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Janus 2001



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ONU – uma organização para o próximo século?

Catarina Albuquerque e Patrícia Galvão Teles *

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As modificações que se verificaram nas relações internacionais, entre os finais da década de 80 e o início da década de 90, transformaram a questão da reforma das Nações Unidas e da sua adaptação a um novo contexto internacional num problema central. Na origem da ideia de operar uma reforma da Organização das Nações Unidas, encontra-se o sentimento de que a organização não conseguiu acompanhar, nas suas estruturas e métodos de trabalho, as evoluções que tem vivido o sistema internacional. A este propósito é interessante notar que a Carta das Nações Unidas não prevê uma série de conceitos que constituem actualmente grandes problemas com que se depara o mundo, tais como "população", "migração", "fome", "pobreza" ou "ambiente". Por outro lado, a Carta também não trata da resolução de conflitos infra ou intraestaduais, que constituem a maior parte dos conflitos de hoje, nem define o conceito de agressão, sendo ainda totalmente omissa em relação às operações de manutenção da paz.

O 50. ° Aniversário da organização, em 1995, constituiu assim o momento ideal que deveria marcar a passagem "da velha para a nova ONU", nas palavras do Secretário-Geral da Organização na altura, Boutros Boutros-Ghali. Para este efeito, foram criados cinco Grupos de Trabalho e um Comité Especial, tendo em vista estudar problemas específicos da reforma das Nações Unidas: Grupo de Trabalho de Alto Nível sobre o Reforço das Nações Unidas (1995), Grupo de Trabalho encarregue de examinar a questão da representação equitativa no Conselho de Segurança e do aumento do número dos seus, membros (1993), Grupo de Trabalho Oficioso sobre a Agenda para a Paz (1992), Grupo de Trabalho ad hoc sobre a Agenda para o Desenvolvimento (1994), Grupo de Trabalho de Alto Nível sobre a situação financeira da Organização (1994) e, finalmente, o Comité Especial da Carta das Nações Unidas e do reforço do papel da Organização. Mas em 1995 perdeu-se a oportunidade de realizar e de estabelecer um calendário preciso para levar a cabo qualquer reforma.

Já o ano de 1996 pode ser considerado como mais decisivo em matéria da reforma da ONU. Os Estados Unidos da América publicaram, nesse ano, dois documentos contendo propostas detalhadas sobre a matéria e a questão foi discutida na Cimeira dos G7 realizada em Lyon (França), onde foram formuladas novas propostas no domínio económico e social, e onde se insistiu na necessidade da instituição imediata e rápida de certas reformas relativas à coordenação entre os diferentes órgãos do sistema e às reduções orçamentais. Mas, apesar de todos estes desenvolvimentos ao longo do ano de 1996, a 51ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas não deu qualquer passo significativo para a discussão de propostas sérias, para a fixação de um calendário preciso ou para a submissão de um plano concreto que permitisse que a reforma operasse.

O único feito da 51.ª sessão da AGNU nesta matéria terá sido o de reunir consenso quanto à necessidade de se operar uma profunda reforma do sistema das Nações Unidas.

 

O que deve mudar?

Desde que a questão da reforma das Nações Unidas começou a ser estudada (na verdade, praticamente desde que a própria Carta das Nações Unidas foi adoptada) formaram-se três grandes correntes defendendo diferentes abordagens para a reforma das NU. A primeira defende uma revitalização e racionalização da Organização, no respeito do enquadramento fixado pela Carta das Nações Unidas. A segunda, mais hostil, defende que a Organização seja reduzida ao mínimo (esta é a posição defendida nomeadamente por alguns membros do Partido Republicano dos EUA), enquanto a terceira corrente, talvez a mais radical de todas, preconiza a substituição da organização por uma Organização de 3.ª geração.

Podem distinguir-se três áreas fundamentais sobre as quais deveria incidir uma reforma da ONU: segurança (que é tratada na entrada "ONU-Reforma e Alargamento do Conselho de Segurança"), área económica e social, finanças e organização da ONU.

 

A área económica e social

A Carta das Nações Unidas atribui muitas das tarefas nesta área (isto é, na promoção de níveis de vida mais elevados, alcance de pleno emprego, condições de progresso económico e social, desenvolvimento, promoção da cooperação internacional em matéria cultural e educacional e respeito universal pêlos direitos humanos), assim como a coordenação das actividades das agências especializadas nesta matéria ao ECOSOC (Conselho Económico e Social). Acontece que o número de membros do ECOSOC aumentou de tal forma que deixou de ser eficiente, nunca tendo conseguido exercer o papel de coordenador do sistema que lhe estava destinado. Para além deste problema, o ECOSOC tem demasiados pontos na sua agenda, só dispondo de uma sessão por ano para os tratar.

Existem sugestões no sentido de desdobrar o ECOSOC em dois órgãos: o Conselho Económico e o Conselho Social. O primeiro destes órgãos integraria o trabalho de todas as agências, instituições, programas e escritórios das Nações Unidas trabalhando nesta área. Este Conselho promoveria a harmonização das políticas fiscal, monetária e comercial dos Estados membros, encorajando a cooperação internacional em áreas tais como a transferência de tecnologias, recursos e dívida externa. O segundo destes órgãos (o Conselho Social) estaria encarregado de supervisionar e integrar o trabalho de todas as actividades das Nações Unidas na área do desenvolvimento social, e no que concerne a matérias tais como a protecção do ambiente, a educação, a saúde, a população e as migrações, a promoção dos direitos humanos e a liberdade de expressão cultural.

O Conselho Social seria igualmente responsável pela reconstrução de sociedades enfraquecidas.

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Eficácia da Organização

O orçamento das Nações Unidas é relativamente pequeno, tendo em conta a quantidade de actividades que a Organização é chamada a realizar. O orçamento da Organização é de 1,3 mil milhões de dólares para o orçamento regular e de 3 mil milhões para o orçamento das operações de manutenção da paz. O orçamento para as operações de manutenção da paz representa cerca de 1,1% do orçamento militar dos Estados Unidos da América e equivale aos custos de dois dias da operação "Tempestade no Deserto". Quanto ao orçamento regular da organização, corresponde este a cerca de 4% do orçamento da cidade de Nova Iorque.

Existem duas razões fundamentais para a actual crise financeira da ONU: o facto de muitos Estados falharem no cumprimento das suas obrigações de pagamento das respectivas contribuições por inteiro e atempadamente, e ainda as inúmeras tarefas atribuídas à ONU.

O orçamento para as actividades regulares das Nações Unidas, cuja fonte de financiamento é constituída pelas contribuições dos seus membros, tem sido constante (com ajustes devidos à inflação) nos últimos 15 anos. Se todos os membros pagassem as suas contribuições atempadamente, o orçamento seria suficiente. Os atrasos atingem em média entre 500 milhões e mil milhões de dólares anuais – o que representa cerca de metade do orçamento regular da Organização. Este impasse deve-se em parte ao facto de existir uma tensão entre a vontade de pagar menos e a vontade de manter o controlo sobre a organização. Alguns países queixam-se por pagarem contribuições demasiado elevadas, mas também não estão dispostos a diminuir o seu poder de controlo e de pressão política. Este é o caso dos EUA que contribuem com 25% do orçamento regular e 31% do orçamento de operações de manutenção da paz. Este facto concede-lhes um extraordinário poder de controlo sobre a organização.

O orçamento para a manutenção da paz, que cresceu mais de 10 vezes na última década, é financiado pelos membros, sendo a proporção das contribuições um reflexo das maiores responsabilidades que têm os membros do Conselho de Segurança.

E também nesta área as Nações Unidas enfrentam um dilema: a maior parte dos financiamentos encontram-se por pagar. É por isso indispensável reconhecer que as Nações Unidas necessitam de fontes adicionais de financiamento, independentes das limitações políticas e orçamentais sob as quais funciona a maior parte dos governos, para poderem desempenhar as suas tarefas. Foram sugeridas muitas ideias, tal como a de os Estados cobrarem impostos em nome das Nações Unidas nos seus países, mas esta ideia não foi acolhida de forma favorável pelos Estados membros, que não querem perder o seu poder e controlo sobre a organização.

No que concerne a eficiência e a reputação da Organização, estes factores dependem em grande parte da qualidade dos seus funcionários, devendo ser por isso ser eliminados os funcionários em excesso e aqueles que tenham menor aptidão para desenvolver as tarefas a que são chamados. A ONU necessita igualmente de eliminar as redundâncias através da transformação, racionalização ou eliminação de certos departamentos.

 

Uma ONU para o próximo século?

As Nações Unidas, é importante não esquecer, desempenharam desde a sua criação em 1945, um papel considerável em vários domínios. Basta para tal recordar o importante trabalho de codificação do direito internacional, a acção em favor da condenação da guerra entre os Estados, a actividade em prol da melhoria das relações interestaduais através da diplomacia multilateral, e a promoção dos direitos humanos (que vai desde a promoção e protecção dos direitos da mulher, da criança, aos direitos das minorias, das populações indígenas, dos migrantes ou dos refugiados). Nestes mais de 50 anos é certo que a Organização poderia ter feito muito mais, mas é igualmente verdade que as Nações Unidas não constituem um actor independente ou autónomo, tal como o são os Estados. A ONU não é um governo mundial, mas sim um sistema de cooperação entre Estados, cujo poder de decisão está nas mãos precisamente dos seus Estados membros (especialmente daqueles que são membros do Conselho de Segurança).

Estas circunstâncias explicam em parte a lentidão do processo de reforma, que deve ter em conta os interesses, propostas e opiniões de todos os Estados membros e de todos os grupos regionais.

Mas independentemente destes condicionalismos e destas explicações para o insucesso e lentidão do processo de reforma, é certo que cada vez se torna mais urgente e indispensável que a Organização mude e que cheguemos ao século XXI com uma "ONU equipada, financiada e estruturada de forma a servir eficazmente aspovos para os quais foi criada" (Declaração do 50.º aniversário da ONU, 24 de Outubro de 1995). Como disse o actual Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, "permanecer imóvel, enquanto o mundo se mexe, é o mesmo que deslizardesesperadamente para trás." 

Informação Complementar

Grupo de Trabalho Sobre a Agenda para o Desenvolvimento

Este grupo de Trabalho foi o primeiro a completar o seu trabalho, tendo apresentado a “Agenda para o Desenvolvimento”, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 20 de Junho de 1997.

 

Grupo de Trabalho sobre o Conselho de Segurança

O Grupo de Trabalho tem reunido desde o momento da sua criação (a 3 de Dezembro de 1993), tendo apresentado relatórios em 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 (ver sobre esta matéria a entrada “ONU - reforma e Alargamento do Conselho de Segurança).

 

Grupo de Trabalho sobre a Agenda para a Paz

Este Grupo reuniu pela primeira vez durante a 47.ª sessão da AGNU (1992), tendo continuado o seu trabalho até 1996, altura em que finalmente deixou de se reunir. O Grupo de Trabalho criou quatro subgrupos sobre (1) Diplomacia Preventiva e Peacemaking, (2) A Questão das sanções Impostas pelas Nações Unidas, (3) Reconstrução da Paz após os conflitos e (4) Coordenação. O Grupo de Trabalho não conseguiu alcançar consenso.

 

Grupo de Trabalho sobre a Situação Financeira da Organização

Este grupo, criado a 23 de Dezembro de 1994, emitiu relatórios em 1995, 1996 e 1997. O Grupo de Trabalho não foi capaz de chegar a qualquer acordo sobre medidas com vista a resolver a crise financeira da Organização. As suas actividades encontram-se suspensas, devendo ser reiniciadas “quando for julgado apropriado”.

 

Grupo de Trabalho sobre o reforço do Sistema das Nações Unidas

O Grupo de Trabalho produziu relatórios em 1996 e 1997, tendo completado o seu trabalho no Verão de 1997, sugerindo a adopção de medidas específicas para melhorar os métodos de trabalho na Assembleia geral, dos seus órgãos subsidiários, e ainda do Secretariado. Este Grupo criou ainda um Subgrupo de Trabalho sobre as Organizações Não-Governamentais que realizou 10 reuniões formais sem ter, no entanto, conseguido chegar a um consenso sobre o respectivo mandato.

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* Catarina Albuquerque

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, Génève. Técnica do Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Docente na UAL.

* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre e Doutoranda em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, Génève.

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