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Janus 2003



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A diáspora judaica, o anti-semitismo e o sionismo

Fernando Amorim *

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Expressões como Semitas, Hebreus, Israelitas e Judeus são utilizadas como sinónimos, quando na verdade possuem significados muito distintos. O conceito de Hebreus não possui conotação étnica ou religiosa, referindo-se às inúmeras tribos nómadas de povos semitas que se deslocavam pelo Mediterrâneo Oriental. Os Israelitas surgem quando uma parte dessas tribos, monoteístas, se estabelecem na Palestina. A expressão Judeus (judaeus) refere-se aos descendentes culturais de Hebreus e Israelitas, enquanto que yehudhi, em hebraico, designa apenas os membros de uma das doze tribos de Israel.

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Utilizadas para designar, no seu todo, as comunidades judaicas espalhadas pelo Mundo, as expressões Semitas, Hebreus, Israelitas e Judeus possuem, contudo, significados distintos. Contrariamente à convicção generalizada que os identifica com os aderentes ao judaísmo, os Semitas são todos os povos falantes de línguas semíticas como o arábico e o hebraico, e que originalmente se espalharam por vastas áreas do Sudoeste Asiático, Médio Oriente e Norte de África.

Do ponto de vista histórico, o conceito de Hebreus não possui conotação étnica ou religiosa, referindo-se às inúmeras tribos nómadas de povos semitas, deambulantes pelo Mediterrâneo Oriental cerca de 1300 a.C. Na história judaica a expressão apenas ganha essa conotação para identificar aquelas tribos que aceitaram Javé (ElChadai, Eloim) como a sua divindade, desde os tempos pré-históricos até à época em que conquistaram a Palestina (Eres Kena Na, Canaã, a Terra Prometida) e se erigiram em reino de Israel (c. de 1020 a.C.), sob o ceptro de Saul e de David.

O termo Israelitas identifica a comunidade histórica de cultura (nação) correspondente a esta entidade política, desde a conquista de Canaã até à destruição do reino de Israel em 721 a.C. pelo rei assírio Sargão II. Por fim, a expressão Judeus, do Latim judaeus, refere-se aos descendentes culturais destes dois últimos grupos, desde o bíblico cativeiro da Babilónia, início da Diáspora (expressão grega para significar “dispersão”, galut em hebraico), imposto por Nabucodonosor em 586 a.C., até à actualidade, embora, em sentido estrito, a palavra (em hebraico yehudhi) designasse originalmente os membros de uma das doze tribos de Israel, a tribo de Judá, território convertido em província romana da Judeia no ano 6 d.C. A partir de então estes dois conceitos tornar-se-iam intrínsecos. Hoje a expressão diáspora classifica todas as comunidades judaicas fora de Israel que assim se consideram no exílio.

 

História: a Antiguidade

A conquista da Babilónia por Ciro II da Pérsia, pôs fim (537 a.C.) àquela imposição, mas a maioria dos Judeus permaneceria na Babilónia, mesmo após a refundação de Jerusalém e a construção do Segundo Templo. Com a subjugação do império persa por Alexandre Magno (331 a.C.) a Palestina tornar-se-ia uma província do mundo helenístico por onde os judeus da Diáspora, fortemente helenizados, se dispersariam, fixando-se no Egipto, por toda a Ásia Menor e Europa do Sul. Nas cinzas deste império, a vitória dos Selêucidas da Síria sobre os Ptolomeus do Egipto (198 a.C.) conduziria à helenização forçada da Judeia (Antíoco IV, 168 a.C.), à revolta dos Macabeus e à refundação de um Estado judaico independente (reino Asmoneu). Lutas internas e o confronto entre dois grupos religiosos, Fariseus e Saduceus, levaria à tomada de Jerusalém (63 a.C.) pelo general romano Pompeu que tornaria este reino tributário de Roma e dependente da província romana da Síria.

A Grande Revolta dos Zelotas contra os romanos e a destruição de Jerusalém e do Templo (70 d.C.); também, a revolta de Simão Bar Kosba (132-135 d.C.) conduziriam à romanização forçada, ao aprisionamento e escravatura e, na diáspora final, à deportação pelo império romano (Ásia, Europa e África) de milhares de Judeus que não voltariam a possuir um estado próprio até 1948.

A Judeia passou a denominar-se Síria Palestina; Jerusalém tornou-se uma cidade pagã proibida aos Judeus e a sua perseguição tornou-se comum no império.

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A Era Cristã

No início da era cristã os Judeus ascenderiam a 8 milhões, vivendo principalmente em Alexandria, Cirenaica (Norte de África), Babilónia, Antioquia, Éfeso e Roma. A sua dispersão pela Europa foi distinta conduzindo à emergência de ritos e comunidades diferenciadas, com leis, costumes, liturgia e línguas distintas: ao centro e a leste, os judeus de rito Askenazi (nome hebraico para a Alemanha) falantes de Yiddish (mescla de hebraico e alemão) e que nos séculos XIX e XX emigrariam em largo número para os EUA, e após a 2ª Guerra Mundial, para Israel, representando 85% dos judeus no mundo; a oeste, os judeus sefarditas, de rito Sefardi (do hebraico Seffarad, que designava a Península Ibérica) falantes de ladino (mescla de português, castelhano e hebraico) e que, expulsos de Espanha (1492) e Portugal (1496), espalharam-se por numerosos países, com destaque para a Holanda (e Nova Amesterdão, 1655), Inglaterra, Alemanha (Hamburgo), Itália, Turquia (Istambul e Salónica, as maiores comunidades sefarditas a partir do século XVI), Marrocos, Síria e Palestina.

 

O antijudaísmo: raízes

O anti-semitismo, mais propriamente antijudaísmo, é pois uma decorrência da Diáspora, mas também, da expansão do cristianismo, gerador de uma espécie de “mito judaico”, traduzido num clima hostil aos Judeus e no preconceito assente em duas premissas: os Judeus eram culpados da morte de Cristo; a sua dispersão (diáspora) era o castigo. Entre os motivos de ordem social para justificar o antijudaísmo, um é falso – o de considerar a “raça judaica” como inferior e decadente; mas o outro verdadeiro – o separatismo étnico (endogamia) que, se dá coesão e solidariedade a este povo, assegurando-lhe a continuidade através dos tempos, gera estranheza e desconfiança entre as sociedades onde residem, tornando o judeu inassimilável, para mais, numa época de emergência dos Estados modernos assentes na unidade política, jurídica e religiosa. De 1100 a 1750 é a época das violações e proscrições gerais – extorsões financeiras, limitações de direitos civis, massacres nas Cruzadas, perseguições e expulsões em massa (Inglaterra, 1290; França, 1306, 1322, 1394; Espanha, 1492; Portugal, 1496; Áustria, 1670; Boémia e Morávia, 1745) – e da segregação – a instituição do ghetto (do hebreu ghet, carta de divórcio) ou “judiaria”, bairro de residência coactiva para os Judeus.

A progressiva emancipação dos Judeus iniciada pelo édito de tolerância do imperador do Sacro Império José II (1782), seria consagrada pela Revolução Francesa (1791) ao conceder-lhes igualdade de direitos políticos. O séc. XVIII ficou ainda marcado pelo abandono da tradicional ortodoxia religiosa judaica e pela secularização dos Judeus que, na esteira do Haskalah (Iluminismo hebraico), movimento iniciado pelo filósofo judeu-alemão Moses Mendelssohn, reduziu o judaísmo a prática religiosa, o que permitiu aos Judeus a assimilação da cultura germânica. Contudo, este processo teve consequências equívocas: o recrudescimento da vaga de ódio e violência contra os Judeus na segunda metade do séc. XIX, fundamentada num anti-semitismo pretensamente científico, assente na desigualdade das raças humanas, enunciado por Lassen (1844) e Renan (1855, 1883) e que, através de Wilhelm Marr (1873), passou ao campo económico-político, com o advento do anti-semitismo doutrinal, assente na superioridade psíquica e rácica dos arianos, difundido por Dühring (1873, 1875, 1882), Gobineau (1853-1855) e por Drumont (1892), a prazo, inspirador do nacionalismo pangermanista e nazi.

 

O recrudescer do antijudaísmo

O antijudaísmo ganhou proporções nunca atingidas, culminando nos progroms ou massacres sistemáticos na Europa de Leste (Rússia, 1881, 1906, 1917), fomentados pela difusão dos forjados Protocolos dos Sábios de Sião, que revelavam uma suposta conspiração internacional judaica para dominar o mundo, e no Processo Dreyfus (1894-1906) em França, o qual impulsionou o jornalista judeu-húngaro Theodor Herzl, até então crente na gradual assimilação europeia dos Judeus, a retomar, na obra Der Judenstaat (O Estado Judeu, 1896), as teses de Zevi Kalischer (1795-1874), Judah Alkalai (1798-1878), Moses Hess (1812-1875) e Nathan Bimbaum (1890), defendendo que a solução do problema do anti-semitismo apenas poderia passar pela criação de um Lar Nacional, um Estado Judeu na Eretz Ysra’el (Terra de Israel), abrindo assim caminho à fundação do sionismo político e da Organização Sionista Mundial (WZO) oficializados no 1.º Congresso Sionista de Basileia (Suíça, 1897).

Assente na relação Judaísmo-Jerusalém-Terra de Israel; influenciado pela ideologia nacionalista e as doutrinas coloniais do séc. XIX, o sionismo constitui um vasto movimento nacionalista judaico, defensor do princípio de que todos os Judeus constituem uma nação e não apenas uma religião ou comunidade étnica, residindo na concentração do maior número possível de Judeus na Palestina/Israel, a única solução para o “anti-semitismo”.

Contudo o Sionismo cedo se dividiria, até a actualidade, numa profusão de correntes distintas: desde os anos 20 aos 70, a forma dominante foi o Sionismo Trabalhista (liderado por David Ben-Gurion) que procurou aliar socialismo e nacionalismo. Nos anos 20, inspirado no marxismo, fundou na Palestina o movimento kibbutz, uma rede de explorações agrícolas colectivas que constituiu a espinha dorsal do Yishuv (colonização) e da Aliya (imigração) judaicas, anteriores à criação do Estado de Israel; também, a Confederação Geral dos Trabalhadores Judeus na Palestina ou Histadrut que, através da organização e unidade sindical e de importantes participações financeiras em empresas israelitas, visou um objectivo nacional de criação de uma classe trabalhadora judaica na Palestina ao serviço dos empreendimentos judeus; ainda, as principais milícias sionistas (a Haganah e o Palmach) que se tornaram no núcleo fundador do Tsahal/IDF ou Força de Defesa de Israel; bem como os principais partidos políticos que coligando-se constituíram, em 1968, o Partido Trabalhista de Israel.

Uma segunda forma de sionismo foi o Movimento Revisionista (liderado por Vladimir Jabotinsky): reivindicava a revisão das fronteiras das aspirações territoriais judaicas na Palestina e a sua extensão às duas margens do rio Jordão. Nos anos 20 e 30 distinguiu-se dos Trabalhistas pela clara declaração do objectivo de estabelecimento de um Estado Judeu (em vez da fórmula vaga de um “Lar Nacional”) na Palestina, pela via armada. As suas organizações, que incluíam o movimento de juventude Betar e o Etzel-Irgun (Organização Militar Nacional, então dirigida por Menahem Begin), formaram o núcleo duro do Partido Herut (Liberdade) após a independência israelita, tornando-se o componente central do Bloco Likud, o maior partido israelita de direita desde os anos 70.

Além destas correntes, um sionismo religioso que, invocando o objectivo de regeneração nacional em obediência aos valores religiosos tradicionais, conduziu à proliferação de partidos religiosos cada vez mais atraídos, após a Guerra dos Seis Dias (1967), pelo sonho da reconstituição de Eretz Ysra’el Hashlemá (Israel integral); ainda, um sionismo de esquerda representado por inúmeros partidos que, nos anos 80, formaram a coligação Meretz aliada dos trabalhistas. Comprometidos em pleno com o objectivo de manutenção de Israel como um Estado Judeu, admitem uma maior flexibilidade nas questões territoriais, sendo pública a sua relativa simpatia pelas aspirações palestinianas a um Estado nacional próprio em Gaza e Cisjordânia, ou mesmo uma federação israelo-palestiniana.

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* Fernando Amorim

Mestre em História-História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente na UAL.

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