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A política militar portuguesa no século XX

António José Telo *

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Em termos muito gerais e resumidos, podemos dizer que há quatro tipos de missões que determinam a política militar: a defesa da fronteira terrestre contra a ameaça espanhola ou de um inimigo que venha do lado da Península; a inserção do país num esquema mais geral de defesa do Atlântico, que passa necessariamente pela definição de um sistema de alianças; as preocupações com o Império e/ou as comunidades espalhadas pelo mundo; a defesa dos regimes e a acção interna das forças armadas. Todas as políticas militares do século XX resultam de uma mistura complexa destes quatro tipos de missões, em que a tónica é posta numa ou noutra conforme as circunstâncias. Uma vez definida a política militar, ela determina a estrutura de forças teórica, cuja concretização depende da obtenção dos recursos e apoios externos necessários.

No final do século XIX, a tónica da política militar era colocada ainda na "ocupação efectiva" do Império, mas a fase mais intensa das "campanhas de pacificação" está a chegar ao fim. Desde 1898, assiste-se a uma transição da tónica da política militar para a Europa e a situação interna do regime. Surgem então planos para um amplo renascimento naval, com o projecto de reconstituir a esquadra de alto mar, de modo a valorizar a posição nacional na Península e na Secular Aliança. Há um forte debate sobre qual a melhor estrutura para as forças armadas entre, duas escolas que vão reaparecer sob várias formas nas próximas décadas. Uma aponta para colocar a tónica numa força naval significativa, com um Exército diminuto e bem equipado, virado sobretudo para o Império. A outra coloca a tónica na criação de um Exército de massas que deve absorver o melhor dos recursos nacionais, cabendo à Armada um papel secundário.

Com a proclamação da República, abre-se um amplo debate sobre a política militar nacional, marcado pela aproximação da guerra europeia e pela pouca confiança política do novo regime no corpo de oficiais do Exército. Acaba por ser aprovado (em 1911) um ambicioso programa naval, que devia permitir obter uma esquadra de capacidade oceânica, onde se incluíam 3 couraçados modernos, com o objectivo central de controlar o eixo Lisboa-Horta. O Exército seria sobretudo uma força miliciana de educação cívica, com um pequeno núcleo profissional virado para a missão específica de defesa do Império. É um conceito que não se chega a aplicar, pois não há nem os recursos, nem o tempo, nem os apoios para edificar a Marinha pretendida antes de estalar o conflito de 1914.

A participação na I guerra exige a improvisação de um Exército numeroso, pois a falta de uma força naval leva a que o regime pense que é necessário combater na Flandres para valorizar a posição portuguesa na conferência de paz. A alternativa seria dar um contributo importante para a luta no Atlântico, mas tal exigia obviamente uma Marinha muito diferente da existente e impossível de improvisar em pouco tempo, ao contrário do que acontecia com o Exército de massas. Portugal formou uma força numerosa mas pouco eficiente de perto de 150 mil homens, que dividiu por 4 teatros de operações (Angola, Moçambique, Flandres e Atlântico, incluindo Portugal continental). Destes, só a actividade naval corre relativamente bem, terminando todas as outras intervenções em derrotas militares. Confirma-se a opinião maioritária do corpo de oficiais segundo a qual o país não estava preparado para enfrentar um conflito de alta intensidade contra um poder europeu.

Com a paz, a principal preocupação da política militar é a defesa do regime, o que se tenta obter através de um delicado equilíbrio dentro do Exército (entre o corpo de oficiais profissional e os milicianos) e fora deste (entre o Exército, a Armada e a GNR muito aumentada, politizada e equipada para a luta de rua). A solução não satisfaz nenhum sector e as forças armadas recebem múltiplas solicitações para intervirem abertamente na política. A crise do regime prolonga-se por vários anos e desemboca num golpe militar vitorioso, sem resistência significativa, em 1926. Abre-se então um longo período de transição, pautado por várias revoltas, onde a tónica da política militar continua a estar na defesa interna do regime.

Entre 1930 e 1935, com a aprovação do chamado programa Magalhães Correia, domina uma política militar que coloca de novo a tónica na renovação da força naval, virada para o Império e a defesa do Atlântico português. Há múltiplas razões para este facto, sendo a principal que se trata de um programa relativamente barato (cerca de 2 milhões de libras) que permite resolver o problema do "zero naval" e facilita a renovação da indústria nacional e a consolidação do regime. A partir de 1935, as preocupações com a situação em Espanha e o agudizar das tensões na Europa levam a que seja aprovada uma outra orientação, marcada por um gigantesco programa de rearmamento do Exército. O seu inspirador é Santos Costa, no início de uma carreira que o leva a ministro da Guerra e a ministro da Defesa e o transforma no centro do principal grupo interno de apoio a Salazar e ao imobilismo do regime.

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A grande preocupação do programa aprovado em 1935 é a criação de um gigantesco exército de massas (15 divisões na versão mais ambiciosa), com o qual devia ser possível defender a fronteira terrestre com um mínimo de apoio externo. O desenvolvimento da força terrestre é justificado numa altura em que se decide intervir nos assuntos internos da Espanha, com o apoio ao lado nacionalista na guerra civil, e em que esfriam as relações com a Inglaterra. Nunca se obtém o alvo máximo pretendido para o programa de rearmamento, mas a força terrestre cresce de forma regular nos anos seguintes. Em 1940, quando o perigo de invasão é maior, somente é possível equipar o equivalente a uma divisão moderna com armas fundamentalmente alemãs. Em 1945, no final da guerra, Portugal já se gaba de ser capaz de formar o equivalente a 5 divisões modernas, onde se inclui pela primeira vez um batalhão de carros e uma força de aviação táctica importante, com equipamento fundamentalmente britânico.

Os objectivos centrais da política militar nacional mantêm-se depois de 1945. Pretende-se ainda criar uma força de 15 divisões, enquanto a Armada se mantém no nível atingido em 1935. No pós-guerra, porém, o objectivo central já não é a defesa contra uma ameaça que parta da Espanha, mas sim a manutenção dos regimes ibéricos contra ameaças internas ou externas, entre as quais se inclui a possibilidade da defesa dos Pirenéus contra uma ofensiva russa que ocupe a Europa Ocidental em poucas semanas. Tenta-se então uma aproximação aos EUA, como única forma de concretizar a política militar aprovada, mas o acordo bilateral é difícil. Só com a formação da NATO, em 1949, se obtém um enquadramento multilateral que permite assinar o acordo de defesa de 1951 com os EUA. Por ele, cedem-se direitos provisórios para bases nos Açores, em troca de uma substancial ajuda militar e financeira, necessária para renovar as forças armadas nos anos 50.

A adesão à NATO altera por completo a política militar nacional de forma gradual e não sentida pêlos responsáveis, que a encararam inicialmente como uma forma de alcançar o irrealista objectivo das 15 divisões. No final dos anos 50, a vertente aeronaval é a principal componente das forças armadas, que estão animadas por uma concepção de defesa muito diferente da de 1949. A tónica é então colocada numa concepção de defesa da Europa e do Atlântico no âmbito de uma ampla aliança, com um contributo sobretudo aeronaval e um Exército que passou das 15 divisões teóricas para uma tipo NATO (a deslocar para o Sul de França em caso de guerra), 3 de defesa estática (a deslocar para os Pirenéus em caso de guerra) e outras tantas de defesa territorial.

A modernização é evidente, com a chegada das múltiplas técnicas do pós-guerra, desde a electrónica aos aviões a jacto e à formação de milhares de técnicos a todos os níveis. A mentalidade do corpo de oficiais mudou igualmente, aproximando-se mais do modelo das democracias ocidentais, com uma maior preocupação com a técnica e a eficácia das funções. A "geração NATO" é favorável a uma liberalização do regime e crítica em relação à perspectiva do começo de guerras em África sem uma missão militar clara. O poder político da alta hierarquia militar atinge um ponto alto no final dos anos 50, quando o regime lhe faz importantes cedências para conseguir garantir o seu apoio na crise das eleições de Humberto Delgado (1958). Uma das cedências é o afastamento de Santos Costa e a nomeação de Botelho Moniz, uma das cabeças da "geração NATO", para ministro da Defesa.

Botelho Moniz encabeça a movimentação que tenta forçar a abertura e reforma do regime em 1961 e evitar o começo das guerras de África. O seu fracasso, por razões que para aqui não interessam, conduz a uma ampla alteração da política militar e à subordinação da alta hierarquia ao poder político, perante a perspectiva de um conflito prolongado em África de contornos pouco claros. A tónica passa a ser colocada na defesa do Império, com o quase total abandono das funções NATO. Era a sexta grande mudança da política militar nacional no século XX e a única em que a tónica estava na defesa do Império.

 

Informação Complementar

0 quadro 1 representa os aviões de combate fornecidos a Portugal entre 1937 e 1943 (antes do acordo das Lajes). Há um equilíbrio entre o Eixo (que se especializa em aviões de ataque e bombardeiros) e a Inglaterra (de onde chegam os caças, todos antiquados). Os 12 Curtias Hawk, apesar de serem aviões americanos, foram fornecidos pela Inglaterra.

O quadro 2 representa o período da domínio inglês (depois do acordo das Lajes), que fornece 259 dos 288 aviões de combate recebidas (90%). Os restantes chegam dos EUA: os P-39D e 1 solitário P-38 por acidente (foram obrigados a aterrar em Lisboa quando em trânsito para o Norte de África; os quadrimotores B-S4D e SB-17 serão fornecidos no âmbito dos acordos provisórios sobre o uso dos Açores para serem usados como aviões de patrulha marítima.

A partir da assinatura do acordo de defesa com os EUA, em 1951, o seu domínio no campo do fornecimento de aviões de combate à Força Aérea (formada em 1952) é total, com 100% dos aparelhos. Os únicos aviões que se podiam contar de outra origem eram 2 DH 115 Vampira, mas foram usados somente para treino.

A partir de 1961 param por completo as entregas de aviões de combate aos EUA. Os aparelhos que fazem m guerra de África em 1961-1974 são os recebidos nos anos anteriores ou os que chegam da França a da RFA (nomeadamente 40 Fiats G. 91 R/4). Os únicos aviões de combate que vêm dos EUA nestas anos são 6 B-26 Invader, em 1966, mas através de um circuito indirecto, com envolvimento de empresas privadas (eram aparelhos usados pela CIA e não pela USAF).

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* António José Telo

Professor na Faculdade de Letras de Lisboa.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Aviões de combate recebidos pela Aeronáutica do Exército - o equilibrio entre o Eixo e os Aliados 1937-1943

Link em nova janela O período de domínio inglês 1943-1951

Link em nova janela O Domínio americano 1951-1961

Link em nova janela Rotas regulares que usavam os Açores em Novembro de 1944

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