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- JANUS 2003 -

Janus 2003



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O narcotráfico na Ásia Central

Rui Nunes *

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O Afeganistão é um dos maiores produtores de ópio do mundo, dando origem a cerca de 75% da heroína consumida à escala mundial. A maioria dos consumidores desta substância concentra-se nas imediações deste país – metade da produção é consumida no Paquistão, no Irão, na Rússia e em antigos países da CEI. A quase totalidade da heroína consumida na Europa (90%) tem origem afegã. No entanto têm sido implementadas medidas tendentes ao endurecimento do combate à droga no Irão, a grande “porta de saída” do tráfico com destino à Europa, provocando o aumento do consumo nos países da Ásia Central.

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Com a produção de ópio afegão a caminho do nível de 1999/2000, espera-se a continuação do apodrecimento da situação na vizinhança do Afeganistão – onde é consumida metade da heroína resultante deste ópio –, nas rotas de exportação e nos mercados de destino.

O PNUCD diz que há 180 milhões de drogados, dos quais 144 milhões consomem cannabis; 28,7 milhões anfetaminas(1); 25,2 milhões cocaína; e 13,5 milhões opiáceos. Os heroinómanos concentram-se à volta do Afeganistão.

As estimativas variam: 1,5 milhões a cinco milhões no Paquistão; meio milhão a três milhões no Irão; 2,5 a três milhões na Rússia; 1,2 milhões na Europa Ocidental; e 977 mil nos EUA.

Face à incapacidade de erradicar a produção afegã, que representa 75% da heroína à escala mundial e 90% da que se consome na Europa, a ideia do ‘cordão sanitário’ ressuscita (ONU 2002b). Mas a ideia é velha de décadas, o que permite questionar por que não resultou entretanto e por que haveria de resultar agora, até porque há uma regularidade estatística de 1 para 10 entre o que se apreende e o que passa. De resto, este cordão existe nos principais pontos de passagem: Irão, que tem 10% do exército na fronteira afegã (ver caixa), e Tajiquistão, onde estão estacionados 25 mil militares da Rússia.

Nas exportações do ópio afegão, e da heroína resultante, a principal rota é a ocidental: Irão – directamente ou via Paquistão ou Turquemenistão – Turquia e Balcãs. Irão que aparece como barreira de protecção europeia e cujo desempenho na luta ao tráfico leva a ONU a considerar que “nenhum país tem um registo tão exemplar como o Irão” (Arlacchi 2000). A rota norte está a dilatar-se, como se comprova pelas crescentes visibilidade da heroína na Rússia e apreensões no percurso, enquanto a sul, a perder importância, permite a saída via avião ou portos paquistaneses para Estados do Golfo, a caminho da Europa e EUA.

 

A novidade da rota norte

O crescimento da rota norte é a novidade, que faz com que também o consumo aumente na Ásia Central. Admite-se também que a produção de ópio cresça aqui, devido aos desenvolvimentos no Afeganistão.

O Afeganistão partilha 137 quilómetros de fronteira com o Uzbequistão, 744 com o Turquemenistão e 1206 com o Tajiquistão, além do Irão e China.

A realidade afere-se por declarações como as de Askar Akaiev, presidente da Quirguízia, que confessa: “Falta-nos tudo para combater as mafias da droga”, ou de Emomali Rakhmonov, presidente do Tajiquistão, que garante: “Mais de uma tonelada de droga passa a fronteira todos os dias vinda do Afeganistão. (...) As guardas fronteiriças por vezes participam directamente neste fluxo de droga” (in Verleuw 1999).

Os números das apreensões de heroína começam, porém, a reflectir a realidade da Ásia Central. As apreensões dispararam nos últimos anos devido ao boom da produção afegã. Em 2000 aumentaram 40%, para 51 toneladas, o maior aumento percentual de sempre.

O Paquistão fez a maior apreensão de todos os tempos – 9,5 toneladas, quase o dobro das 5 de 1999 –, a Turquia passou de 3,6 toneladas em 1999 para 6, a Grécia evoluiu de apreensões médias de 100-200 quilos para 1,2 toneladas. Na Ásia Central foram apreendidas 3,3 toneladas de heroína, das quais 1,9 toneladas no Tajiquistão, que se comparam com 700 quilos em 1999 e a ausência de números anteriores. Esta melhoria reflecte ainda um investimento da ONU inferior a 3,5 milhões de dólares na criação de uma Direcção de Controlo das Drogas, sob a dependência directa do presidente tajique, que ficou operacional em Abril de 2000. É ainda da capital tajique que sai o designado narco-expresso Duchambé-Moscovo, que faz a ligação ferroviária com a capital russa.

Em 2000 foram presas nesta ligação 1062 pessoas e apreendidos 70 quilos de heroína.

Um contentor humano (como são chamados os passadores) pode transportar até um quilo de heroína no corpo em embalagens, como preservativos ou cápsulas, e é pago a 100 dólares a viagem. O Uzbequistão aparece a seguir com 675 quilos apreendidos em 2000, acima dos 325 de 1999 e muito acima dos 2 de 1994 e 10 de 1995.

O número oficial dos toxicómanos recensados neste país passou de 8 mil em 1995 para 14 mil em 2000 e 26 mil em 2001. Na Quirguízia as apreensões passaram de 200 gramas de heroína em 1995 para 216 quilos em 2000 e 3 toneladas no primeiro trimestre de 2002. Também no Cazaquistão os números são eloquentes, com as apreensões a passarem das 26 gramas de 1994 para 262 quilos em 2000. No Turquemenistão, de onde a droga segue para o Irão ou Azerbeijão, não há números fiáveis. Há registo de apreensões de 10 quilos em 1993 e 20 em 1994 e nenhum em 1995.

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Porta de saída afegã

Mas em 1999 o Turquemenistão tornou-se a principal porta de saída do ópio afegão, devido à sua política de conciliação com os taliban (Rashid 2000). Resultado da importância crescente da rota norte, foi apreendida uma tonelada de heroína na Rússia em 2000 e já há registo de 200 quilos apreendidos em São Petersburgo em 2001. Sinal da dimensão do tráfico oriundo do Afeganistão, na Turquia, local de transformação do ópio, registou-se em Abril de 2002 deste ano uma apreensão de 7,5 toneladas de morfina, a maior quantidade apanhada de uma vez e mais do dobro da apreendida nos últimos cinco anos.

Nestes países, o tráfico dos opiáceos também financia os movimentos de guerrilha, como o Movimento Islâmico do Uzbequistão, além de reforçar a corrupção dos frágeis aparelhos de Estado.

A contaminação da Ásia Central pelos estupefacientes ilegais confirma que o negócio mudou, com a diluição das distinções entre países de produção, trânsito e consumo; complexificou-se, através da interpenetração com outros, como tráfico de armas e pessoas; e expandiu-se para a política e os negócios. Esta mudança sublinha a limitação de abordagens que opõem Estados (a lei) a crime, enquanto mundos diferentes, e realça a emergência de uma economia política criminosa que contempla práticas empresariais e políticas conducentes ao controlo de respeitáveis instituições.

Se o combate à droga deve considerar a totalidade do percurso do produto final (plantação-transformação-transporte-distribuição (retalho)-consumo), com acções incidentes sobre o tráfico dos precursores químicos, o controlo fronteiriço, o consumo e a lavagem de dinheiro, o que se revela necessário é um ‘cordão sanitário’ social, não geográfico.

 

Informação complementar

Irão, país-chave da rota do tráfico

Se o Afeganistão é o grande produtor de ópio, o Irão é a grande passagem deste. A importância deste país na rota do tráfico é evidenciada pelo peso das suas apreensões no total mundial: 80% das de ópio (179 toneladas), 88% das de morfina (20,8 toneladas) e 12% das de heroína (6,2 toneladas) em 2000. O baixo montante das apreensões de heroína explica-se por o ópio ser transformado na Turquia e de o Afeganistão ainda produzir pouca heroína, apesar de o número dos seus laboratórios estar a crescer.

Teerão tem-se aplicado na luta contra este tráfico. Nos 1950 quilómetros da fronteira do Irão com o Afeganistão e Paquistão estão colocados 42 mil soldados (cerca de 10% do seu efectivo militar). A perseguição aos traficantes redunda por vezes em autênticas batalhas. Desde 1979 já morreram nestes confrontos 3140 militares, entre os quais dois generais, uma média de um em cada três dias (Gouverneur 2002). Porém, apesar de o Irão aparecer como a grande barreira de protecção europeia ao avanço da heroína, não é apoiado pelo Ocidente, em particular pela União Europeia, que seria a grande beneficiada da interrupção deste fluxo. A recomendação da ONU (Arlacchi 2000) de criação de um ‘cordão sanitário’ em redor do Afeganistão – ideia com pelo menos três décadas (Lamberti e Lamour, 1973: 239) – não deverá sair do rol das medidas óbvias.

 

Portugal é o 6.º consumidor de opiáceos

Portugal ocupa o sexto lugar em termos de percentagem da população que, com 15 anos ou mais anos, consome opiáceos, com 0,9% (ONU 2002b). À frente está o Irão, com 2,8%, seguido por Laos (2,1%), Tajiquistão (2,0%), Paquistão (1,7%) e Geórgia (1,2%). Com a mesma percentagem portuguesa estão Federação Russa, Cazaquistão, Maldivas e Myanmar (ex-Birmânia).

Na Europa Ocidental, a seguir a Portugal, surgem Espanha, Luxemburgo, Itália, Suíça e Reino Unido, com 0,6%. Em termos mundiais, estimava-se que nos finais dos anos 90 o consumo de opiáceos fosse feito por 0,3% da população com 15 ou mais anos (13,5 milhões); o consumo de heroína respeitaria então a 0,2% da população.

A ONU localiza ainda 60% dos opiómanos na Ásia e 20% na Europa (1,22 milhões na Ocidental, onde o consumo estagna ou baixa, e 1,46 milhões na de Leste, onde o consumo está a aumentar). No Velho Continente, a heroína responde por 70% dos pedidos de tratamento. A ONU (2001) nota ainda que a evolução das apreensões de heroína e cocaína em Portugal (aumento) e Espanha (redução) indicia que o país se tornou uma porta de entrada destas drogas na Europa.

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1 Das anfetaminas (vulgo speeds), a mais vulgarizada será o ecstasy, A produção de drogas sintéticas está em crescendo; são fáceis de produzir, não dependem de colheitas, clima ou estações do ano. Muito do ecstasy disponível no mercado internacional é produzido nos Países Baixos e distribuído por organizações criminosas com sede em Israel, que operam na Europa e nos EUA (Departamento de Estado 2002:II-5/6).

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* Rui Nunes

Jornalista.

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Bibliografia

Arlacchi, Pino (2000), Introduction, World Drug Report 2000, Departamento de Estado dos EUA (2002), International Narcotics Control Strategy Report, Washington.

Gouverneur, Cédric (2002), Téhéran en Lutte Contre les Trafiquants: Sur les Routes de l’Opium Afghan, Le Monde Diplomatique, Março, pp: 6-7.

Lamberti, Michel R. e Catherine Lamour (1973),

A Verdadeira Guerra do Ópio, Lisboa: D. Quixote, tradução: António Pescada.

ONU (2002a) [Economic and Social Council/International Narcotics Control Board] (2002), Report 2001, Nova Iorque.

ONU (2002b)[Economic and Social Council/Comission on Narcotics Drugs] (2001), World Situation With Regard to Illiicit Drug Traficking and Action Taken by Subsidiary Bodies of the Comission on Narcotic Drugs, relatório apresentado na 45.ª sessão da comissão, realizada em Viena entre 11 e 15 de Março 2002.

Rashid, Ahmed (2000), Taliban, Londres: I.B. Tauris.

Rubin, Barnett R. (2002), Is America Abandoning Afghanistan?, The New York Times, 10 de Abril.

Verleuw, Camille (1999), Trafics et Crimes en Asia Centrale et au Caucase, Paris: PUF.

Wallon, Alain (coord.) (1993), La Drogue, Nouveau Désordre Mondial, Observatoire Géopolitique des Drogues, Paris: Hachette.

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Dados adicionais
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