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As Nações Unidas e a questão palestiniana

Patrícia Galvão Teles *

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O direito à autodeterminação do povo palestiniano é actualmente reconhecido pelas Nações Unidas, apesar de o processo de tratamento da questão palestiniana ter sido progressivo. O direito à autodeterminação é reconhecido em 1970, apesar da anterior resolução do Conselho de Segurança sobre a Palestina, considerada fulcral, (1967) nada referir sobre esta matéria. A ONU nunca explicitou contudo a forma que a autodeterminação deveria assumir (autonomia, independência ou integração), tendo-se realizado vários acordos relativos a esta questão à margem do sistema das Nações Unidas.

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A Palestina, que integrava o Império Otomano, foi colocada pela Sociedade das Nações sob mandato do Reino Unido em 1922. Este protectorado internacional incluía o território que hoje constitui o Estado de Israel, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia e previa a criação de uma pátria judaica na Palestina, tal como havia sido previsto na Declaração Balfour de 1917.

A pedido do Reino Unido, a questão da Palestina foi incluída na agenda da Assembleia Geral da então recém-criada Organização das Nações Unidas, que adoptou em 1947 uma resolução – a famosa Resolução 181 (II) – que decidia terminar o mandato britânico e propunha, por um lado, a criação de dois Estados independentes, um árabe e outro judeu, ligados entre si por uma união económica e, por outro, um regime internacional para Jerusalém, que seria supervisionado pelas Nações Unidas.

Na sequência da rejeição desta proposta pelos palestinianos, que consideraram que a solução apresentada não satisfazia plenamente o seu direito à autodeterminação consagrado na Carta das Nações Unidas, os países árabes vizinhos invadiram Israel assim que o Reino Unido renunciou ao mandato e abandonou a Palestina e logo que foi anunciada a criação do Estado de Israel em Maio de 1948.

O Conselho de Segurança, por seu turno, recusou-se a implementar a Resolução 181. No final desta primeira guerra, Israel ocupava mais território do que aquele que lhe havia sido atribuído pela resolução de 1947, incluindo a parte ocidental de Jerusalém. O Estado de Israel foi admitido como membro das Nações Unidas em 1949.

Em 1967, Israel ocupou e subsequentemente anexou novos territórios: os montes Golã (sob soberania da Síria), a Faixa de Gaza (que fazia parte do mandato da Palestina e se encontrava sob administração do Egipto desde 1948), a Cisjordânia (que fazia igualmente parte do mandato da Palestina e tinha sido administrada desde 1948 pela Jordânia e posteriormente anexada por este país em 1950), Jerusalém Oriental (parte da Cisjordânia) e o deserto de Sinai (território egípcio e posteriormente devolvido nos Acordos de Camp David de 1978).

O Conselho de Segurança, na sua Resolução 242 (1967) solicitou a Israel que se retirasse dos territórios ocupados em 1967 e definiu os princípios para uma solução pacífica para o conflito no Médio Oriente. Na Resolução 338 (1973), pediu às partes que iniciassem negociações conducentes ao estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Médio Oriente.

A Cisjordânia, a Faixa de Gaza – consideradas como a base territorial do direito palestiniano à autodeterminação – e Jerusalém Oriental continuaram, no entanto, ocupadas por Israel, tendo o Conselho de Segurança considerado ilegal e desprovida de quaisquer efeitos jurídicos a anexação de Jerusalém Oriental ocorrida nos anos 80.

Para justificar a sua posição, Israel tem defendido que a ocupação é legítima por dizer respeito a territórios que não se encontravam sob a soberania de nenhum Estado antes de 1967 e argumenta que, para além disso, os palestinianos já exerceram o seu direito de autodeterminação com a criação do Estado da Jordânia.

Os palestinianos, por outro lado, reclamam que o seu direito de autodeterminação abrange a criação de um Estado palestiniano, tendo mesmo chegado a proclamá-lo em Novembro de 1988, com Jerusalém como capital. Apesar de reunir os critérios tradicionais da qualidade de Estado (população, território e governo) e de ter sido reconhecido por mais de cem outros Estados, faltava-lhe a efectividade, pelo que essa pretensão foi entretanto abandonada.

As Nações Unidas, tal como a maioria dos Estados, reconhecem que a Palestina tem direito à autodeterminação, embora esse reconhecimento tenha sido progressivo no seio da Organização. A Resolução 242 (1967) do Conselho de Segurança, a resolução-chave na matéria, nada diz sobre a autodeterminação. Em 1969, a Assembleia Geral reafirmou os direitos inalienáveis do povo da Palestina, mas foi apenas em 1970 que este órgão declarou que o povo palestiniano possuía o direito à autodeterminação de acordo com a Carta das Nações Unidas. Em 1974, reafirmou este direito e conferiu à OLP, que havia sido criada dez anos antes, o estatuto de observador. A partir de 1998, a Assembleia Geral reafirma anualmente o direito do povo palestiniano à autodeterminação, incluindo a opção de um Estado.

As Nações Unidas nunca explicitaram, contudo, como é que este direito deveria ser implementado (autonomia, independência ou integração), nem em relação a que territórios.

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A redefinição do papel das Nações Unidas

À margem das Nações Unidas, celebraram-se já cinco acordos sobre a questão palestiniana: 1978 (Camp David), 1993 e 1995 (Washington D.C.), 1998 (Wye River) e 1999 (Sharm el-Sheikh). Estes acordos foram passos importantes na consagração e no exercício do direito à autodeterminação do povo palestiniano, tendo as partes em questão aceite que uma solução para a Palestina tem de se basear nas Resoluções do Conselho de Segurança 242 (1967) e 338 (1973), que determinaram a retirada das forças armadas dos territórios ocupados por Israel, o fim de todas as pretensões ou estados de beligerância, o respeito e reconhecimento pela soberania, integridade territorial e independência de todos os Estados na região e o seu direito de viver em paz com fronteiras seguras e reconhecidas e livre de ameaças ou actos de força. As Nações Unidas chegaram a convocar por diversas vezes conferências de paz internacionais sobre o Médio Oriente, que nunca tiveram qualquer sucesso.

Nenhum dos acordos acima referidos foi, assim, mediado ou negociado pelas Nações Unidas nem se previa qualquer participação da Organização em termos de manutenção da paz ou administração do território, o que se tem verificado em grande parte dos conflitos recentes. Parece ser evidente, porém, que as Nações Unidas, tanto o Conselho de Segurança como, sobretudo, a Assembleia Geral e a Comissão dos Direitos do Homem, que têm adoptado inúmeras resoluções todos as anos sobre a questão palestiniana (ver gráficos), contribuíram em grande medida para clarificar as regras jurídicas aplicáveis a esta situação e que deverão ser respeitadas numa eventual solução para o problema. Contudo, o Tribunal Internacional de Justiça, principal órgão judicial das Nações Unidas, nunca teve oportunidade de se debruçar sobre a questão palestiniana.

A Organização tem também tratado de alguns problemas sectoriais, como por exemplo, dos refugiados palestinianos, designadamente através de uma agência criada para o efeito, a United Nations Relief and Works Agency for Palestine in the Near East (UNRWA). O Conselho de Segurança criou também em 1948, ao abrigo do Capítulo VI da Carta, a United Nations Truce Supervision Organisation (UNTSO), para monitorar o cessar-fogo no Médio Oriente e esta operação encontra-se ainda activa hoje. Para além disso, as Nações Unidas criaram, em 1973, o Special Committee to Investigate Israeli Practices affecting the Human Rights of the Population of the Occupied Territories e em 1975 o Committee on the Exercise of the Inalienable Rights of the Palestinian People.

Várias agências especializadas das Nações Unidas têm também tido um papel muito activo na Palestina, como a UNICEF, o PNUD, a OMS ou a OIT, acção esta coordenada desde 1994 pelo Office of the United Nations Special Coordinator in the Occupied Territories (UNSCO).

Há quem defenda um papel muito mais activo das Nações Unidas. Talvez, no futuro, a Organização venha a ter um papel mais decisivo na resolução da questão palestiniana, nomeadamente através da presença de uma força internacional e, eventualmente, na administração da transição para a independência de um futuro Estado palestiniano, uma tendência cada vez mais forte na ordem internacional, como o demonstraram os casos do Kosovo, Timor-Leste e Afeganistão.

Com uma nova onda de violência iniciada em Setembro de 2000, o Conselho de Segurança voltou a ter um papel mais activo. A Resolução 1322 (2000), de 7 de Outubro, condenou o uso excessivo da força contra os palestinianos e pediu a Israel, a potência ocupante, que respeite as regras de direito internacional humanitário aplicáveis ao conflito. Esta nova intifada levou à realização de uma Sessão Especial da Comissão dos Direitos Humanos em 2000, que criou uma comissão de inquérito para investigar as violações de direitos humanos e direito humanitário nos territórios árabes ocupados. A Resolução do Conselho de Segurança 1397 (2002) reafirmou, pela primeira vez desde 1947, a visão de uma região onde dois Estados, Israel e Palestina, vivam lado a lado com fronteiras seguras e reconhecidas. Esta resolução, para além de impor uma imediata cessação de todos os actos de violência, pede a Israel e aos palestinianos que cooperem na implementação do Plano Tenet e das recomendações do Relatório Mitchell a fim de retomarem as negociações.

Em Abril de 2002, a situação deteriorou-se uma vez mais em virtude de sucessivos ataques suicidas contra Israel, da reocupação pelo exército israelita de cidades que se encontravam já sob administração da Autoridade Palestiniana e também de ataques contra a sede dessa Autoridade, contra campos de refugiados, designadamente o campo de Jenin, e contra a igreja da Natividade, em Belém.

Em resposta, o Conselho de Segurança solicitou repetidamente, nas Resoluções 1402, 1403 e 1405 (2002), um cessar-fogo, a retirada das tropas de Israel das cidades palestinianas e reiterou a sua exigência de uma cessação imediata de todos os actos de violência, incluindo todos os actos de terror, provocação, incitamento e destruição.

 

Os mediadores do conflito: EUA e países árabes

Contudo, uma vez mais, as Nações Unidas encontram-se marginalizadas na mediação do conflito e o mesmo se poderá dizer da União Europeia, ambas participando apenas no “Quarteto” de mediadores (Estados Unidos, Rússia, União Europeia e Nações Unidas), mas sendo ultrapassadas nas negociações directas pelos países árabes e pelos Estados Unidos, que recentemente apresentaram novas propostas de solução para o problema palestiniano, em que, novamente, não se prevê qualquer papel específico para as Nações Unidas.

Foi precisamente a ameaça do veto americano no Conselho de Segurança que levou a que durante muito tempo a situação fosse tratada com muito maior intensidade na Comissão dos Direitos Humanos (ver gráfico correspondente), a partir do momento em que esta Comissão passou a possuir competência para condenar países e sobretudo na década de noventa. Aí os países árabes conseguem facilmente a maioria dos votos e os Estados Unidos e Israel se encontram frequentemente isolados, e sobretudo na Assembleia Geral (ver gráfico respectivo), nas sessões anuais – que decorrem de Setembro a Dezembro – e em sessões especiais, sendo significativo a este respeito que, de um total de dez sessões especiais de emergência realizadas até hoje ao abrigo da Resolução Unidos para a Paz de 1950 (que dotou a Assembleia Geral de meios para reagir quando o Conselho de Segurança se encontrasse bloqueado pelo veto durante a guerra fria), seis tenham sido sobre o tema do Médio Oriente/ Palestina e algumas destas tenham durado até vários anos.

O Conselho de Segurança tem actuado apenas nos momentos de grande crise (ver gráfico da página anterior), impondo um cessar-fogo, criando operações de manutenção da paz, enviando observadores militares ou ditando os princípios da paz, mas todos os acordos relativos ao processo de paz no Médio Oriente e à questão palestiniana foram até hoje celebrados fora do âmbito da Organização das Nações Unidas.

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* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre e Doutorada em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire des Hautes Études Internationales.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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