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A região Ásia-Pacífico no quadro da política externa portuguesa

Joaquim Trigo de Negreiros *

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A projecção externa portuguesa na Ásia tem sido em boa medida condicionada pelaquestão de Macau e pela situação em Timor Leste, dois “casos” conjunturais resultantesde um legado histórico incontornável, com evidentes efeitos estruturantes sobreo conjunto das opções estratégicas de Lisboa para a região.

Compreende-se, assim, que as substanciais alterações coincidentemente registadas em Macau e em Timor Leste durante o ano de 1999 — o desfecho da calendarizada transição para a soberania de Pequim, no primeiro caso, e a sequência de acontecimentos que conduziu à opção independentista manifestada através de referendo, no segundo — tenham criado um novo cenário com profundas implicações na actividade diplomática portuguesa naquela zona do mundo.

A evolução em Macau e em Timor Leste poderá mesmo sugerir, dada a importância das alterações recentemente verificadas em ambos os casos, que Lisboa estaria agora em condições de desenhar uma política externa para a Ásia-Pacífico liberta dos constrangimentos conjunturais que a marcaram no passado. Tal conclusão seria precipitada. As questões de Macau e de Timor Leste mantêm intacto o seu estatuto de pontos nevrálgicos da projecção portuguesa na região, sendo que agora esta se articula em função das transformações ocorridas numa e noutra situação.

A fase mais visível da mudança

Os acontecimentos em Timor Leste tiveram desde logo um impacte decisivo nas relações de Portugal com a Indonésia e com a Austrália, duas potências regionais em relação às quais se abriram possibilidades de um diálogo político impensável antes de 1999. No caso da Indonésia, a tradução mais evidente do novo quadro de relacionamento bilateral foi a normalização das relações diplomáticas entre Lisboa e Jacarta, que culminou, já em 2000, com a reabertura de embaixadas nas duas capitais. As expectativas de intensificação do relacionamento não foram, no entanto, plenamente satisfeitas. Dois obstáculos, relacionados entre si, têm comprometido avanços mais consistentes nessa direcção.

Em primeiro lugar, o diálogo entre os dois países está contaminado pela aparente incapacidade de Jacarta para fazer face a problemas que continuam a afectar uma evolução positiva da questão de Timor Leste, nomeadamente aqueles que dizem respeito à situação dos refugiados em Timor Ocidental. Em segundo lugar, a profunda crise política doméstica indonésia limita significativamente a disponibilidade das autoridades de Jacarta para concentrar esforços no plano do relacionamento externo. Assim sendo, a nova fase do diálogo político entre Lisboa e Jacarta continua a ser uma promessa parcialmente por cumprir. Uma situação de “congelamento” emblematicamente ilustrada pelos sucessivos adiamentos da visita do ex-Presidente Wahid a Lisboa.

Tendo em linha de conta a relação entre a crise política indonésia e a persistência dos obstáculos que afectam a evolução da situação timorense, os impulsos político-diplomáticos portugueses orientaram-se, durante o primeiro semestre do ano, no sentido do encorajamento das tentativas de reforma protagonizadas pelo frágil executivo de Wahid. Não só porque os potenciais efeitos de algumas das reformas em causa se projectam directamente na questão timorense — como é patente na tentativa de remodelação do sistema judicial, que criaria a perspectiva de julgamento e punição adequada para os elementos da milícias integracionistas condenados por atrocidades no território, ou da desmilitarização da sociedade indonésia, que limitaria o espaço de manobra dessas mesmas milícias — mas também porque um eventual fracasso do movimento reformador liderado por Wahid teria como consequência política imediata um reforço do poder da vice-presidente Megawati Sukarnoputri, cujas posições em relação a Timor Leste sempre estiveram mais distantes da perspectiva portuguesa do que as do líder mulçumano que ocupou a presidência até Julho de 2001. Com a queda de Wahid e a consequente subida de Megawati ao topo do Estado indonésio, Lisboa viu-se forçada a lidar com uma liderança indonésia mais comprometida com sectores sociais e militares saudosistas da “integração” de Timor Leste.

Timor Leste é igualmente a pedra de toque das relações entre Portugal e a Austrália. Na sequência da viragem radical do posicionamento de Camberra face à questão timorense, criou-se um novo espaço de diálogo político que possibilitou a normalização do relacionamento bilateral, permitindo a reabertura da embaixada australiana em Lisboa, em Julho de 92, após oito anos de encerramento. O relançamento dos contactos político-diplomáticos proporcionou ainda a negociação de um novo acordo de supressão de vistos — a suspensão do acordo anterior, por iniciativa de Camberra, fez dos portugueses os únicos cidadãos da União Europeia a carecer de vistos para entrar na Austrália — e abriu a perspectiva de um acordo cultural, bem como da abertura em Lisboa de uma delegação da Austrade, organismo de coordenação do comércio externo. Apesar disso, o facto é que Timor Leste continua a absorver boa parte do relacionamento político entre Lisboa e Camberra. Da parte portuguesa, nota-se um visível interesse em concentrar esse diálogo na procura de parcerias com a Austrália, tendo em vista acções de cooperação, à imagem da já concretizada tutoria conjunta das Forças de Defesa de Timor Leste. O efeito estabilizador do envolvimento australiano no processo timorense explica o interesse de Lisboa na busca de projectos conjuntos de cooperação. O esforço português nesse sentido é, no entanto, orientado por uma motivação política suplementar: estar ao lado de Camberra em projectos de cooperação dilui o risco de uma “anglo-saxonização” de Timor Leste, que não interessa a Lisboa e da qual a Austrália é a natural ponta de lança.

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Macau, duplo papel

Assim como Timor Leste continua a dominar o conteúdo do relacionamento político com a Indonésia e a Austrália — que por sua vez orienta o diálogo com os países adjacentes e com as organizações regionais onde se inserem — , também as relações com a República Popular da China permanecem fortemente condicionadas pela evolução da situação em Macau. Nesse sentido, Macau pode assumir um duplo papel, ora funcionando como elemento de aproximação bilateral, ora emergindo como fonte de tensão política susceptível de contrariar os impulsos de aproximação.

Ainda que pouco visíveis, os focos de tensão existem e prendem-se sobretudo com diferentes perspectivas sobre o legado português em Macau, tendo em vista sobretudo as respectivas implicações sobre o futuro de Macau em matéria de Direitos Humanos. As preocupações de Portugal perante a perspectiva de uma adulteração do regime jurídico de matriz portuguesa que formalmente vigora em Macau, para citar um exemplo particularmente sensível, é reveladora dos problemas habitualmente omitidos nas declarações oficiais produzidas em Lisboa ou Pequim.

Confrontadas com questões como esta, as autoridades portuguesas têm evitado posições de assumida confrontação com a República Popular da China, privilegiando uma abordagem que, a médio prazo, concorra para que a China venha progressivamente a assimilar uma concepção dos Direitos Humanos mais próxima da perspectiva “ocidental” sobre o mesmo tema. O sucesso dessa abordagem depende em boa medida da capacidade para enfraquecer a reserva com que os responsáveis de Pequim encaram qualquer discussão em fora multilaterais sobre questões relacionadas com Direitos Humanos. Lisboa tem insistido em contrariar esse tipo de resistência, como demonstram as posições assumidas por Portugal no âmbito da ASEM (1), onde a China, com a cumplicidade da Malásia, procura inviabilizar qualquer tentativa de diálogo aberto sobre a sensível problemática dos Direitos Humanos.

A atitude portuguesa na ASEM enquadra-se numa presença mais afirmativa de Lisboa nas diversas organizações regionais. Parcialmente liberta da posição defensiva a que a obrigava a sinistra imobilidade do processo timorense, a diplomacia portuguesa está agora em condições de assumir outro tipo de protagonismo, mais criativo e mais pró-activo, quer no contexto do diálogo político com a ASEAN (2), quer no espaço do ARF (3).

O quadro das prioridades da projecção externa portuguesa na região inclui ainda o Japão e a Índia. No caso do Japão, o panorama não registou alterações significativas no passado recente. Trata-se de um relacionamento claramente enquadrado pela União Europeia, no qual, apesar de tudo, Portugal tem procurado rentabilizar as especificidades resultantes sobretudo de laços históricos ancestrais, que criam um ambiente particularmente propício ao aprofundamento das relações culturais. Em relação à Índia, há a destacar a circunstância de ter sido durante a presidência portuguesa do Conselho de Ministros da União Europeia, em Junho de 2000, que esta potência asiática viu finalmente consagrados os mecanismos de um diálogo político regular ao mais alto nível com a União Europeia. Uma circunstância que seguramente terá contribuído para dissipar alguma tensão política remanescente que opôs Lisboa e Nova Dheli a propósito das comemorações do quinto centenário da viagem de Vasco da Gama.

 

Informação complementar

Lisboa e os conflitos regionais

O acompanhamento, por parte da diplomacia portuguesa, dos diversos conflitos que se verificam na região Ásia-Pacífico faz-se sobretudo através das estruturas da União Europeia vocacionadas para essa tarefa. Apesar disso, a especificidade das relações entre Lisboa e alguns dos países asiáticos envolvidos em contenciosos proporciona-lhe uma abordagem que, sem contrariar as posições de princípio assumidas pelos Quinze, nelas não se dilui inteiramente. A especificidade deve-se por vezes à circunstância de Portugal não ter interesses directos nas zonas de conflito, gozando por isso de uma margem de manobra superior à de alguns dos seus parceiros comunitários. É o que sucede no caso do contencioso que opõe a Índia ao Paquistão. No que toca à disputa das ilhas Spratly e Paracel, que envolve a China, o Vietname, a Malásia, as Filipinas e o Brunei, Lisboa tem procurado contribuir para que as partes aceitem uma internacionalização do problema, enfrentando a forte resistência de Pequim, que insiste em abordagens de natureza bilateral.

A evolução em Macau condiciona a atitude portuguesa face à questão de Taiwan. A posição de princípio de Lisboa é clara e confortável — Portugal apoia a doutrina “uma China” — mas qualquer sobressalto na situação em Macau poderá ter consequências no posicionamento português nesta matéria. Em relação à aproximação entre as duas Coreias, Portugal, que, ao contrário de outros Estados membros da UE, tem relações diplomáticas com Pyongyang, revela uma atitude prudente, distanciando-se das expectativas de reunificação a curto prazo. No caso do Afeganistão, não se detecta nas posições portuguesas qualquer traço distintivo em relação à política da UE, que tem manifestado o seu apoio aos esforços desenvolvidos pela ONU no sentido da “humanização” do regime imposto pelos taliban.

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1 Asia-Europe Meeting — Tem como países membros os quinze Estados da União Europeia, o Brunei, a República Popular da China, a República da Coreia (Sul), as Filipinas, a Malásia, o Japão, a Indonésia, Singapura, a Tailândia e o Vietname.
2 Association of South East Asian Nations — Tem como países membros a Birmânia, o Brunei, o Cambodja, a Indonésia, o Laos, a Malásia, as Filipinas, Singapura, a Tailândia e o Vietname.
3 Asean Regional Forum – Tem como países membros os quinze Estados da União Europeia, os dez Estados que integram a ASEAN, os EUA, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, a Rússia, a Índia, a República Popular da China, o Japão, a República da Coreia (Sul), a República Popular da Coreia (Norte) e a Mongólia. A Papua Nova-Guiné tem o estatuto de observador.

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* Joaquim Trigo de Negreiros

Licenciado em Comunicação Social pela Universidade Católica do Rio de Janeiro. Redactor do jornal PÚBLICO até Outubro de 1999. Professor de Jornalismo na ESCS.

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