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A Língua Portuguesa e o seu Futuro em África

José Eduardo Agualusa*

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A caminho dos 200 milhões de falantes, o português é uma das línguas ditas "imperiais" e a terceira mais falada no mundo ocidental, a seguir ao inglês e ao castelhano. A língua é o primeiro instrumento do florescimento e da projecção das culturas e, indirectamente, da afirmação política e dos interesses económicos das nações e dos Estados.

Por maiores que sejam os interesses e as preocupações de Lisboa e Brasília — e são reais, perante a extraordinária dinâmica do castelhano ou o papel de "rolo compressor" do inglês, a nova língua franca mundial — o futuro do português não se joga apenas no espaço europeu onde teve origem, nem no Brasil, a nação onde hoje se agrupam quatro quintos dos seus falantes, mas também, e sobretudo, em África, onde cada país lusófono apresenta um perfil próprio e a questão da língua é um problema político central.

 

Angola: o português e o poder

Segundo dados recolhidos em 1983 pelo Instituto Nacional de Estatística de Angola, 99 por cento da população de Luanda falaria na altura a língua portuguesa, sendo que dois terços das crianças com idades compreendidas entre os seis e os catorze anos apenas conheceriam o nosso idioma. Estes dados são, a vários títulos, surpreendentes, testemunhando a afirmação da língua portuguesa em Angola de uma forma clara e já irreversível, e contrariando os receios repetidamente afirmados de muitos intelectuais portugueses.

Ao mesmo tempo sugerem um futuro difícil para as línguas nacionais de Angola, e sobretudo para o quimbundo, idioma antigo, com significativa tradição literária, historicamente de grande importância nas relações entre colonos e colonizados. A rapidez com que a língua portuguesa se afirmou em todo o território angolano após a independência, radicando-se inclusive em regiões remotas, nas quais, durante a época colonial, pouco tinha penetrado, pode ser explicada por uma multiplicidade de razões, de entre as quais se destaca a sua vocação natural para instrumento do poder político.

Em 1975, quando alcançou a administração do Estado, o MPLA era um movimento claramente dominado por uma elite urbana, indivíduos provenientes da chamada sociedade crioula, de língua materna portuguesa e com uma visão do mundo ocidental. Divididos entre essa filiação e o radicalismo anticolonial (senão mesmo antiportuguês) característico da época, os dirigentes do MPLA optaram por assumir o idioma do colonizador como língua veicular, forma retorcida de reconhecer o seu destino de verdadeira língua nacional, sem abdicar do discurso populista do "regresso aos valores africanos".

A UNITA, na oposição armada, não escapou a idêntica ambiguidade, pois embora podendo, com inteira legitimidade, reivindicar o renascimento das línguas regionais, e em particular do umbundo — língua materna da maioria dos seus dirigentes —, preferiu não o fazer sabendo que tal posição iria prejudicar o seu reconhecimento internacional.

Após a independência, o bom domínio da língua portuguesa tornou-se condição indispensável para se ascender no aparelho do Estado e ser aceite nos círculos do poder. Por outro lado, a guerra civil, ao movimentar exércitos para o interior do país, provocando simultaneamente a fuga de milhões de camponeses para os principais centros urbanos, acelerou o processo de propagação do português. Hoje é difícil encontrar em Angola, entre a população mais jovem, quem não compreenda a língua com que Agostinho Neto escreveu a sua "Sagrada Esperança".

Todo este processo fez-se, porém, contra as línguas e culturas regionais de Angola, gerando movimentos de resistência, mais ou menos subterrâneos, mas que tendem a emergir periodicamente, sobretudo em momentos de crise. Durante as cerimónias de institucionalização da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, em Lisboa, no dia 17 de Julho de 1996, o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, chamou a atenção para a necessidade de não esquecer as línguas nacionais, mas nem assim conseguiu evitar a reacção violenta da Frente Nacional para a Libertação de Angola, FNLA, de Holden Roberto; a FNLA, cujos dirigentes, maioritariamente quicongos, sempre se sentiram mais próximos da francofonia do que da lusofonia, acusou Eduardo dos Santos de estar, quase em fim de mandato, a "entregar o país ao neocolonialismo português".

O facto do português ser neste momento o idioma materno de mais de 25 por cento da população angolana explica que alguns intelectuais (com destaque para o poeta e crítico literário Nelson Pestana) defendam desde há vários anos o seu reconhecimento como língua nacional, e não apenas língua veicular, que é a designação oficial ainda em vigor. Na verdade o português parece ser já, depois do umbundo, a segunda língua materna do país.

A longo prazo, a tendência é portanto para o domínio absoluto do português e para o seu reconhecimento como língua nacional, porque materna de um conjunto significativo da população, e transnacional, porque falada por gente de todas as etnias. Para que isto aconteça sem conflitos será necessário apoiar as restantes línguas nacionais, promovendo o seu ensino nas escolas, liceus e universidades (o que até agora não aconteceu), de forma a que o português não seja entendido como língua hegemónica — a mesma que no Brasil esmagou, por exemplo, o tupi-guarani.

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Moçambique: o português na sala de visitas

Em Moçambique a situação é bastante diversa. Neste país a colonização portuguesa não foi tão profunda, não se podendo falar, ao contrário de Angola, na existência de uma sociedade crioula de língua materna portuguesa. O português é o idioma materno de um reduzido número de moçambicanos, na sua maioria brancos ou mestiços, sendo muito raro encontrar um negro que não fale uma língua africana. A proximidade com a África do Sul e o tradicional fluxo migratório para este país explicam, por outro lado, a relação especial que os moçambicanos mantêm há longo tempo com a língua de Shakespeare, integrando por exemplo numerosos inglesismos no português corrente e nos numerosos idiomas étnicos.

Assim, a adesão de Moçambique à Commonwealth, em 1996, só escandalizou os portugueses, sendo recebida com naturalidade pela maioria do povo moçambicano. Isto não significa que o português esteja necessariamente ameaçado em Moçambique. Ainda que, ao contrário de Angola, deixe de ser a língua do poder (e mesmo isso me parece muito pouco provável), o português há-de ser sempre a principal língua de cultura. O mais certo é que, a médio prazo, o inglês passe a ser utilizado como idioma de comunicação internacional, e que o português seja forçado a conviver, enquanto língua oficial, com um ou dois idiomas africanos.

O próprio Presidente Joaquim Chissano admitiu esta última possibilidade, em entrevista ao jornal Expresso de 20 de Julho de 1996: "O português vai continuar a ser a língua oficial de Moçambique. Estamos é a ver se tentamos introduzir algumas línguas nacionais também como oficiais. Moçambique é um dos raros países de África onde a língua oficial é apenas a da antiga potência colonial. Na Zâmbia, por exemplo, há três línguas oficiais: o inglês e mais duas; casos semelhantes acontecem no Zimbabwe, na África do Sul e na Tanzânia".

 

Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: o português entre crioulos

É verdade que em Moçambique a língua portuguesa aspira ainda a ser, como em Angola, o idioma capaz de unir todas as nações que constituem o país. Já no caso da Guiné-Bissau, onde o crioulo faz as vezes de língua de unidade nacional, não se percebe muito bem qual o lugar do português. Na Guiné, da mesma forma que em Moçambique, a presença portuguesa raramente ultrapassou as cidades costeiras, e só uma reduzidíssima percentagem dos seus nacionais compreende e fala o nosso idioma. Rodeado por antigas colónias francesas, o país onde nasceu Amílcar Cabral tem talvez mais interesse em adoptar a língua oficial dos seus vizinhos, do que em manter o português como idioma de comunicação internacional.

Em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe o português coexiste harmoniosamente com os diversos crioulos. Uma percentagem considerável da população cabo-verdiana é bilingue, sobretudo nos meios urbanos, transitando com naturalidade do português para o crioulo. A língua portuguesa é normalmente utilizada no ensino, nos meios de comunicação, na literatura e em circunstâncias mais formais, enquanto o crioulo, nas suas diversas variantes, é o idioma do afecto e da cultura popular.

Em São Tomé, para além dos crioulos de matriz portuguesa, persiste um curiosíssimo crioulo do quimbundo, falado por uma pequena etnia que permaneceu isolada muito tempo, os chamados angolares, descendentes de escravos angolanos sobreviventes de um naufrágio. O português atravessa no entanto todos esses crioulos e é a única língua da administração e do poder. O futuro da língua portuguesa em Cabo Verde e em São Tomé parece assegurado, tanto mais que sendo territórios isolados e muito pequenos — com grandes ligações a Portugal, no caso de Cabo Verde, e a Angola, no caso de São Tomé —, os dois países necessitam do apoio de terceiras potências para a sua afirmação internacional.

 

Conclusões

A situação da língua portuguesa é pois bastante diversa no espaço da chamada África lusófona: enquanto em Angola está perfeitamente enraizada e não há motivos para recear pelo seu futuro, já na Guiné-Bissau só através de uma forte intervenção externa parece possível manter, pelo menos formalmente, um idioma que na realidade nunca ali teve grande aceitação.

Em Moçambique o português continuará a ser, certamente, uma língua minoritária, dependendo a sua expansão, mais do que em qualquer outro caso, do sucesso da recém-criada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Nos casos de Angola e dos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, países nos quais o português é uma das línguas, senão a única língua, das elites urbanas, o mais importante é assegurar não já o seu futuro mas a sua qualidade, lutando ao mesmo tempo pela preservação e dignificação dos restantes idiomas nacionais.

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* José Eduardo Agualusa

Escritor e jornalista angolano. Colaborador do PÚBLICO.

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