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A política portuguesa para o Mediterrâneo

Mónica Silva e Paula Pereira *

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O envolvimento de Portugal no Mediterrâneo foi uma consequência directa da sua adesão à União Europeia. Até 1986, a prioridade da política externa portuguesa era o Atlântico e dominava a ideia de que um envolvimento no Mediterrâneo se sobreporia às prioridades da política externa espanhola. A proximidade geográfica e os laços culturais e históricos com os países do Magrebe são argumentos suficientes para justificar uma política portuguesa para o Mediterrâneo. No entanto, a tradição isolacionista e anti-europeia e o facto de o país não ser banhado pelas águas do Mediterrâneo foram contra-argumentos esgrimidos pelos atlantistas.

O interesse pelo Mediterrâneo surgiu nos inícios dos anos 90. Com Marrocos, as relações eram já privilegiadas por razões históricas e geográficas. Mas foi a preocupação com a crise social nos países do Magrebe e suas evidentes implicações políticas que levaram Portugal a interessar-se por toda a região. As relações com o Médio Oriente são, em geral, menos desenvolvidas e não representam uma prioridade na política externa portuguesa. Se Portugal demonstrasse interesse por esta região, perderia força em relação aos Estados Unidos, pois deixaria de poder afirmar que a utilização da base das Lajes nos Açores era única e exclusivamente feita em consonância com os interesses americanos (Álvaro de Vasconcelos, "Portugal: Pressing for an Open Europe" in Christopher Hill (ed.), London and New York 1996).

Como consequência da integração europeia, o Mediterrâneo passou a fazer parte da agenda da política externa portuguesa, que se tem tornado cada vez mais mediterrânica. Este facto deve-se às preocupações que Portugal partilha com os outros países da Europa do Sul, em relação aos desenvolvimentos nos países do Magrebe, e à percepção de que esta é uma região onde Portugal tem um papel a desempenhar, uma oportunidade para a projecção do país na Europa.

 

O Magrebe

Na União Europeia, Portugal tornou-se mais uma voz a favor de uma política mediterrânica. As relações foram incrementadas, não só a nível europeu, mas também bilateral. As representações diplomáticas foram estabelecidas ou reforçadas; as visitas oficiais tornaram-se mais frequentes e, em alguns casos, institucionalizaram-se cimeiras anuais entre os chefes de Estado; acordos ou protocolos de cooperação bilateral foram assinados entre as autoridades portuguesas e magrebinas (áreas como a cultura, a educação, e outros domínios sociais e políticos foram contemplados); acordos de cooperação na área da defesa (assistência técnica e treino de soldados) foram assinados com Marrocos em 1993, e com a Tunísia, em 1995. Estas iniciativas reflectem as preocupações com a crise económica, social e política que atravessam os países do Sul do Mediterrâneo.

A deterioração das condições de vida em geral (altas taxas de desemprego e problemas com a habitação) e a falta de perspectivas de rápida melhoria da situação são as causas principais da instabilidade social e política. A natureza não democrática da maioria dos regimes da região, a repressão das oposições e a corrupção de certos sectores do poder são alguns dos factores que têm contribuído para o descrédito e a crise de legitimidade das elites em vários países.

A política que os governos do Sul da Europa, Portugal incluído, têm seguido é a de, por um lado, tentar promover as reformas políticas na ausência de forças democráticas sólidas, e por outro lado, não fragilizar os actuais regimes pró-ocidentais, receosos como estão dos movimentos islâmicos radicais, a principal força de oposição na maior parte destes países. A estratégia adoptada é a do apoio à transição política gradual, através de um processo de consolidação das reformas económicas. Embora faça todo o sentido considerar as questões sociais a par das questões económicas, tal como demonstrou a experiência portuguesa, a preferência pelo comércio ou pela ajuda varia consoante os interesses dos países. Na Europa, os países do Norte põem a tónica no comércio, e os países do Sul no desenvolvimento da cooperação económica.

No capítulo da segurança, apesar de se reconhecer na Europa que não existem ameaças militares vindas da região, há um número de factores que representam potenciais ameaças à segurança e são susceptíveis de ter implicações militares e de defesa. Os problemas de segurança na região são sobretudo problemas Sul/Sul. Consistiram, primeiramente, em disputas de fronteiras, que estiveram na origem de conflitos militares e tensões entre os países do Magrebe. Alguns não foram ainda completamente superados, como o demonstram o conflito no Sara ocidental e a actual tensão entre Marrocos e a Argélia. As crises no Magrebe estão mais relacionadas com questões internas que ameaçam a estabilidade e unidade de alguns países e podem conduzir à sua desagregação ou à emergência de novos conflitos na região. Este é o caso do confronto entre os islamistas radicais e o exército na Argélia, que conduziu a uma guerra civil. Noutros países da região, a possibilidade de conflitos internos não pode ser negligenciada, dado o crescendo das tensões políticas e sociais.

Dado que os recursos financeiros de Portugal são bastante mais limitados que os de outros países da Europa do Sul, os governos portugueses tentam tirar partido das vantagens políticas comparativas de Portugal em relação aos outros parceiros europeus. A inexistência de disputas territoriais (Espanha tem as de Ceuta e Melila), de um passado colonial recente (casos da França, Itália e Espanha) e de laços humanos muito fortes que possam enviesar as atitudes políticas são trunfos que os governos portugueses têm afirmado serem os seus. As autoridades portuguesas têm investido primeiramente e sobretudo nas relações políticas, tentando desenvolver paralelamente as relações económicas, que se mantêm a um nível muito decepcionante.

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O comércio é quase insignificante: 5% do comércio externo português; as exportações representam menos de metade das importações, sendo 80% petróleo e produtos similares vindos da Argélia e da Líbia que, ironicamente, é um parceiro importante na região, apesar de quase não existirem relações políticas e diplomáticas. As relações económicas com Marrocos são menos significativas, mesmo se Marrocos é o principal mercado de destino das exportações portuguesas para a região (cerca de 40%). O investimento português no Magrebe e magrebino em Portugal são muito reduzidos ou inexistentes. O governo criou, em 1992/1993, linhas de crédito para promover o investimento e as relações comerciais entre os países da região, cuja utilização fica muito aquém daquilo que seria desejável. O Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Instituto de Comércio Externo Português têm promovido acções de sensibilização dos empresários portugueses para o investimento português no Magrebe, região que não lhes é tradicionalmente familiar.

Há também a registar uma mudança nas atitudes das autoridades portuguesas, que tendem a explorar as similitudes das economias nacional e magrebinas, tidas como tendo um baixo grau de complementaridade (na indústria têxtil, nas pescas e nos produtos agrícolas) e desenvolvem, agora, esquemas de cooperação ao nível da indústria, das infra-estruturas e da assistência técnica. Graças ao sector energético, os interesses económicos na região estão a crescer rapidamente, reforçando ainda mais os laços políticos existentes entre Portugal e a região. O governo português fez grandes investimentos na construção do gasoduto Magrebe-Europa (e infra-estruturas relacionadas), que traz gás natural da Argélia para Espanha e Portugal, aumentando a dependência de Portugal das importações de energia do Magrebe, que se esperam ser da ordem dos 10% das necessidades energéticas portuguesas, no ano 2000 (Dados da Transgás, 1997).

Este facto faz aumentar as preocupações portuguesas, tanto mais que o argumento de que nenhum governo argelino terá interesse em ver perigar a maior fonte de receitas externas do país (as vendas de gás natural representaram, em 1997, 96,5% do total de exportações argelinas), foi posto em causa pelos recentes acontecimentos que confirmaram a vulnerabilidade das instalações técnicas e "pipelines". A 23 de Fevereiro deste ano (1998), duas bombas lançadas pela guerrilha islâmica danificaram cerca de 80 metros da "pipeline" que liga o gigantesco campo de gás de Hassi R'mel ao complexo de tratamento de gás de Arzew, perto de Oraõ. O fornecimento de gás ao complexo de Arzew foi interrompido ("Aviso a occidente", "El País", 24 de Fevereiro de 1998).

A companhia estatal argelina Sonatrach, que detém e gere a vasta rede de "pipelines" de petróleo e gás, havia anunciado em Novembro do ano passado (1997) que um incêndio destruíra uma secção da "pipeline" de gás que serve a Itália. O incêndio, na região nordeste de Bir el Abed, suspendeu as exportações de gás durante 4 dias. Nem a Sonatrach nem entidades governamentais deram mais pormenores sobre a causa do incêndio que, segundo um relatório europeu não confirmado, foi provocado pela guerrilha islâmica radical. Já em finais de 1993, as autoridades argelinas tinham desmantelado uma rede de guerrilheiros cujos planos consistiam em atacar as "pipelines" que transportam gás para Itália, cerca de 20 biliões de metros cúbicos por ano, que representam um terço das exportações anuais de gás da Argélia.

Até ao momento, a indústria de gás e de petróleo tinha sido poupada aos atentados, graças a um apertado dispositivo de segurança e a uma enorme mobilização militar para as áreas de produção no Sul da Argélia. Parece, no entanto, que a dimensão actual da crise argelina modificou esta situação. Depois do atentado ao gasoduto, as autoridades argelinas reforçaram o contingente militar no oeste da Argélia. Unidades do exército, apoiadas pela aviação, artilharia, carros de combate e blindados, têm por objectivo o extermínio ou captura dos grupos extremistas que operam na zona. Estes acontecimentos relacionados com a dependência energética da Argélia deverão ter um impacte na política externa para o Magrebe e reforçar as preocupações portuguesas com a estabilidade na região.

 

O Médio Oriente

Apesar da dependência do petróleo vindo dos Estados do golfo, susceptível de ser afectada pelos conflitos na região, Portugal nunca teve uma verdadeira política para o Médio Oriente (exceptuando algumas iniciativas diplomáticas do anterior presidente Mário Soares). A presença diplomática no Médio Oriente e nos países do golfo era muito limitada, o que determina desde logo a falta de informação, de conhecimento da região e dos meios disponíveis para ter uma política activa. Antes de 1986, havia a convicção de que, se Portugal demonstrasse interesse por esta região, perderia força em relação aos Estados Unidos, pois deixaria de poder afirmar que a utilização da base das Lajes nos Açores era única e exclusivamente feita em consonância com os interesses americanos. Tem no entanto de ser referido o interesse que Portugal demonstrou pela região durante a presidência da União Europeia. Ainda assim, o Médio Oriente não é, nem é provável que venha a ser, num futuro próximo, uma prioridade da política externa e de segurança portuguesa.

 

Participação em iniciativas multilaterais

Portugal tem participado em várias iniciativas multilaterais para o Mediterrâneo. Em 1988, quando o presidente François Mitterrand relançou a iniciativa de cooperação no Mediterrâneo, Portugal participou activamente e foi um dos primeiros signatários da Declaração de Roma que lançou o diálogo cinco-mais-cinco. Portugal defendia uma abordagem sub-regional, e revelou-se céptico em relação à proposta italo-espanhola de uma conferência para a segurança e cooperação no Mediterrâneo, baseada no modelo da OSCE e envolvendo os países europeus, os Estados Unidos, a Rússia e os países islâmicos desde a Mauritânia ao golfo Pérsico. Durante a presidência da União Europeia, Portugal tentou transformar o diálogo cinco-mais-cinco num diálogo doze-mais-cinco, sem êxito.

A iniciativa estava paralisada devido às sanções impostas à Líbia e à crise argelina. Em conjunto com os países do Sul da Europa, Portugal participou no Fórum para o Diálogo e a Cooperação no Mediterrâneo, iniciado em Alexandria, com base numa proposta egípcia, em Julho de 1994. Tendo por objectivo a promoção do diálogo político na região, a Argélia, Marrocos e a Turquia foram envolvidos nesta iniciativa. A parceria euro-mediterrânica foi lançada durante a Conferência de Barcelona, em Novembro de 1995, como resposta aos anseios dos países do Sul da Europa, que defendiam a tese do equilíbrio entre as relações com a Europa Central e de Leste e as relações com o Sul do Mediterrâneo.

A parceria euro-mediterrânica foi lançada numa altura em que o processo de paz no Médio Oriente estava em fase de franco progresso. Só assim se compreende que tenha sido possível aos parceiros do Sul subscrever a declaração de Barcelona e participar numa iniciativa de cooperação incluindo discussões políticas e de segurança. Os participantes nesta conferência – os 15 membros da União Europeia e os 12 parceiros mediterrânicos (Argélia, Chipre, Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Malta, Marrocos, Síria, Tunísia, Turquia, e Autoridade Palestiniana), o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia – vêem hoje o optimismo lançado em Barcelona ensombrado pelos obstáculos ao Processo de Paz no Médio Oriente (ver "Rapport Commun EuroMeSCo", Abril 1997.)

O diálogo entre a NATO e os países do Mediterrâneo foi iniciado em Fevereiro de 1995. O diálogo estabelece-se directamente entre o secretariado da NATO e as embaixadas de cada parceiro, em Bruxelas. Após a Guerra Fria, o Mediterrâneo foi encarado, pelos países do norte do Mediterrâneo, como uma potencial ameaça. Desenvolveu-se, então, o receio da proliferação de armas de destruição maciça nessa região. O diálogo é assim um meio de impedir que os riscos se transformem em ameaças reais. O objectivo do diálogo entre a NATO e os países da margem sul do Mediterrâneo é o de tranquilizar esses Estados, para os quais a NATO também pode constituir uma ameaça. Portugal tem defendido este diálogo com a NATO e a ideia de que se deveria desenvolver um esquema de parceria com os países do Sul do Mediterrâneo, à semelhança do que está a ser feito com os países da Europa do Leste.

No quadro da União Europeia, a UEO iniciou um diálogo com os países do Mediterrâneo em 1993.0 objectivo é o de informar os parceiros mediterrânicos das actividades da organização. No entanto, a criação da Eurofor e da Euromarfor foi considerada um obstáculo ao diálogo, não tendo os países do sul do Mediterrâneo sido informados desta iniciativa. Ora, a existência destas forças deveria inscrever-se numa perspectiva de segurança cooperativa, que envolva os países do Sul do Mediterrâneo. O grupo mediterrânico encontra-se num impasse devido ao desenvolvimento do processo de Barcelona também no quadro da União Europeia e do desentendimento entre os Estados membros da UEO sobre as actividades que podem ser desenvolvidas com os parceiros do Sul do Mediterrâneo. Muitas das iniciativas estão actualmente bloqueadas devido, em grande parte, aos conflitos na região, ao processo de paz no Médio Oriente e à crise na Argélia.

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* Mónica Silva

Investigadora do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais.

* Paula Pereira

Investigadora do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais.

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