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Entre a ordem e a desordem mundial

Marisa Abreu e Luís Tomé *

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Neste fim de século vivemos um período de rupturas, de transição, de recomposição geral das forças geoestratégicas, das formas sociais, dos actores económicos e internacionais. Acontecimentos de grande amplitude modificaram substancialmente a paisagem geoestratégica do planeta, lançando a pretensa "ordem internacional" numa acrescida desregulação, que alguns designam como "caos" inédito.

Menos de uma década depois da queda do "muro da vergonha", da Guerra do Golfo e da implosão da URSS, o optimismo e a euforia desapareceram. A "Nova Ordem Mundial" advogada por Bhutros Ghali e George Bush no início dos anos 90 revelou-se um "nado-morto". O alarme volta a soar na análise generalizada de que a "idade planetária" em que nos encontramos está repleta de incertezas, de perigos, de ameaças. Neste tempo, o que podemos constatar é que a incerteza é a única certeza...

O caos do novo panorama geopolítico é tanto mais evidente quanto são complexas as respostas a duas questões de importância vital para a definição de uma qualquer "ordem": quem governa o mundo? Questão relacionada com as metamorfoses do poder actualmente em curso. E quem é o inimigo? Problema relacionado com a identificação das ameaças, essencial para a definição de qualquer sistema de segurança.

 

Quem governa o mundo?

Nesta nova era de crescente globalização, muitos são os fenómenos que desafiam não só a elaboração de uma nova ordem nas relações internacionais, mas também as relações e as estruturas do poder mundial. Desde logo, está hoje mais do que nunca em causa o actor que durante séculos detinha a exclusividade do poder nas relações internacionais – o Estado. Mais do que o conceito tradicional de soberania, é o próprio Estado que se encontra numa crise significativa, procurando sobreviver e adaptar-se a uma nova realidade onde cada vez mais as suas estruturas estão descontextualizadas e são manifestamente insuficientes para resolver os inúmeros problemas que ultrapassam largamente os limites fronteiriços tradicionais.

Actualmente, muitos são os actores ou agentes que actuam junto dos centros de decisão nacionais e internacionais, assumindo uma cada vez maior fatia de poder. Basta pensar na enorme relevância das firmas multinacionais, dos media, dos grupos de pressão (lobbies) ou das organizações não governamentais (ONG) para nos apercebermos das enormes mutações de poder que ocorrem quer no seio das sociedades, quer nas relações internacionais. Por outro lado, o processo de erosão do protagonismo dos Estados é obviamente acelerado pela transferência de competências para organismos supranacionais. Neste novo contexto, qual é o verdadeiro papel das instâncias de regulação internacional como a ONU, o G7, a OCDE, a OMC, etc...?

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Em todo este processo, há um aspecto particularmente preocupante e perigoso: os cidadãos têm hoje maior dificuldade em controlar democraticamente os verdadeiros detentores do poder. De facto, num mundo que cada vez mais se diz pautado pelos valores democráticos liberais e respeitador dos direitos humanos e individuais, grande parte dos agentes do poder não são sancionados pela legitimidade eleitoral, não possuem mandato popular e escapam mesmo ao controlo das instituições democráticas tal qual as conhecemos.

Terminada a "Guerra Fria", julgou-se possível a afirmação da única superpotência que restava – os EUA – que, com base na sua inquestionável superioridade tecnológica, científica, económica e militar (que permitiu que o resultado da Guerra do Golfo se traduzisse numa desproporção de 1 para 1000 mortos, inédita na história militar moderna) seria capaz de assumir funções controladoras a nível mundial.

No entanto, qual é a verdadeira influência de Washington num universo onde a geoeconomia dita a sua lei? Por outro lado, hoje tudo é solidário e, simultaneamente, tudo é conflitual. Ou seja, a nova ordem que se procura criar deve englobar tudo e não deve excluir nenhum campo de acção. É, sem dúvida, um campo excessivamente vasto, mesmo para um colosso político-militar e económico sem paralelo na História.

Actualmente, nenhuma outra potência pode rivalizar com a superpotência americana, mas esta revela-se incapaz de assumir os custos da hegemonia e de uma atitude de "polícia mundial". O apoio da opinião pública é decisivo para líderes legitimados por eleições; os perigos, as ameaças, os riscos, os obstáculos, os conflitos, e os custos são muitos; e a comunidade mundial é ainda demasiado anárquica para as ambições hegemónicas dos EUA. E como pode pretender governar o mundo uma superpotência que demonstra cada vez mais mover-se pelos seus interesses geoeconómicos?

Contestada a neo-hegemonia americana, será então a ONU a governar o mundo, hoje? Certamente que não. Durante décadas, a organização foi praticamente ineficaz em virtude dos vetos sucessivos: até ao início desta década, era a própria organização a contabilizar mais de uma centena de "conflitos maiores" que provocaram mais de 20 milhões de mortos!

Actualmente, sendo universalmente aceite o papel vital de uma organização como a ONU, o debate essencial recai na sua reforma. Critica-se a inactividade, a paralisia, o excesso de burocracia, o peso da actividade "administrativa", a subserviência aos EUA... Exigem-se reformas profundas sobre os mecanismos de financiamento e decisão, mas sobretudo do Conselho de Segurança – argumenta-se que este deve reflectir mais fielmente a verdadeira paisagem do mundo. Neste contexto, a ONU permanece dilacerada pelas divergências de opinião dos Estados e dos interesses que a compõem.

 

Qual é o inimigo?

O que parece transparecer da análise do sistema internacional contemporâneo é que o inimigo principal deixou de ter uma face claramente identificável. Durante décadas, à questão "quem é o inimigo", o Ocidente respondia em uníssono "o Comunismo", "a URSS"; ao que o outro lado da "cortina de ferro" respondia "o capitalismo", "o imperialismo americano". Ora, estas respostas revelaram-se fundamentais e estruturantes para a definição de regimes políticos e, em particular, condicionaram a definição de um sistema de segurança capaz de se preservar e de prevenir crises e conflitos. Isso permitiu, nomeadamente, construir um discurso sobre a própria identidade do sistema, então incontestavelmente "bipolar", de "Guerra Fria", de "equilíbrio de terror", etc.

Hoje, o inimigo principal deixou de ser unívoco. Trata-se, claramente, como refere Ignatio Ramonet, "de um monstro de mil caras que pode tomar a forma da explosão demográfica, da droga, das máfias, da proliferação nuclear, dos fanatismos étnicos, da sida, do vírus Ébola, do crime organizado, do efeito de estufa, da desertificação, das grandes migrações, etc..". E poderemos prolongar a enumeração das ameaças com as enormes dificuldades do terceiro mundo, a emergência dos nacionalismos, os regimes corruptos e/ou autoritários, a Rússia entregue às máfias, à corrupção e à degradação social, a degenerescência da China, etc., etc.

O panorama de ameaças é tão diverso e complexo e as suas origens são de tal modo difusas que é extraordinariamente difícil definir contra quem ou o quê se devem estruturar os dispositivos e sistemas de segurança e defesa e em relação ao qual se ponderem todos os actos de política interna e externa. De acrescentar ainda que os grandes problemas são globais, ou pelo menos transfronteiriços, pelo que não se pode pretender encontrar a solução à escala local. Também na identificação do inimigo o relativo caos está instalado e as respostas não são plenamente satisfatórias.

 

A lógica das desordens

O legado da "Guerra Fria" é muito penoso e complexo para a elaboração de uma qualquer ordem geopolítica. No estado actual do sistema e das relações internacionais, as soluções pública ou sub-repticiamente preconizadas deparam-se com alguns dilemas. Em primeiro lugar, assistimos à emergência com igual vigor de duas tendências aparentemente contraditórias. É inquestionável que, por um lado, a realidade actual é condicionada por forças centrípetas.

É nesta perspectiva que se inscrevem as representações globais e regionais do mundo, das práticas estratégicas universais, de tendências favoráveis à "globalização", de descrição de um mundo solidário e interdependente, de discursos apelativos à "comunidade internacional" ou de práticas de homogeneização cultural. É também em conformidade com estas forças centrípetas que os Estados se procuram associar ou mesmo integrar em mecanismos supranacionais, transferindo competências tradicionalmente suas para esferas internacionais.

No entanto, a esta tendência opõem-se movimentos inversos, de espaços cujos repertórios internos explodem ou se procuram recompor, de unidades políticas que se desintegram. É incontestável, aliás, que a esmagadora maioria dos conflitos e das tensões na actualidade têm sobretudo uma dimensão intra-estadual.

Um outro dilema é o confronto entre a ideia de intervenção colectiva e a instalação de um novo sistema de potência. Ou seja, se é consensual que a ordem internacional deve ser organizada e assegurada pela acção colectiva, simbolizada na ONU, também é verdade que as suas acções ou as suas abstenções são directamente decididas pelas grandes potências económicas ou militares. Progrediu, sem dúvida, a ideologia da "comunidade internacional", mas ela continua a depender, quando necessita de ser implementada, da boa vontade dos que podem agir. O que leva, indubitavelmente, a algumas provas de força, hoje claramente influenciadas e marcadas pelo espírito do "unilateralismo americano". Neste quadro, prevalecem os interesses das potências, o que, consequentemente, levanta enormes questões a respeito dum outro dilema existente entre a intervenção e a abstenção, sendo que é a própria ideia de intervenção como modo de regulação da sociedade internacional a estar em questão.

Perante o caos geopolítico a solução, a existir, nunca resolverá todos os dilemas ou questões. Dizia Chateaubriand que "o mundo não poderia mudar de face sem dor". Ora, a dor já existe; a sua solução é que parece exigir uma operação penosa e delicada.

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* Marisa Abreu

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Docente na UAL.

* Luís Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Investigador da NATO. Docente na UAL.

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