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Janus 1998 F.A.



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Proliferação e contraproliferação

Abel Cabral Couto *

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Além das cinco potências assumidamente nucleares (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido) e das três potências "clandestinas" (Israel, a Índia e o Paquistão), refere-se que o Brasil, a Argentina e a África do Sul abandonaram os seus programas relativos às armas nucleares, tendo a África do Sul desmantelado as 6 que já possuía. A Bielorrússia, o Cazaquistão e a Ucrânia devolveram à Rússia, depois de peripécias várias, as armas nucleares que detinham.

Restam dois "perturbadores" conhecidos: o Iraque e a Correia do Norte. Quanto ao Iraque, o programa em que se encontrava empenhado foi neutralizado pela Guerra do Golfo e pelas medidas de controlo posteriormente postas em execução pela ONU. Mas como permanecem a chefia e as suas motivações, bem como os conhecimentos técnicos já adquiridos, o programa pode ser retomado se surgir oportunidade. Quanto à Coreia do Norte, aceitou em 1994, depois de forte pressão dos EUA, congelar o seu programa de produção de plutónio e proceder ao retratamento daquele já existente, recebendo em contrapartida, gratuitamente dos EUA, reactores para fins pacíficos.

A implosão da ex-URSS aumentou os receios sobre o risco de proliferação, em virtude de se admitir a possibilidade de, com a crise económico-social e as quebras de disciplina, se vir a verificar a migração de cientistas e técnicos, as transferências clandestinas de material radioactivo e de tecnologia nuclear e até mesmo o desvio de armas nucleares tácticas, por quebra de mecanismos de controlo. O Irão e a Síria têm, por vezes, sido considerados como potenciais destinatários mais interessados. Por outro lado, dado os enormes recursos financeiros de algumas organizações mafiosas e de banditismo internacional, aumentaram também as preocupações sobre a proliferação "não-estatal", embora até ao momento sem qualquer manifestação concreta.

Quanto às armas químicas e biológicas, o risco de proliferação é muito elevado, dados o seu baixo custo, a acessibilidade das suas tecnologias, a facilidade com que podem ser dissimuladas com actividades para fins pacíficos e a dificuldade de detecção das instalações de investigação e de produção. Além disso, o reduzido número de pessoal envolvido facilita a manutenção do segredo e dificulta as "fugas de informação".

Consequentemente, é impossível traçar um quadro claro da situação a nível mundial. De acordo com um documento de Agosto de 1993, os EUA consideravam suspeitos de actividades à margem das Convenções sobre Armas Químicas e Biológicas os seguintes países: China, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Egipto, Índia, Irão, Israel, Líbia, Rússia, Síria, Taiwan e Vietname. A descoberta dos apreciáveis arsenais de armas químicas e biológicas que o Iraque possuía, as suspeições relativamente à Rússia, e as acções terroristas verificadas em Tóquio com gás sarim e antrax vieram colocar em primeiro plano o risco de proliferação destes tipos de armas de destruição maciça.

 

A Contraproliferacão

As medidas de Contraproliferacão podem ser essencialmente de dois tipos: a realização de Tratados ou Convenções de controlo de armamentos, com vocação universal; acções militares ofensivas preventivas, destinadas a neutralizar tentativas de proliferação.

Tratados ou Convenções

Os instrumentos fundamentais que criam normas contra a proliferação de armas de destruição maciça são o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e o seu braço de controlo e fiscalização, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), bem como as já referidas Convenção sobre Armas Químicas e Convenção sobre Armas Biológicas.

O TNP, ao findar em 1995 o seu prazo de validade, foi prolongado indefinidamente. E reduzido o número de países que ainda não aderiram, salientando-se entre estes o Brasil (que todavia aderiu ao Tratado de não-nuclearização da América Latina), Israel, a Índia, o Paquistão e Cuba. Registe-se que o Iraque e a Coreia do Norte são signatários do TNP. Por outro lado, os poderes da AIEA foram significativamente aumentados, embora o seu papel de polícia do TNP possa ficar aquém do possível, por escassez de recursos financeiros. Quanto à Convenção sobre Armas Químicas, as inspecções nela previstas já tiveram início. No referente à Convenção sobre Armas Biológicas, a sua eficácia está comprometida, como acima se referiu. Os esforços centram-se na busca de definições claras dos termos, na elaboração de uma listagem abrangente de agentes e na definição das actividades e equipamentos que devem ser objecto de verificação.

Além destes Tratados ou Convenções, devem ainda citar-se o Tratado de Interdição de Ensaios Nucleares, o Regime de Controlo de Tecnologias de Mísseis, o Grupo de Controlo de Tecnologia Nuclear e o Projecto de um Tratado de Suspensão da Produção de Matérias Cindíveis.

O Tratado de Interdição de Ensaios Nucleares foi assinado em Setembro de 1996, tendo sido precedido de moratórias unilaterais pela Rússia, EUA e França. A suspensão de experiências nucleares pela Rússia e EUA assentou no seu domínio de técnicas de simulação dessas experiências e, em certa medida, através de um compromisso de suspensão de experiências reais, procuravam manter a sua superioridade técnica relativamente às outras potências. Em consequência, a China não aceitou qualquer moratória, não aderiu ao tratado e continuou a modernizar as suas ogivas nucleares; e a França, apesar da celeuma internacional, retomou em 1995 as suas experiências no Pacífico, destinadas a validar a nova ogiva para os novos mísseis SLBM (mísseis balísticos lançados de submarinos) e a adquirir também o domínio das técnicas de simulação de ensaios, após o que aderiu ao Tratado de Interdição de Ensaios Nucleares. Este foi assinado pela quase totalidade dos Estados, incluindo Israel e o Irão, mas não o Paquistão, que só o fará com a Índia, a qual continua hostil ao Tratado. Assim, como não foi ratificado pelos 44 países que têm reactores nucleares, o Tratado encontra-se bloqueado, com o sistema de verificação nele previsto.

Tanto o Regime de Controlo de Tecnologias de Mísseis como o Grupo de Controlo de Tecnologia Nuclear não incluem a China, que assim se torna suspeita de poder ser um alimentador da proliferação, apesar das promessas que fez aos EUA. O Tratado de Suspensão da Produção de Matérias Cindíveis está também bloqueado, em virtude da oposição da índia e do Paquistão.

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Ataques preventivos

A contraproliferação é um dos pilares da estratégia americana. E só os EUA têm revelado capacidade, determinação e disposição para aceitar custos e riscos para, se possível com o apoio da ONU, lançar ataques preventivos destinados a neutralizar, o mais cedo possível, esforços de qualquer novo país para se tornar potência nuclear, no caso de falharem outras medidas. Mas aquela estratégia terá em atenção, naturalmente, não só a relação de potencial aliado ou adversário, mas também o valor dos riscos e o grau de liberdade de acção: os EUA agiram sobre o Iraque; uma intervenção na Coreia do Norte (se tivessem falhado os esforços diplomáticos) exigiria, pelo menos, a compreensão ou passividade da China; a nuclearização de Israel foi tolerada; tem havido aparente alheamento relativamente à situação na Índia e Paquistão.

 

Algumas perspectivas

É muito forte a pressão de sectores de opinião, com credibilidade, que defendem uma aceleração e aprofundamento da redução dos arsenais de armas de destruição maciça e, a médio prazo, a total eliminação daquelas armas. Citam-se, entre outros, o movimento PUGWASH, o Centro "H. Stimpson" (no qual figuram um antigo comandante do SHAPE e outro do "Strategic Command") e a "Comissão de Camberra" (com personalidades como M. Rocard, MacNamara, etc). Por outro lado, para o tipo de conflitualidade previsível no médio prazo e numa perspectiva meramente técnica, as armas nucleares são inúteis, mesmo para fins de dissuasão. Finalmente, os progressos no campo das "armas inteligentes" permitem uma gestão mais racional e razoável da violência militar, embora com o efeito perverso de esta se tornar mais provável.

Mas o futuro das armas nucleares depende de várias incógnitas. Em primeiro lugar, da evolução da Rússia. Esta tem condições para voltar a ser uma superpotência; e, na actualidade, a sua prioridade militar continua a incidir sobre a modernização e manutenção das suas forças nucleares, não só por razões de tradição, estatuto ou prestígio, mas porque constituem a compensação para a dificuldade, no médio prazo, de modernização das suas forças convencionais e a resposta possível a uma evolução desfavorável da estratégia chinesa.

Em segundo lugar, da evolução da China. Esta tem já o maior orçamento militar do mundo, continua a desenvolver o seu sistema nuclear e tem-se colocado à margem de todos os Acordos que possam cercear a sua liberdade de acção, pelo que caminha rapidamente para um estatuto de superpotência.

Em terceiro lugar, a Índia, também potência física e demográfica, tem vindo a intensificar os esforços nucleares, adoptando, como se referiu, uma posição de obstrução aos Acordos de contraproliferação e realizando recentemente ensaios nucleares. Se considerarmos também o Paquistão, que igualmente realizou ensaios, teremos dois triângulos estratégicos de suspeição: a China em face da Rússia e da Índia; e a Índia em face da China e do Paquistão. E neste quadro há ainda que estar atento às futuras posições do Japão e da Indonésia. Podem assim estar criadas as condições para uma corrida aos armamentos no Extremo Oriente e no Sul da Ásia, à qual os EUA, e mesmo a UE, não podem ser indiferentes. Assim, com a mudança, para o Pacífico do centro geopolítico do Mundo, tende a transferir-se para esta região, no dealbar do século XXI, a competição estratégica que, no século XX, dominou o Atlântico Norte. Finalmente, como a proliferação tende a ser aos pares, a nuclearização de Israel incentiva a de um ou mais países árabes (Síria, Iraque, Irão, etc.). Quanto às armas químicas e às armas biológicas, há o risco de se tornarem as armas nucleares dos pobres e da proliferação "não-estatal". Consequentemente, o quadro das incógnitas é pouco compaginável com os grandes ideários desarmamentistas.

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* Abel Cabral Couto

General do Exército reformado. Professor Catedrático Convidado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

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