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A política externa portuguesa no tempo de Pombal

José Calvet de Magalhães *

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Dois importantes problemas de ordem interna condicionaram a política externa portuguesa durante o longo período em que o país foi governado pelo Marquês de Pombal (1750-1777). O primeiro problema, herdado do reinado de D. João V (1706-1750), dizia respeito à definição dos limites do Brasil. O segundo problema surgiu com o plano de Pombal de introduzir reformas profundas na vida portuguesa, particularmente no plano cultural, procurando aproximar o país do nível dos grandes centros culturais europeus, plano que encontrou o seu principal obstáculo na dominante influência exercida pela Companhia de Jesus.

Os limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, na sua aplicação ao Brasil,  ficaram por definir até à celebração do Tratado de Madrid de 1750, negociado por Alexandre de Gusmão. Por este tratado, Portugal cedeu à Espanha o território que ocupava na margem norte do rio da Prata, chamado Colónia de Sacramento; e a Espanha cedeu a Portugal a região de Montes de Cartilhos Grandes até à nascente do rio Ibicui. A execução deste tratado levantou, porém, grandes dificuldades, a maior das quais foi a de procurar remover sete "reduções", ou aldeamentos de índios para a margem oriental do rio Paraguay. Estas reduções eram povoadas por cerca de 30.000 índios guaranis que haviam sido cristianizados pelos padres jesuítas e que se recusavam a abandonar as suas terras. Pombal atribuía a resistência dos índios a manobras dos espanhóis que manipulavam, por seu turno, os jesuítas, os instigadores da rebelião. Esta revolta, que se arrastou de 1753 a 1756, não permitiu que a colónia de Sacramento fosse devolvida à Espanha. Quando nesse último ano eclodiu a guerra dos Sete Anos entre a Grã-Bretanha e a França, que se estendeu aos domínios ultramarinos dos dois países, Portugal e Espanha procuraram manter-se alheios a este conflito. Aproveitando habilmente o momento propício, Pombal negociou com a Espanha a supressão do tratado de Madrid, assinando os dois países vizinhos, em 17 de Fevereiro de 1761, o tratado do Prado, que permitiu a Portugal conservar a colónia de Sacramento.

As complicações originadas pelas operações militares da Guerra dos Sete Anos iriam, todavia, arrastar Portugal e Espanha para o conflito, em campos opostos. Em Agosto de 1759, uma esquadra britânica derrotou uma esquadra francesa perto da baía de Lagos, a qual se refugiou nesta baía, mas o almirante britânico perseguiu-a e tomou como presas os navios franceses. O embaixador francês em Lisboa protestou violentamente junto do governo português contra a acção britânica exigindo a sua intervenção para que as presas fossem devolvidas a França. Pombal agiu com enorme prudência, procurando convencer o governo britânico a dar satisfação aos protestos franceses, evitando, no entanto, melindrar o governo de Londres, pois considerou sempre a aliança luso-britânica como fundamental para a segurança do país, em face da Espanha cujo trono era ocupado, na altura, por um príncipe Bourbon, parente próximo do rei de França. Em virtude das insistentes diligências de Pombal, as autoridades britânicas acabaram por apresentar desculpas pelo comportamento do almirante britânico, sem se comprometerem, no entanto, a devolver as presas, objectivo fundamental das diligências do embaixador francês.

Em Agosto de 1761 foi celebrado o chamado Pacto de Família, pelo qual os dois monarcas da casa de Bourbon se aliaram contra a Grã-Bretanha. Em Fevereiro do ano seguinte, um emissário do governo francês, juntamente com o embaixador espanhol em Lisboa, exigiram que o governo português abandonasse a aliança luso-britânica e aderisse ao Pacto, visto que o rei D. José era casado com uma irmã de Carlos III de Espanha. Pombal, naturalmente, resistiu a esta imposição. Conforme explicava ao nosso ministro em Londres, considerava fundamental a manutenção da velha aliança luso-britânica, garantia da segurança nacional perante a constante ameaça da Espanha.

Em virtude da recusa portuguesa de aderir ao Pacto de Família, forças espanholas invadiram o território português em 30 de Abril de 1762 e, em 18 de Maio, Portugal declarou guerra à Espanha, solicitando Pombal o auxílio da Grã-Bretanha. Apesar da oposição de alguns políticos britânicos irritados com Pombal pelas restrições que ele impusera aos abusos dos comerciantes ingleses em Portugal, William Pitt conseguiu obter do Parlamento os fundos necessários para enviar para Portugal um contingente militar, comandado primeiramente pelo caduco Lorde Tirawley, que depois foi substituído pelo brilhante militar conde de Lippe.

As forças anglo-portuguesas conseguiram deter o avanço das forças espanholas e, em 30 de Novembro de 1762, foi assinado um armistício entre o conde de Lippe, pelo lado português, e o conde de Aranda, pelo lado espanhol. Entretanto as forças espanholas haviam-se apoderado da colónia do Sacramento que sucumbiu após um mês de resistência. As forças espanholas foram, porém, batidas pelos britânicos em Havana e em Manila, tendo as forças francesas sido igualmente batidas no Canadá, na Luisiana e no Senegal.

Em 16 de Fevereiro de 1763 foi finalmente assinado em Paris o tratado definitivo de paz entre a Grã-Bretanha e Portugal, de um lado, e a França e a Espanha, do outro. Por este tratado Portugal obteve a restituição das praças ocupadas pelo adversário, incluindo as praças ocupadas da colónia de Sacramento e no Rio Grande do Sul. Se a colónia de Sacramento voltou de facto à posse dos portugueses, as praças ocupadas do Rio Grande do Sul não foram restituídas pela Espanha, sendo necessário reconquistá-las através de operações militares que decorreram entre 1767 e 1776. A colónia de Sacramento continuou, porém, a ser bloqueada por forças espanholas que, em 1777, voltaram a ocupá-la.

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Os jesuítas e a Santa Sé

As relações de Portugal com a Santa Sé no tempo de Pombal encontraram sérias dificuldades devido à confrontação entre o poder considerável exercido pela Companhia de Jesus no país e o poder crescente de Sebastião José de Carvalho, que se afirmou sobretudo a partir do terramoto de Lisboa de 1755. O futuro marquês de Pombal era um enérgico defensor do poder absoluto dos reis e propunha-se empreender reformas profundas na sociedade portuguesa; o que colidiu inevitavelmente com a influência exercida pêlos jesuítas, defensores tradicionais da limitação do poder real e denunciadores da tirania.

Eram, além disso, os confessores influentes dos membros da família real e dos membros das grandes famílias nobres e os detentores de quase monopólio do ensino médio e superior do país.

O conservadorismo, o excesso de confiança e a imprudência de alguns jesuítas portugueses facilitaram o jogo de Pombal que, subtilmente, foi preparando um verdadeiro "processo" contra os jesuítas: suspeita de incitamento à revolta dos índios, críticas à acção governativa no Brasil e na metrópole, e as insensatas maldições e profecias do padre Malagrida que, entre outras coisas, atribuía o terramoto de Lisboa ao castigo de Deus contra a governação do reino, etc.

O primeiro objectivo de Pombal foi retirar aos jesuítas a posição predominante que tinham no ensino, coarctando sucessivamente todas as suas actividades, incluindo a faculdade de pregar e de confessar. Como em Roma não foram tomadas quaisquer providências contra a Companhia, pelo decreto de 3 de Setembro de 1759, a congregação foi expulsa de todos os territórios portugueses, acabando o governo português por cortar as relações com a Santa Sé em 15 de Junho de 1761.

Pombal não se satisfez, no entanto, com a expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses, lançando-se numa terrível campanha internacional contra a Companhia, enchendo a Europa de panfletos anti-jesuíticos. As suas pressões dirigiram-se sobretudo sobre as cortes de França e de Espanha e a sua acção persistente triunfou quando Luís XV de França foi alvo de um atentado e Carlos III de Espanha se viu a braços com uma revolta em Madrid. Lançando a suspeita de envolvimento dos jesuítas nestes acontecimentos, preparou certamente o ambiente para que a Companhia fosse expulsa da França em 1764 e de Espanha em 1767. Perante as enormes pressões de Portugal, França e Espanha, o papa Clemente XIV acabou por sucumbir, extinguindo a Companhia de Jesus pela bula Dominus ac Redemptor Nostri Jesus Christus, de Julho de 1773.

 

Informação Complementar

Acusações de Pombal contra os Jesuítas

Entre as múltiplas acusações dirigidas por Pombal contra a Companhia de Jesus, figuravam a sua rejeição do poder absoluto dos monarcas e a legitimidade do tiranicidío, que o poderoso político chamava "atrocidades". No Compêndio Histórico de 1772, que elaborou a Junta de Providência Literária, por ele presidida, sobre a reforma dos estudos da Universidade de Coimbra, atribuem-se aos jesuítas os seguintes "absurdos":

"Á excepção da Soberania Eclesiástica, não há outra alguma na terra, que tenha recebido imediatamente de Deos a sua força, e a sua autoridade. O Império Temporal he somente estabelecido sobre a opinião e vontade dos Congressos dos Homens".

"He licito a cada hum matar num Tyranno: na verdade a questão de facto pode ser duvidosa: se tal Príncipe deve ser considerado, e tratado como hum Tyranno : Mas a questão de Direito: He permitido matar hum Tyranno: Não padece dificuldade."

 

Pombal e os tratados

Pombal, antes de assumir funções políticas, exerceu cargos diplomáticos, tendo sido ministro em Londres e em Viena. A sua experiência diplomática denota-se na forma realista como apreciava o valor dos tratados celebrados entre uma pequena e uma grande potência. Num parecer elaborado em 1750 sobre um projecto de acordo com a Espanha, escreveu: "Nenhuma potência costuma celebrar sem competente garantia tratados voluntários com outra potência de forças superiores porque estas convenções sempre são leoninas em razão de que entre as duas partes contratantes aquela que tem a seu favor a prepotência abriga a outra parte menos forte a que cumpra tudo o que lhe promete ao mesmo tempo em que nunca acha razões que bastem para cumprir o que estipulou; de sorte que sendo o contrato igual e recíproco na sua convenção vem a reduzir-se na sua execução, a cumpri-to a potência menos forte em tropas no que lhe é oneroso e não poder servir-se dele enquanto lhe é útil"

 

A Colónia de Sacramento

Os portugueses consideraram sempre que a fronteira natural do Brasil ao sul deveria ser o rio de Prata. Na segunda metade do século XVII vários núcleos de portugueses se instalaram na margem norte deste rio, numa região que veio, mais tarde, a chamar-se Colónia de Sacramento ou Província Ocidental. Em 1680 foi mesmo edificada uma povoação fortificada em frente de Buenos Aires, que o governador desta cidade acabou por tomar de assalto. A tensão criada entre Portugal e Espanha em virtude deste acontecimento foi eliminada pelo tratado provisional de 3 de Maio de 1681, pelo qual a Colónia de Sacramento foi devolvida a Portugal, aguardando-se futuras negociações sobre a questão.

No quadro da guerra da sucessão de Espanha, forças espanholas ocuparam a colónia, mas pelo tratado de Utrecht, de 1715, que pôs termo à guerra, Portugal obteve a sua restituição, embora os limites do Brasil continuassem por definir. De 1735 a 1737, as forças espanholas continuaram a exercer pressão sobre os territórios ocupados pelos portugueses ao norte do rio da Prata. Após longas negociações, dirigidas por Alexandre de Gusmão, foi assinado em Madrid, em 1758, um tratado pelo qual Portugal cedeu à Espanha a Colónia de Sacramento, contra uma definição precisa de limites do Brasil. A execução deste tratado tomou-se, no entanto, muito difícil, em virtude da revolta de cerca de 30.000 índios guaranis, que recusaram a transferência das suas povoações, prevista no tratado.

Durante a guerra dos Sete Anos, entre a Franca e a Grã-Bretanha, e enquanto Portugal e Espanha ainda não estavam envolvidos na contenda, Pombal, em 1761, negociou com o país vizinho o tratado do Prado que anulou o tratado de Madrid, permitindo a Portugal conservar a Colónia de Sacramento. Quando Portugal interveio na guerra ao lado da Inglaterra, a Espanha, aliada da Franca, ocupou novamente a Colónia. Pelo tratado de Paris, de 1763, que finalizou a guerra, Portugal recuperou, mais uma vez, aquele território. As operações militares entre portugueses e espanhóis, continuaram, no entanto, no Rio Grande do Sul, e em 1777 uma poderosa força espanhola ocupou a Colónia. Novas negociações levaram à assinatura do tratado de Santo lldefonso, de 1 de Outubro de 1777, pelo qual Portugal abandonou as suas pretensões àquele território contra uma definição precisa e definitiva dos limites dos domínios portugueses na América do Sul.

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* José Calvet de Magalhães

Embaixador. Professor Associado na UAL. Membro da Academia Portuguesa de História.

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