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Timor Leste e Direitos Humanos

Catarina Albuquerque e Patrícia Galvão Teles *

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Os abusos em matéria de direitos humanos cometidos pelas autoridades indonésiasem Timor Leste entre 1975 e 1999 são bem conhecidos. Foi esta a questão que deugrande visibilidade ao problema de Timor nos vários fora internacionais. Definitivamente,os direitos humanos foram a chama que manteve viva a questão de Timor Leste noplano político internacional e que permitiram ao fim de longos anos de sofrimentoe resistência reparar uma gravíssima violação do direito internacional.

Durante a maior parte do período da ocupação de Timor Leste, a Indonésia era parte de apenas alguns instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos (ver infografia). No entanto, mesmo assim, encontrava-se vinculada internacionalmente, em virtude da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta das Nações Unidas e de regras consuetudinárias, a respeitar os direitos humanos dos timorenses, o que nunca fez, praticando antes o que se pode configurar numa longa lista de violações (ver infografia), muitas vezes numa escala maciça e sistemática. Execuções sumárias, desaparecimentos, deslocamentos forçados, homicídios, destruição de propriedade, tortura, tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, violações e outras formas de violência sexual, repressão da liberdade de expressão e associação, trabalho forçado, entre outros, foram quase uma constante no território. E tudo isto na mais completa impunidade, registando-se apenas até ao momento uma instância judicial em que foi possível (embora apenas em teoria, pois a indemnização devida não foi ainda paga) obter reparação num tribunal americano pelos actos cometidos pelas autoridades indonésias, neste caso com respeito a um cidadão neo-zelandês morto durante o massacre de Santa Cruz em 1991 (caso Todd v. Panjaitan, Tribunal Distrital de Boston, Massachusetts, 1994).

Pela sua gravidade, a situação dos direitos humanos em Timor Leste foi o objecto central da atenção da comunidade internacional e também da actuação da diplomacia portuguesa e da resistência timorense durante o período da ocupação indonésia. Um papel fundamental a este respeito foi desempenhado também pela União Europeia, por vários Estados individuais e, sobretudo, pelas organizações não-governamentais (timorenses, portuguesas, australianas, americanas, inglesas, indonésias, só para mencionar as mais importantes). Para além da gravidade da situação, que era sintomática da rejeição da presença indonésia pelos timorenses, era de certo modo mais fácil negociar a melhoria das condições no território do que a retirada das tropas indonésias ou o estatuto futuro de Timor. Porém, desta forma a comunidade internacional contribuiu igualmente para impedir a consolidação dos factos no terreno ao manter a situação dos direitos humanos em constante revista, sobretudo nas Nações Unidas.

A situação interna da Indonésia na época, a sua não participação em relevantes tratados em matéria de direitos humanos como os Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais ou a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre o Genocídio e a rejeição dos mecanismos de controlo criados pelos instrumentos que ratificou, assim como o encerramento do território às organizações não-governamentais e à imprensa, tornavam a supervisão da situação quase impossível. Porém, a Indonésia foi condenada em vários fora pelos abusos cometidos em Timor Leste, nomeadamente na Sub-Comissão e na Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas, quando os outros órgãos desta Organização pareciam já ter esquecido a questão de Timor (ver informação complementar). Foi, de facto, a Comissão dos Direitos Humanos, comissão funcional do Conselho Económico e Social (ECOSOC), o órgão mais activo nesta matéria — sobretudo após o massacre de Santa Cruz — e que desempenhou um papel fundamental para manter viva a questão de Timor Leste na agenda internacional, ao adoptar anualmente um texto sobre a situação dos direitos humanos no território, mesmo que fosse um texto mais brando e aceite pela Indonésia e desta forma aprovado por consenso.

O referendo de 1999 em Timor Leste marcou uma nova etapa em matéria de direitos humanos no território, tanto no mau como no bom sentido. Se, a partir do anúncio da consulta popular, e sobretudo imediatamente após a sua realização e o anúncio da vitória da opção independência, foram cometidas gravíssimas violações de direitos humanos — que em certos casos podem constituir crimes contra a humanidade e crimes de guerra — pelas autoridades indonésias e pelas milícias por si criadas e treinadas, numa dimensão e violência que chocou o mundo, a comunidade internacional reagiu desta vez de uma forma mais imediata, vigorosa e directa, embora as consequências da violência de 1999 ainda estejam por resolver (ver informação complementar). As atrocidades cometidas contra a população timorense em 1999 foram severamente criticadas no Conselho de Segurança e na Comissão dos Direitos do Homem — que chegou inclusivamente a reunir-se numa Sessão Especial sobre Timor em Setembro do mesmo ano —, ambos unânimes na necessidade de julgar os seus responsáveis.

No rescaldo da violência de 1999, outro problema que se encontra ainda por resolver na sua totalidade em Timor é a questão dos refugiados timorenses na Indonésia. De acordo com dados do Alto Comissariado para os Refugiados (ACNUR), mais de 75% da população de Timor Leste foi deslocada no período pós-referendo. Mais de 200.000 pessoas foram deslocadas para Timor Ocidental e para outras partes da Indonésia e 500.000 foram deslocadas internamente. Quanto aos refugiados na Indonésia, foram já efectuados 169.000 repatriamentos, na maior parte dos casos com o auxílio do ACNUR, estimando esta organização que dos 90.000 timorenses que ainda se encontram na Indonésia, apenas 50.000 desejam regressar. Nos campos de refugiados em Timor Ocidental, os timorenses continuam a ver os seus direitos humanos violados.

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No período de transição para a independência está a iniciar-se um esforço por olhar para o passado, o que parece ser fundamental para a construção do futuro de Timor Leste. Para o efeito, foi criada uma Comissão de Reconciliação para elaborar um registo histórico dos abusos de direitos humanos cometidos em Timor Leste desde 1975 e também para lidar com as violações consideradas menos graves e que não sejam objecto de um processo judicial.

Os direitos humanos desempenharam assim um papel fundamental na resolução do problema de Timor Leste, ao não deixarem a comunidade internacional esquecer este território. Porém, foi certamente alto o preço pago pelos timorenses.

 

 

Informação complementar

Artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos violados pela Indonésia

- Direito à vida (artigo 3º)

- Tortura e tratamentos ou penas cruéis e degradantes (artigo 5º)

- Reparação em caso de violação de direitos humanos (artigo 8º)

- Prisão e detenção arbitrária (artigo 9º)

- Privacidade (artigo 12º)

- Liberdade de circulação (artigo 13º)

- Privação arbitrária de propriedade (artigo 17º)

- Liberdade de opinião e de expressão (artigo 19º)

- Liberdade de associação (artigo 20º)

 

Como julgar os responsáveis pelas atrocidades cometidas em Timor Leste em 1999?

Após o anúncio do referendo em Janeiro de 1999, começou uma nova onda de terror e violência em Timor Leste, que culminou num número total ainda não determinado de vítimas de violações de direitos humanos e na quase total destruição das infra-estruturas do território após o anúncio da vitória da independência em Setembro do mesmo ano, no que parece ter sido um plano premeditado para destruir as bases de um Estado independente, elaborado pelas forças armadas indonésias e executado pelas milícias pró-integração.

Foram cometidas de uma forma sistemática e/ou maciça, deportações, massacres, homicídios, execuções forçadas, tortura, violência sexual e destruição de propriedade, etc. que podem constituir, ao abrigo do direito internacional, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, os quais importa julgar.

Existem várias hipóteses de julgamento dos responsáveis pelas atrocidades cometidas em Timor em 1999. Em primeiro lugar, poderá ser criado um tribunal internacional, tal como proposto pela Comissão Internacional de Inquérito criada pela resolução aprovada na Sessão Especial da Comissão dos Direitos Humanos, e apoiado pela Alta Comissária para os Direitos Humanos — mas por ora esta solução encontra-se em suspenso. Por iniciativa indonésia, foi aí criado um tribunal ad hoc para julgar os crimes cometidos em Timor em 1999 e, tanto o Secretário-Geral das Nações Unidas como o Conselho de Segurança, e também a Comissão dos Direitos do Homem aceitaram que, se a Indonésia procedesse de uma forma credível ao julgamento dos suspeitos da violência em Timor Leste então não haveria necessidade de recorrer a um tribunal internacional. Quanto aos tribunais timorenses, esta jurisdição foi criada pela UNTAET e manter-se-á até à independência, tratando-se de uma secção especial composta por juízes timorenses e internacionais no tribunal distrital de Díli, competente para julgar os crimes mais graves tais como genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, homicídio, ofensas sexuais e tortura. Haverá ainda a possibilidade de julgamentos nos tribunais nacionais, incluindo nos tribunais portugueses, de acordo com o princípio da jurisdição universal para crimes de guerra e contra a humanidade, encontrando-se já em curso um processo — embora civil e não penal — num tribunal americano (Plaintiffs v. Major General Johnny Lumintang, Tribunal Distrital de Washington DC).

Persistem, no entanto, sérias dúvidas quanto à possibilidade de julgar os verdadeiros e mais altos responsáveis pelas atrocidades na Indonésia. Parece ser já altura de insistir na criação de um tribunal ad hoc internacional ou misto, como os recentemente constituídos para o Camboja ou a Serra Leoa, já que o Tribunal Penal Internacional nunca será competente pois a sua jurisdição não é retroactiva. Paralelamente deve ser dada continuidade à jurisdição em matéria de crimes internacionais pelos tribunais de um Timor Leste independente.

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* Catarina Albuquerque

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, Genève. Técnica do Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Docente na UAL.

* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre e Doutorada em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, Genève.

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Dados adicionais
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(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Timor Leste na Comissão dos Direitos Humanos

Link em nova janela Timor Leste nos outros órgãos das Nações Unidas

Link em nova janela Tratados internacionais em matéria de Direitos Humanos ratificados pela Indonésia

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