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Janus 2004



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A moeda única e a reforma do sistema financeiro

Henrique Morais *

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No dia 1 de Janeiro de 1999 inicia-se a terceira fase da União Económica e Monetária, sendo definidas as taxas de conversão entre as moedas dos Estados que nela participarem e a moeda europeia (o Euro). A partir daí começarão a ser realizadas operações cambiais nesta moeda, para em 1 de Janeiro de 2002 as notas de euro passarem a circular livremente nos Estados-membros, sendo as moedas nacionais retiradas de circulação progressivamente até Julho desse ano. Do ponto de vista dos Estados-membros da União Económica e Monetária a introdução de uma moeda comum em substituição das moedas nacionais torna necessária, entre outras, uma reavaliação da política monetária, que deixará de ser definida unilateralmente por esses Estados, passando a ter um cariz supranacional e a ser conduzida pelo Banco Central Europeu. Por outro lado, as instituições financeiras deverão operar num contexto alargado e em condições de concorrência e formação de preços distintas das que conheceram nas últimas décadas. Deste modo, os primeiros anos do século vindouro corresponderão manifestamente a uma época de profundas transformações no sistema financeiro, e em particular no sector bancário, que exigirão provavelmente uma reforma profunda deste sector.

 

O que é o euro?

O "Euro" é o nome atribuído à moeda que entrará em circulação com a União Económica e Monetária, a qual virá substituir o ECU que é utilizado desde 1974 nomeadamente em transacções bancárias, no comércio internacional e nos subsídios e projectos europeus. No entanto, o ECU não existe em forma de nota, enquanto o euro será uma moeda real que substituirá as diversas divisas nacionais. A ideia de criação de uma moeda única europeia teve origem numa decisão do Conselho Europeu de 1988, na sequência do processo de estabelecimento do mercado único europeu. O aparecimento do euro será o culminar de um longo período de transição, no qual se pretendeu estabelecer as condições para uma união económica e monetária entre os diferentes Estados que integram a União Europeia. Esse período de transição foi cuidadosamente definido, tendo em conta a necessidade de assegurar a convergência entre os Estados pertencentes à União Europeia, designadamente a nível dos preços, das taxas de juro de longo prazo, do défice do Estado e ainda da dívida pública. O euro será, assim, instituído como moeda em 1999, prevendo-se um período de aproximadamente três anos em que coexistirá com as diferentes moedas nacionais. Após esse período, o euro torna-se a moeda oficial dos EM aderentes à terceira fase da UEM, configurando-se desde logo como uma das divisas mais importantes do sistema monetário internacional.

 

A reforma do sistema bancário

A introdução de urna nova moeda, ainda para mais comum a um vasto espaço no qual coexistem diferentes unidades de troca, irá provocar uma profunda alteração no funcionamento do sector bancário em Portugal, com a consequente alteração de práticas e procedimentos que foram sendo implementados ao longo dos tempos e que correspondem no essencial às características próprias do espaço económico e financeiro nacional. Para além disso, o processo que culminará na adopção do euro como moeda oficial tem sido caracterizado por alguma indefinição: que moeda única? quais os países que entram e quando entram?, são apenas algumas das questões que só muito recentemente foram definidas ou que nem sequer estão completamente resolvidas.

Esta incerteza acerca do funcionamento da União Económica e Monetária é negativa para os agentes económicos, em geral, e para as instituições de crédito, em particular, uma vez que retarda o desenvolvimento e implantação das necessárias reformas do sector, possibilitando em simultâneo que se criem expectativas mais ou menos especulativas sobre a evolução da própria União. O método que for adoptado para a substituição das moedas nacionais pelo euro é igualmente fundamental para as instituições de crédito. Na verdade, a solução mais favorável para os bancos seria a substituição "numa só noite" de todas as moedas nacionais pelo euro, à semelhança aliás do que aconteceu aquando da reunificação alemã. Esta estratégia minimizaria os custos inerentes à duplicação de moedas que é inevitável se, como parece, for estabelecido um período de transição durante o qual circulariam livremente o euro e as diferentes moedas nacionais.

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No que diz respeito às reformas a implementar no sector financeiro, parece assumido que os bancos terão de realizar investimentos avultados nos sistemas informáticos e de comunicação, na contabilidade interna, na formação profissional dos seus colaboradores e, eventualmente, na reformulação da sua relação com os clientes. Em relação aos sistemas informáticos, são evidentes as dificuldades que se colocam. Em primeiro lugar, grande parte dos softwares terão de ser alterados por forma a poderem "enquadrar" a nova moeda, tanto mais que a própria passagem do século coloca problemas de calendário que se irão repercutir na área informática. Bastará pensar nas ATM, vulgo máquinas multibanco, e nas transformações que os sistemas de comunicação interbancária e entre os bancos e o futuro banco central europeu irão sofrer, para perceber a real dimensão desta vertente.

Os sistemas de pagamentos, até aqui de âmbito nacional, tornar-se-ão transnacionais, para permitirem o processamento dos pagamentos denominados em euro de forma regular, apoiando simultaneamente a integração dos vários mercados e, em particular, dos mercados monetários. Em paralelo, dever-se-á definir com clareza a filosofia a adoptar para as centrais de depósito de valores mobiliários, não parecendo provável que se mantenham em funcionamento diferentes centrais a nível nacional, sendo antes de prever uma concentração destas instituições a nível europeu. A contabilidade interna poderá sofrer alguma reestruturação, devendo ser orientada pelos critérios que vierem a ser estabelecidos para o conjunto dos Estados-membros da União Económica e Monetária, nomeadamente no que diz respeito à conversão dos balanços em euros.

Os mercados interbancários sofrerão igualmente profundas alterações, bem como a relação entre a banca e o(s) banco(s) central(is): o nacional e o banco central europeu. No que diz respeito aos mercados interbancários, convirá salientar que as operações de cedência de fundos entre bancos passarão a ser realizadas a uma escala global, em condições de concorrência e formação de preços distintas, sendo ainda de prever uma alteração significativa a nível dos títulos utilizados como colateral de operações interbancárias. Para além disso, a conta operacional que as instituições de crédito detêm junto do Banco de Portugal passará para o Banco Central Europeu, na sequência da tendência de centralização da política monetária a nível da União Europeia. No entanto, tudo parece encaminhar-se para que a supervisão bancária continue sob a dependência dos bancos centrais nacionais, o que será indiscutivelmente a solução mais correcta tendo em conta a diversidade do sector na Europa. Os bancos terão ainda a seu cargo duas missões que, não sendo impossíveis, se revelam complexas: em primeiro lugar, estas instituições deverão ser os destinatários por excelência das dúvidas que se suscitarem aos agentes económicos acerca da União Económica e Monetária, em geral, e da moeda única, em particular. Deste modo, os cidadãos da Europa dirigir-se-ão preferencialmente aos bancos para serem informados sobre a nova realidade económica e financeira. Ora, para responder a estas solicitações, as instituições de crédito terão de realizar um enorme esforço de preparação dos seus colaboradores para a nova realidade, o que provavelmente deverá ser feito num reduzido intervalo de tempo e em escala gigantesca.

A reforma do sector financeiro será ainda condicionada por outros problemas operacionais, nomeadamente o tratamento a dar às operações acordadas anteriormente à moeda única mas que lhe sobrevivam e o enquadramento jurídico no período subsequente à introdução do euro. No que diz respeito às operações anteriores à moeda única, estas terão de ser convertidas para euros, sendo fundamental a definição, entre outros, da data-valor dessa conversão, da taxa de câmbio implícita e dos arredondamentos a realizar. Nalguns produtos financeiros, a conversão é particularmente complexa: citamos, como exemplo, os contratos nos mercados à vista ou de futuros em que o indexante é uma taxa de juro do mercado interno (lisbor, taxa de desconto...) que deixarão naturalmente de existir após o aparecimento do euro.

Esta questão da conversão é particularmente sensível para a União, na medida em que poderão surgir comportamentos especulativos à medida que se aproximar a data de aparecimento do euro, os quais serão extremamente negativos para os mercados. Em paralelo com os aspectos operacionais exemplificados, os bancos deverão encarar com particular atenção as questões de natureza jurídica que decorrem da alteração de contratos em virtude da conversão dos activos ou créditos. Na verdade, surgirão naturalmente situações de potencial litígio entre a banca e os seus clientes, as quais poderão, não obstante, ser minimizadas se houver por parte dos principais intervenientes nestes contratos uma dupla preocupação: adicionar, tão cedo quanto possível, aos contratos já existentes cláusulas que prevejam a conversão pós-euro e, para além disso, introduzir nos novos contratos que forem estabelecidos até 1999 cláusulas contratuais que incluam já o cenário da conversão.

 

O impacte da moeda única na banca

Não são de forma alguma consensuais as posições públicas a propósito do impacte da moeda única no sistema financeiro português e, em particular, no sector bancário. Alguns defendem que a banca em Portugal sofreu ao longo dos últimos dez anos transformações de grande relevo e que não deverá, portanto, ser afectada de forma significativa pela existência de uma moeda única na Europa. Citam, como exemplos dessas transformações, as desnacionalizações, o aparecimento de novos bancos privados, a progressiva concentração do sector, a intensificação da concorrência com a quebra das taxas de juro e das margens de intermediação, defendendo ainda que as instituições de crédito nacionais não deverão ser prejudicadas pela sua menor dimensão, uma vez que o efeito das economias de escala no sector, a partir de um nível mínimo que estaria já atingido pelos principais grupos financeiros nacionais, não é significativo. Uma segunda posição, manifestamente menos optimista, afirma que as instituições de crédito poderão sofrer de forma particularmente intensa os efeitos (negativos) da adopção da moeda única, em particular a nível dos investimentos que terão de ser realizados e dos custos adicionais que o sector irá suportar.

A título exemplificativo, um estudo da Comissão Europeia aponta para que os custos da criação do euro para o sistema financeiro na Europa da União possam atingir entre 8 a 10 biliões de ECUs. Acresce ainda, nesta perspectiva, que a adopção de um sistema de "dupla moeda" entre 1999 e 2001 virá agravar ainda mais esses custos suplementares, uma vez que exigirá um sistema duplo de contabilidade e de informação ao público. Independentemente da validade de qualquer das posições aqui expressas, parece-nos indiscutível que o sector bancário corresponde provavelmente à área da actividade económica que mais transformações irá registar nos próximos anos, associadas sem dúvida ao aparecimento da moeda única.

Estas transformações podem ser analisadas em duas vertentes: a adequação das instituições de crédito a uma nova realidade monetária e, por outro lado, a adaptação a um mercado muito alargado e concorrencial em que a dimensão média dos bancos ultrapassa largamente o padrão interno — note-se que a fusão de todos os bancos portugueses representaria cerca de metade do Deutsche Bank e que a Caixa Geral de Depósitos ocupa apenas o 60º lugar no ranking europeu. Deste modo, as consequências para o sistema bancário nacional que vierem a resultar da adopção da moeda única serão certamente função da capacidade dos nossos bancos em responder a uma mais do que previsível perda de dominância no mercado interno, associada à diminuição das margens de especulação e à eventual concentração dos mercados de capitais.

Na verdade, os bancos portugueses deixarão de ser market-makers a nível interno e, por outro lado, a descida das taxas de juro provocará uma redução da sua margem financeira. Nalguns sectores específicos do sistema financeiro, como é o caso flagrante dos derivados financeiros, essa concentração será particularmente flagrante, assistindo-se assim a um redimensionamento da própria actividade. Por exemplo, os contratos de futuros sobre taxas de juro e de câmbio internas poderão deixar de existir, sendo previsível que aqueles que os substituírem (em euros) fiquem localizados nas principais bolsas de derivados europeias que apresentam maior liquidez e menores custos. Em conclusão, a reforma do sistema financeiro em Portugal, nas vertentes que aqui foram delineadas e noutras que eventualmente venham a tornar-se necessárias, será provavelmente a variável fundamental para que o estabelecimento da moeda única europeia possa, como se deseja, traduzir-se em benefícios líquidos para o sector e para os agentes económicos em geral.

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* Henrique Morais

Licenciado em Economia pelo ISEG. Docente na UAL.

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