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A evolução das relações com Marrocos

Helena Bico Marques, Rita Isabel Lages, Sérgio Leal Nunes *

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Porta de acesso ao Norte de África, Marrocos constitui, no plano geográfico,o nosso mais próximo parceiro a seguir à Espanha, embora a esta proximidade seoponha a relativa distância de condição económica e social e as diferenças culturaisque nos separam. As relações luso-marroquinas remontam a um passado longínquoe, se no início do século XI foram os árabes quem procurou um papel dominantena Península Ibérica, os papéis acabaram por se inverter e, actualmente, sãoos portugueses, espanhóis e franceses quem faz sentir de forma marcante a suapresença no Norte de África.

Porém, as relações portuguesas com Marrocos só recentemente se aprofundaram. Actualmente, as relações com os PALOP, privilegiadas durante anos, são “chão que já deu uvas” (Mário Cristina de Sousa, “Portugal Empresarial”, 24.05.2001), surgindo espaço para que Marrocos seja entendido como oficialmente prioritário para o desenvolvimento das relações entre Portugal e África.

Este redireccionamento estratégico tem-se feito acompanhar de um reforço de contactos entre os dois países, formalizado em 1994 com a assinatura do Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos. As questões económicas e financeiras têm vindo a merecer especial destaque, embora as questões de índole cultural, justiça e investigação científica também estejam na ordem do dia, encontrando expressão nos acordos assinados na VI Cimeira Luso-Marroquina que teve lugar em Lisboa, em Maio último.

 

As Pescas

A ensombrar o pleno desenvolvimento das relações luso-marroquinas encontra-se o atrito causado pela questão das pescas. A necessidade de gerir a exploração do Mar Mediterrâneo por países africanos e europeus, contenda que atinge muito particularmente a Península Ibérica, tem de certa forma ditado o tom nas relações entre a UE e os países terceiros mediterrânicos, em especial Marrocos.

Portugal é reconhecidamente um dos países da UE onde o sector das pescas assume um maior peso económico e social, mas tem-se deparado com uma série de problemas que advêm, para além dos sinais de sobrepesca em águas nacionais e das dificuldades acrescidas de acesso a pesqueiros exteriores, das características do sector no nosso país. As frotas artesanais dedicadas à monocaptura continuam a ser a regra, afastando-nos dos interesses muito mais abrangentes da UE e mesmo dos nossos vizinhos espanhóis, que passam por grandes frotas pesqueiras que exercem a sua actividade sobre uma maior diversidade de espécies e em diversos segmentos.

Estruturalmente frágil, a frota portuguesa vê-se colocada numa posição difícil, especialmente agora que tantos entraves se têm colocado no processo de negociação do novo acordo de Pescas entre a UE e Marrocos, após a expiração, em Novembro de 1999, do Acordo assinado em 1995.

A dificuldade em conciliar os diferentes interesses das partes envolvidas – Marrocos reclama uma soma anual relativa às quotas de exploração de 180 milhões de contos, valor muito distante da proposta da UE; a vontade portuguesa de chegar a um acordo bilateral Portugal-Marrocos relativo à frota artesanal, em oposição à lógica centralizada de acordos com terceiros países, impulsionada pela adesão à Política Comum das Pescas; a posição espanhola de apoio às grandes frotas – tem gerado um impasse sério nas negociações. Esta indecisão ficou patente na Cimeira Luso-Marroquina de Maio, com a ausência de discussão do tema. Portugal procura agora soluções alternativas para a sua frota de pesca e novos destinos pesqueiros que permitam assegurar o emprego aos pescadores de Olhão e Sesimbra, diminuir o esforço de pesca em águas nacionais e que permitam limitar ao máximo a desactivação de cerca de 252 embarcações, que constitui o objectivo principal das mais recentes ajudas comunitárias superiores a 2.1 milhões de contos. Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau são apontados como sérias alternativas a considerar.

 

O investimento directo além-Mediterrâneo

O facto de Marrocos ser um país em desenvolvimento deve ser encarado sob duas perspectivas: por um lado, constitui um sinal de que há espaço para o nosso país intervir em domínios que ajudam a estruturar o desenvolvimento marroquino, nomeadamente infra-estruturas de base, como sejam a produção e distribuição de energia, vias de comunicação, água e saneamento e telecomunicações; por outro lado, a par do potencial de crescimento existe uma forte componente de risco que faz com que os investimentos a realizar sejam atentamente ponderados. Mas um ponto a favor de Marrocos, que o coloca em posição destacada no contexto africano, é a sua relativa estabilidade política, que a par da progressiva abertura vem tornando o seu território cada vez mais atractivo aos olhos dos investidores estrangeiros (ver informação complementar).

O interesse mútuo em promover investimentos entre Portugal e Marrocos é formalizado em 1990 com a emissão do diploma que aprova o acordo entre os dois países no que se refere à Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos. Este processo foi concluído em 1995, e logo em 1997 é assinada em Rabat uma convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento. Mais recentemente, foi “ressuscitada” na Cimeira de Maio uma linha de crédito no montante de 2 milhões de contos disponibilizada pela CGD, que foi transformada em crédito concessional para impulsionar os negócios das PME portuguesas para além-Mediterrâneo.

1999 foi o ano em que Portugal parece ter acordado para o seu vizinho magrebino (ver gráfico): o investimento de cerca de 100 milhões de contos da Portugal Telecom, no âmbito da aquisição da segunda licença GSM em Marrocos em conjunto com a Telefonica, permitiu-nos assumir a liderança enquanto investidor estrangeiro em Marrocos, à frente da França e Espanha, que normalmente ocupam as posições de destaque nesse domínio. Perspectiva-se que o aumento do interesse de Portugal pelo país do Norte de África continue nos próximos anos, uma vez que grandes empresas parecem ponderar a hipótese de aí investir ou continuar a investir, avançando-se nomes como a PT, Cimpor, EDP, Somague, Grupo Amorim e Transgás, que actuam sobre sectores básicos e decisivos para a consolidação económica marroquina. Também as PME de sectores intensivos em mão-de-obra, como o calçado, têxtil, vestuário e cerâmica, têm-se aventurado cada vez mais além-Mediterrâneo, desempenhando um papel muito importante na criação de emprego, vertente que tem sido um verdadeiro cavalo de batalha para o governo marroquino. As PME que se deslocam para o Norte de África actuam, muitas vezes, não de forma concorrencial mas em parceria com o país receptor. Se tivermos presente que Portugal é dos países que faz mais concorrência a Marrocos em sectores como o calçado e o têxtil (sectores onde assenta parte da especialização produtiva dos dois países), faz todo o sentido que se criem parcerias luso-marroquinas que potenciem sinergias para competir com outros países europeus.

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Comércio bilateral

Enquanto o investimento directo estrangeiro tem conhecido avanços significativos, o peso das trocas bilaterais mantém-se reduzido: em 1999, Portugal ocupou o 16º lugar enquanto cliente de Marrocos, com uma importância de apenas 0,7% nas trocas comerciais do país magrebino, não estando sequer listado nos seus primeiros 18 fornecedores. Em 1999, as entradas de produtos de origem marroquina representaram apenas 0,63% do total das nossas importações, sendo que a saída de produtos portugueses com destino a Marrocos representaram 2,22% do total das nossas exportações. Apesar da importância reduzida, o saldo comercial tem sido favorável para o nosso país (ver infografia), com as nossas exportações a aumentarem a uma taxa média de 13% e as nossas importações a aumentarem a uma taxa média de 7,75%, nos últimos 5 anos.

A promoção das nossas exportações para Marrocos deve ser feita numa tentativa de maximizar todos os impactes positivos na nossa balança comercial, estruturalmente deficitária. Mas há que ter em atenção a forma como a promoção dos contactos comerciais deve ser feita. Marrocos, à semelhança de Portugal, aposta nos baixos preços proporcionados pela mão-de-obra barata, mas possui ainda um potente instrumento de promoção de exportações de que Portugal já não dispõe: a possibilidade de manipular a taxa de câmbio. A desvalorização em 5% do Dirham foi recentemente usada, após 11 anos sem qualquer manipulação cambial e após 2 anos de pressões por parte das associações de exportadores, numa tentativa de melhorar o défice comercial marroquino, que disparou em 40% no ano passado.

 

Reflexões finais

Em torno destas questões colocam-se dilemas difíceis de resolver. O aprofundamento das relações Portugal-Marrocos é paralelo ao aprofundamento de uma relação bem mais ampla e que engloba a UE e os Países Terceiros Mediterrânicos (PTM), com vista à criação de uma “zona de prosperidade partilhada”, e que encerra, entre outras medidas, a implementação gradual de uma zona de livre comércio. Actualmente, é evidente a emergência de desequilíbrios nesta relação: os países do Magrebe e Médio Oriente registam um significativo aumento das importações dos produtos europeus, mas o inverso não é verdadeiro, comprometendo sectores de actividade como o agro-alimentar e o têxtil que tradicionalmente garantem uma parte importante das receitas de exportação dos PTM. De facto, a existência de alguma analogia entre as produções magrebinas e do sul da Europa, por assentarem em mão-de-obra barata, pode trazer problemas ao mercado de trabalho dos países envolvidos. No Norte de África, a entrada de produtos europeus pode comprometer a luta contra o desemprego e fomentar os desejos de emigração para os países a norte do Mediterrâneo mais próximos – Portugal, Espanha e França.

É necessário que, aos apoios financeiros canalizados da UE para o processo de transição dos PTM, se mobilizem esforços para concretizar o estabelecimento de parcerias, alianças estratégicas, protocolos públicos/privados, acções de formação contínua e de gestão de recursos humanos, criação de mecanismos de transferência de tecnologia entre empresas ou até mesmo sectores, para complementar o desenvolvimento de infra-estruturas físicas, permitindo, assim, ganhos de competitividade nos diversos sistemas, não apenas face à Europa mas também ao resto do mundo.

 

Informação complementar

Marrocos nas últimas duas décadas

Com a morte de Hassan II, o rei que conduziu os destinos de Marrocos durante cerca de 40 anos sustentando a sua posição em sucessivas violações dos Direitos Humanos, muitas expectativas se criaram sobre a evolução do país, à frente do qual se encontram agora o rei Mohammed VI e o primeiro-ministro socialista Youssoufi.

Apesar da repressão social, os anos 80 foram marcados pela implementação de medidas que permitiram abrir caminho à reestruturação e liberalização da economia, e que proporcionaram uma maior abertura do país ao exterior e o restabelecimento de equilíbrios macroeconómicos fundamentais. No início dos anos 90, foi implementado um programa de privatizações que proporcionou importantes avanços na atracção de capitais estrangeiros, e que começou por incidir no sector das telecomunicações para depois se estender aos sectores de produção e distribuição de energia, transportes, água e saneamento. Mas isto não foi suficiente para alterar a estrutura económica do país, que continua vincadamente agrícola e sujeito às irregularidades climatéricas. O grande crescimento populacional traduz-se numa estrutura demográfica muito jovem, a braços com problemas de debilidade económica: o crescimento estagnou, as taxas de desemprego mantêm-se elevadas, e 1/4 da população vive abaixo do limiar de pobreza.

Após quase 40 anos sem eleições, o escrutínio ocorrido nos finais de 1997 permitiu que a corrente socialista chegasse ao Governo, o que, em conjunto com a subida ao trono do rei Mohamed VI, que desde logo procurou demarcar-se da figura do pai, reforçou a tendência de abertura económica a par de uma maior abertura social. O primeiro-ministro Youssoufi concentrou esforços no saneamento da economia, descentralização da administração, luta contra a corrupção, reforma da justiça e combate à pobreza. No plano internacional, Marrocos revela-se activamente empenhado no esquema da integração regional, nomeadamente no contexto da parceria euro-mediterrânica, já que o aprofundamento da União Árabe do Magrebe encontrar-se-á fortemente comprometido enquanto a complexa questão do Sara Ocidental não estiver resolvida.

Dois anos passados sobre a morte de Hassan II, constata-se que o movimento reformador não produziu os ansiados efeitos milagrosos no plano económico e social. A ineficiência da administração pública e do funcionalismo, os problemas de analfabetismo, as deficiências gritantes de infra-estruturas nos meios rurais, a condição das mulheres, o fosso entre ricos e pobres, são características que atiram o país para o 124º lugar no que respeita ao Índice de Desenvolvimento Humano em 1999, sendo dos 18 países árabes o 14º colocado

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* Helena Bico Marques

Licenciada em Economia pelo ISEG.

* Rita Isabel Lages

Licenciada em Economia pelo ISEG.

* Sérgio Leal Nunes

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Economia e Gestão do Território pelo ISEG. Docente na UAL.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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Link em nova janela Evolução da balança comercial Portuguesa com Marrocos

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