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- JANUS 1999-2000 -

Janus 2001



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Portugal na Europa napoleónica

Luís de Oliveira Ramos*

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No plano das relações internacionais durante o último quartel de setecentos, à Corte de Lisboa importava, antes de tudo, garantir a independência nacional e preservar o império ultramarino, considerando já a preponderância naval da Inglaterra, considerando já a sua importância nas transacções mercantis, face à complementaridade económica das duas nações e à evidente prosperidade comercial do nosso país, vivificado por produtos coloniais transaccionados sobretudo a partir de Lisboa. Para o conseguir, no contexto da Revolução Francesa e do Império, o Governo permanece, de início, numa posição de expectativa e defesa entre 1789 e 1792.

Depois assume-se como parceiro da coligação contra a França revolucionária de 1792 a 1795, quando participa, ao lado da Espanha, na invasão do Rossilhão (1793-1794). A organização desta expedição militar é, no Reino, precedida por uma dolorosa conscrição das tropas para a guerra, guerra da qual resultarão perdas de vulto, dada a dificuldade da campanha e falta de convicção dos espanhóis.

Confrontado com a paz e aliança entre a França e a Espanha (1975), desde essa data até 1801, Portugal vive tempos difíceis. Para o fim do século procede a novos recrutamentos de soldados, acompanhados de exacções que deveras ferem os povos.

Paralelamente, busca com afã a paz e quase consegue em 1797. Outrossim, procura não abandonar a aliança com a Inglaterra. Enjeita-a, momentaneamente, em virtude da agressão espanhola, estimulada pela França, conhecida pela Guerra das Laranjas, (1801), pois no seu termo firma-se a paz com a Espanha e enfim, com a França napoleónica. Embora rápido, o prélio implicara a invasão do sul do Reino e levara à ceifa de vidas humanas. À cautela, os ingleses ocupam a Madeira de 1801 a 1802, com desagrado dos seus habitantes.

Consequência perdurável da guerra com a Espanha foi a definitiva perda de Olivença, no sul do país, e o temporário cerceamento de alguns territórios no norte do Brasil. De par, o tratado de Paz que lhe põe fim, assinado em 1801, em Badajoz, precede um outro que congraça, temporariamente, as potências maiores, isto é a Inglaterra e a França. Portugal assegura a sua autonomia e continuada actividade comercial. A tranquilidade das ligações com o Brasil fica garantida até 1807. A França, primeiro, tira partido das possibilidades de negociar com Portugal. Sem intercepção deste processo mercantil, pelos anos de 1806 e 1807, na sequência de um processo por Napoleão explicado em 1789, quando disse a Talleyrand: "É necessário que a República tire aos ingleses o único aliado que lhes resta na Europa", o reino vê-se reclamado a respeitar o bloqueio continental ordenado pelo novo Imperador dos Franceses, com o fito de asfixiar a Inglaterra.

 

Diplomada oscilante

Ora, como em vez de o acatar, a diplomacia portuguesa oscila entre os britânicos e os franceses, a ponto de em Novembro de 1807 aceitar as condições do Império e no fim do mês pender para o aliado tradicional, nunca deveras esquecido, e, entretanto, sempre em Novembro, os exércitos da França e da Espanha invadem o país, tomam Lisboa e vão ocupar todo o reino. Antes, pelo tratado de Fontainebleau, aquelas duas potências tinham ajustado a fraccionação do território continental em três fatias, uma das quais ficaria para o governante espanhol Godoy, sem perder de vista a futura e importantíssima divisão do império colonial português.

Com os franceses já em Lisboa, bons ventos empurravam dos mares de Portugal a corte e o Regente. Rumaram para o Brasil, protegidos pela esquadra britânica. Fica assim garantida a existência do Estado e da dinastia. Incidências do acesso da França napoleónica, aqui apresentadas pelas suas tropas, fazem-se sentir nas relações externas de Portugal, nos seus domínios ultramarinos, tanto mais que, de 1808 até 1821 – muito para além da queda de Napoleão – a Corte portuguesa passa a ter sede no Rio de Janeiro. Iam corridos vinte anos desde que a Gazeta de Lisboa principiara a noticiar a agitação pré-revolucionária em França.

 

O partido francês

Nesse lapso de tempo, e apesar de compelido pela repressão, com períodos melhores e períodos menos bons, crescera o partido francês, ou pelo menos, o contingente dos que olhavam com simpatia as ideias e experiências antes congeminadas pêlos filósofos, agora protagonizadas pela França nova, cujo imperador, Napoleão Bonaparte, entronizado em 1804, era, afinal, um filho da Revolução.

Demais, após 1801, chegara-se a um bom relacionamento entre Portugal e a França. De facto, até ao início dos anos 90, o escambo mercantil luso-francês tem incremento, em virtude da relevância dos produtos brasileiros e, em especial, do algodão, contribuindo para tal a situação favorável a Portugal, a melhoria das relações com a Espanha e, naturalmente, com a França, antes verificadas. Durante o período de guerra e trégua provisória entre Portugal e a nova república, que se estende de 1792 a 1801, avultam as dificuldades. Tal condicionalismo não impede que determinados mercadores brasileiros e portugueses, e mesmo de outras proveniências, úteis ao esforço da guerra, alcancem a França, já à sombra do contrabando, já por meio de navios, com destino disfarçado, abastecidos em cidades portuguesas, por agentes secretos, entre os quais figuram diplomatas americanos, negociantes holandeses, etc.

Por último, e até às invasões napoleónicas (1807-1811), o comércio de Portugal com a França cresce extraordinariamente. Na afirmação da crescente intervenção da França junto da Corte de Lisboa papel de relevo coube ao primeiro legado enviado pelo Consulado a Portugal, o general Lannes. Numa primeira fase, Lannes, esse ministro, conforme o exemplo de Bernardotte em 1798, comporta-se como um diplomata revolucionário, agressivo em relação ao Regente, desrespeitador dos hábitos diplomáticos. Numa fase seguinte, logra as boas graças da Corte, obtendo resultados apreciáveis a favor dos amigos da França, contra as forças militares constituídas por emigrados, contra o representante dos Bourbon em Lisboa.

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Pina Manique afastado

Além disso, associa-se à sua acção o afastamento de Pina Manique da Intendência Geral da Polícia. Ora Pina Manique, mais do que a Inquisição ou a censura de livros, vigiava e perseguira franceses estantes em Portugal e o mesmo fizera aos mações, desconfiara dos sacerdotes emigrados gauleses que lograram ficar no Reino (quando os não devolvera à procedência) obstara à entrada de livros proibidos no Reino, denunciara os seus leitores, mesmo os de mais alta hierarquia, prestigiara-se na luta contra os "jacobinos", simpatizantes ou prosélitos da França em mutação. Colocara também na fronteira os estrangeiros sediciosos e contribuiu para a má recepção dispensada, primeiro ao legado da Convenção e, por último, a Lannes, não lhe poupando a devassa à bagagem, quando da sua chegada a Lisboa.

Como é sabido, em 1807-1811, o processo revolucionário, na sua fase imperialista, repercute-se directamente no Reino, conforme um plano espanhol e francês que vinha a amadurecer desde 1805. Em Lisboa, o Príncipe Regente deixa um corpo de governantes incumbido de dirigir o Reino e, ao partir, recomenda aos súbditos que não resistam ao invasor "para evitar as funestas consequências que se devem seguir de uma defesa que seria mais nociva do que proveitosa". Inicia-se assim a tripla ocupação do território continental pelas forças napoleónicas, de acordo com uma directriz de apoucamento do poderio inglês e do papel da realeza em Portugal, directriz na qual a política de Napoleão combina a estratégia militar e os apetites económicos.

Por via da conquista do país em 1807, Napoleão reforça o bloqueio continental e preserva a Ocidente o dispositivo militar que estava a engastar na Península e conduz à queda dos Bourbons. Portugal passaria a constituir um refém a utilizar em negociações, outrossim resultando da sua ocupação a perda pela Inglaterra de bases de abastecimento e de conservação que facilitavam grandemente as manobras da sua frota. E é de admitir, com bom fundamento, que a atracção das riquezas coloniais portuguesas tenha seduzido o Imperador, bem como a esperança de conquistar a armada lusitana, que de utilidade seria nos confrontos navais com a Inglaterra.

 

As invasões

O domínio de Portugal foi tentado, em três fases distintas, durante a Guerra Peninsular, pelo imperador sob o comando de famosos cabos de guerra. Na primeira, em 1807, encabeçou tropas franco-espanholas o general Junot, o qual, em fins de Novembro, avançou pelo vale do Tejo e se fixou em Lisboa. Dominou todo o país até ao levantamento nacional de Junho de 1808, conexo com a resistência dos espanhóis. À reacção portuguesa deu suporte o desembarque de tropas britânicas, comandadas por Wellesley, em Agosto do mesmo ano. A segunda invasão dirigiu-a o marechal Soult. Em 1809 penetrou em Portugal por Chaves, no Norte transmontano, rumo ao Porto, aí se fixando durante menos de 2 meses, antes de reentrar na Galiza em marchas forçadas.

Durante a terceira invasão, em Setembro de 1810, os soldados gauleses, sob a chefia do marechal Massena, rasgaram e depredaram a Beira até ao Buçaco e daí, mesmo vencidos em batalha, seguiram de pronto à conquista da capital para lentamente soçobrarem, às suas portas, nas linhas de Torres Vedras. A retirada dos franceses ocorreu em Março de 1811, via Coimbra, acossados pelos exércitos anglo-lusos que desde a primeira invasão operaram contra os invasores flanqueados pela guerrilha popular, mal revelada na historiografia tradicional. Se a ida da Corte para o Brasil levantou polémica, no decurso das invasões avultou a corrente dos que, em sintonia com a vontade geral da nação, apoiada pela Inglaterra e mais tarde animada pela sublevação espanhola na Primavera de 1808, combateu, com denodo, os franceses, mostrando inequívoca fidelidade à dinastia de Bragança, apeada do trono por declaração de Junot.

 

Os "partidistas galos"

De par surgiram núcleos de afrancesados ou de "partidistas galos", hostis ao regime e à soberania do Regente D. João, apostados na conservação de reformas necessárias no país, crédulos uns na indesmentível capacidade governativa e militar de Napoleão, na novidade dos estatutos administrativos e jurídicos por ele semeados na Europa, nas perspectivas pelo imperador abertas à burguesia e às classes médias na sua qualidade de continuador da Revolução francesa, crédulos outros de que chegara a ocasião azada para, enfim, levar a cabo um conjunto de transformações no aparelho da nação. A este núcleo juntou-se os que buscavam a tranquilidade por qualquer preço, e a legião dos oportunistas para quem a persistência da guerra com o Império parecia um desastre sem saída a encarar com realismo.

O partido pró-francês, que existia antes das invasões, fraccionou-se entre os que aderiram à ordem napoleónica e os que engrossaram as hostes da resistência. Alguns afrancesados ajudaram as pretensões de Junot ao trono de Portugal, outros pensaram fazer o marechal Soult monarca da região do Norte, no Porto, outros sonharam com a aplicação em Portugal duma constituição semelhante à de Varsóvia, se é que no país não houve claros simpatizantes dos modelos republicanos. Independentemente da sua hierarquia e fitos, todos eles colaboraram com o invasor e contra eles se ergueu a Grei. Os generais napoleónicos jamais aplicaram qualquer das reformas, que, em amplas zonas da Europa, acompanharam o expansionismo imperial. Pensou Napoleão na venda de bens conventuais e na tradução do Código Civil francês, sem que nada se concretizasse. O país conheceu, sim, ocupantes puros e duros. Sob o peso da administração e das exigências gaulesas cresceu o descontentamento que a rebelião e o apelo dos espanhóis acicatou, de Maio de 1808 em diante, tanto mais que se fez sentir a força em regiões vizinhas de Portugal, como a Andaluzia e a Galiza. Logo em Junho de 1808, o general espanhol que controlava o Norte, a partir do Porto, recebeu ordens para regressar à Espanha, agora antifrancesa, e questionou os portugueses sobre o futuro que desejavam. Optaram pelos Braganças. Depois da partida dos espanhóis, os franceses redobraram o domínio da situação, mas não tardou que de Trás-os-Montes ao Entre-Douro e Minho e, a partir daí, no conjunto do país se organizasse com maior ou menor êxito a resistência.

No Porto, em 1808, forma-se uma Junta de Governo Supremo do Reino que a si agrega outras juntas que pelo Norte proliferam: tais juntas são o resultado de levantamentos populares, vigia-as o povo e nos seus órgãos congrega-se, as vezes, gente das mais diversas condições sociais. A intervenção desregrada, niveladora, justiceira, das massas populares nos termos em que aconteceu, deixa transparecer a cor do "tempo das antecipações na Revolução" e o seu ressurgimento foi temido tempos antes de deflagrar a revolução de 1820. Com a chegada da Corte ao Brasil abrem-se as portas da colónia à navegação estrangeira, abertura que o Tratado de 1810 com a Inglaterra confirma e amplia. A presença da governação no Rio obriga ao desenvolvimento da rede de mando, administração e economia, em desenvolvimento progressivo desde Pombal. Em 1815 o Brasil torna-se Reino unido a Portugal.

Nesse mesmo ano, os Actos finais do Congresso de Viena consagram a derrota de Napoleão, confirmam o poder das antigas dinastias, visam o equilíbrio europeu. Portugal, tal como a Espanha, mantém o seu estatuto, os seus domínios coloniais, avança no desmantelamento do comércio esclavagista, iniciado com Pombal. Portugal sente-se dominado pelos ingleses que por cá ficam. A continuada permanência no reino dos britânicos dá novas forças ao partido francês, aos portugueses de Londres e Paris; jornais de emigrados aí publicados relatam os problemas da grei e reclamam e propõem soluções. Começa a marulhar a contenda entre liberais e absolutistas, fala-se dos direitos das nações a disporem de si próprias que a Revolução, o Império e antes a independência americana inseminaram não só na Europa, como nas Américas. Por quanto tempo predominarão os absolutistas? Quando voltará a Lisboa a sede da monarquia? O reino do Brasil permanecerá unido a Portugal? Que fará o herdeiro do Trono, admirador de Napoleão, das ideias novas, mas também dos feitos dos portugueses nas Guerras Peninsulares, logo depois de casado com uma arquiduquesa da Santa Aliança?

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* Luís de Oliveira Ramos

Director do Centro de Estudos Norte de Portugal-Aquitânia.

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