a UNAMET já completamente instalada no terreno, o SGONU decide “to begin registration based on positive assurances by the Indonesian authorities”. A decisão de começar o recenseamento, baseada em promessas e não na verificação de reais condições de segurança, tem um alcance e um significado que excede o contexto em que foi tomada. Ela significa que, enquanto os timorenses se revelassem disponíveis para participar no processo — apesar da violência de que eram vítimas — a UNAMET prosseguiria a consulta até ao fim, a menos que se tornasse, ela própria, vítima directa de um ataque sério. Os timorenses, em massa, enfrentam todos os perigos para se recensear e depois votar. O pessoal da UNAMET vai estar várias vezes na mira das armas das milícias, mas acaba por escapar ileso desses incidentes. É a combinação destes dois factores que explica que a consulta tenha ido até ao fim.

O processo de recenseamento, iniciado a 16 de Julho e terminado a 6 de Agosto, foi um êxito, apesar da intimidação e do ambiente de violência em que decorreu. Em Timor, o número de recenseados (438.517) é superior àquele que a Indonésia tinha recenseado meses antes (420.136), para as eleições nacionais de 7 de Junho.

Terminado o recenseamento, segue-se o período de elaboração e publicação das listas, eventuais reclamações e decisão final. Ao mesmo tempo prepara-se a campanha eleitoral, cujo início se dá a 14 de Agosto.

A 9 de Agosto, na sede da UNAMET, o CNRT, em nome das forças favoráveis à independência, e a UNIF, em nome dos partidos integracionistas (BRTT, FPDK e PPI), assinam um “Código de Conduta para os Participantes na Consulta Popular”. Posteriormente, a UNAMET emite um conjunto de regras de aplicação do referido código. Os partidos comprometem-se a realizar uma campanha pacífica, a aceitar os resultados do voto e a coordenar as actividades de campanha — através do Comité Central da Campanha, de Comités Regionais e Sub-Regionais —, de modo a evitar a ocorrência de conflitos. A UNAMET reúne em Jacarta, nos dias 11 e 22 de Agosto, os líderes timorenses. É aí decidido constituir uma “Comissão Consultiva de Timor Leste” composta por 25 líderes timorenses de todas as correntes de opinião, com a função de acompanhar a transição. A 29 de Agosto é assinado, em Díli, um acordo entre as milícias e as FALINTIL, obtido no dia anterior em Baucau, onde se previa: a proibição do transporte de armas fora das zonas de acantonamento; o apelo à polícia indonésia para que prendesse quem violasse esta regra; a realização de visitas recíprocas aos locais de acantonamento a partir do dia 30 de Agosto e a constituição de um comité de verificação para controlar o acantonamento e a deposição das armas.

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Ao mesmo tempo, a UNAMET exerce uma pressão contínua sobre as autoridades indonésias para que cumpram as suas obrigações em matéria de segurança. A 13 de Agosto é nomeado um novo comandante militar, o coronel Noer Muis, em substituição do coronel Tono Suratman, o que foi visto como um bom sinal e o resultado da pressão internacional.

A UNAMET procura, por outro lado, tranquilizar os timorenses, através de duas mensagens: o carácter secreto do voto garantido pela sua contagem central (e não nas 8 regiões em que o território tinha sido dividido para efeitos eleitorais) e o facto de a UNAMET continuar no território, independentemente do resultado do voto. Com estas duas mensagens visava-se contrariar a propaganda intimidatória dos integracionistas. Ninguém poderia saber como cada um ou cada região teriam votado. Ao dizer que a UNAMET permanecia em Timor depois do voto continuava-se, ainda, a jogar no efeito dissuasor da presença das Nações Unidas.O cumprimento das regras fixadas para a campanha eleitoral — livremente aceites por ambas as partes — teria dado origem à campanha mais ordeira e pacífica do mundo. Não foi isso que aconteceu. As milícias, com o aproximar da hora da verdade, aumentam as suas ameaças, e os actos de violência sucedem-se em todo o território.

O CNRT volta a viver numa situação de total ou semi-clandestinidade. As suas sedes ou não chegam a abrir (Liquiça, Ermera, Maliana e Same), ou abrem mas são destruídas (Dili, Viqueque, Los Palos e Oecussi), ou sofrem ataques (Ainaro e Manatuto). Apenas em Aileu, Suai e Baucau se mantiveram intactas. Suai — juntamente com Maliana — era, no entanto, uma das regiões onde o nível de intimidação era maior e a violência mais frequente.

O adiamento da votação chega a ser equacionado. A 20 de Agosto, a Comissão Eleitoral Independente (CEI) — composta por três peritos nomeados pelo SGONU com a missão de apreciar a regularidade de todo o processo — escreve a Ian Martin dizendo, no essencial, que a Indonésia não estava a cumprir a sua obrigação de garantir a segurança e que, em consequência, os resultados do voto viriam a estar inquinados a favor dos adeptos da integração.

A intenção da CEI não era, no entanto, a de adiar a votação, mas antes exercer ainda mais pressão sobre a Indonésia, dizendo-lhe que, no caso de vitória da integração, a CEI não a reconheceria, porque teria sido obtida através da violência.

O coordenador da campanha eleitoral do CNRT, Pe. Filomeno Jacob, S. J., dirige, a 24 de Agosto, uma carta ao Presidente da CEI onde diz: “The minimum conditions of freedom and security are not guaranteed at this point in time, a week from the vote planned for 30 August. It is therefore impossible to believe that the consultation process conducted by UNAMET will be free and genuine”. Xanana Gusmão endossa essa análise mas afirma, ao mesmo tempo, que não deseja o adiamento da votação.

Entendeu-se que adiar naquela altura o processo de consulta não evitaria por certo a violência e implicaria para os timorenses um duplo castigo: continuarem sujeitos à repressão indonésia e não poderem exprimir pelo voto o seu desejo de independência. O simples adiamento não garantiria a melhoria das condições de segurança. Pelo contrário. As milícias sentir-se-iam recompensadas. O natural era que aumentassem a violência, não apenas para melhorar a sua posição na contenda mas, eventualmente, para obter o cancelamento da consulta. Depois, corria-se o risco de a consulta vir a ser adiada sine diae. Timor poderia voltar a ser visto como apenas mais um elemento da crise indonésia e, nessa circunstância, as grandes potências teriam tendência a privilegiar o processo de transição democrática na Indonésia e a não destacar a questão de Timor. Finalmente, os adiamentos sucessivos poderiam levar à desmobilização dos timorenses e à instalação do cepticismo quanto à efectiva determinação das Nações Unidas em realizar a consulta. Este ponto de vista era particularmente sublinhado pelos líderes locais do CNRT.

A decisão de prosseguir com a consulta consolida-se.

É neste ambiente de violência, incerteza e esperança que se procede ao voto no dia 30 de Agosto. O êxito da participação é total. A votação decorre com uma normalidade inesperada. Verificam-se poucos incidentes embora em Atsabe (Ermera) tenham sido mortos, nesse dia, dois contratados locais da UNAMET.

A relativa calma com que decorreu a votação demonstrava a efectiva capacidade de controlo da Indonésia sobre as suas forças.

A UNIF contesta a consulta — e naturalmente os seus resultados — e suspende a sua participação no processo. A UNAMET, Portugal e a Austrália são acusados de serem os responsáveis por uma conspiração internacional contra Timor.

A CEI, após um exame contraditório das queixas apresentadas pela UNIF, considera-as infundadas. Segundo o seu parecer “the popular consultation had been procedurally fair and in accordance with the New York Agreements, and consequently provided an accurate reflection of the will of the people of East Timor”.

Dada a deterioração da situação de segurança, o processo de contagem dos votos é acelerado. Temia-se, em particular, um assalto ao local da contagem e a destruição ou falsificação dos boletins de voto. Nesse caso, o sacrifício dos timorenses teria sido em vão. A contagem termina pelas 6h00 da manhã de sábado, dia 4. A CEI certifica o resultado e emite o seu parecer. Horas depois o SGONU comunica os resultados ao Conselho de Segurança, considerando que eles reflectem a vontade do povo timorense. Sensivelmente à mesma hora, 9h30 em Díli, Ian Martin anuncia, no Hotel Mahkota, o resultado oficial da consulta.

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* José Júlio Pereira Gomes

Chefe da Missão de Observação Oficial Portuguesa à Consulta de 30.8.1999 em Timor Leste. Representante Permanente Adjunto na Missão de Portugal junto das Nações Unidas e outras organizações internacionais em Genebra.

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