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Com as redes, o que ganham e perdem, hoje, os territórios

Manuel Brandão Alves *

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Desde sempre que os povos e os territórios se encontraram na posição de dominadores, ou de dominados, em função da sua capacidade para manejarem as redes, isto é de exercerem a função de pescadores em vez da de peixes. Desde tempos imemoriais que as principais redes, através das quais povos e territórios mutuamente se influenciaram, foram as comerciais e as culturais; as de transporte apenas constituíram um simples instrumento de suporte. Esta influência conduziu tanto a grandes ondas de progresso humano e material (ver por ex. o caso da expansão do império romano) como ao desaparecimento de civilizações, ao aniquilamento físico de povos e à quase desertificação dos territórios em que viviam (e de que o mesmo império romano ainda constitui uma excelente referência).

Somos, assim, levados a verificar que as redes, enquanto instrumentos de relacionamento, têm sido tanto veículo de progresso como de empobrecimento absoluto ou relativo dos espaços. Talvez mais correctamente se deva dizer de enriquecimento durante determinadas fases e de aniquilamento durante outras. O que parece inquestionável é que, a longo prazo, o isolamento a que a inexistência de redes tem conduzido teve, sempre, como consequência a deterioração das condições de vida das populações que habitam os espaços colocados em tal situação.

A questão que se coloca não pode, por isso, deixar de ser a de conhecer quais são as condições a preencher para que, em relação a determinado território, as redes possam ser usadas como instrumento de criação de riqueza e não como instrumento da sua destruição ou do seu empobrecimento, relativo ou absoluto.

Desde os clássicos, com Ricardo, Adam Smith e Stuart Mill, se tem verificado que as economias dos países podem beneficiar, mutuamente, através das trocas que entre si estabelecem, desde que, adequadamente, aproveitem vantagens que os seus recursos lhes proporcionam. O que nem sempre foi convenientemente explicitado foi que essas vantagens podem ter, ou não, carácter cumulativo, na medida em que forem capazes, ou incapazes, de criar novos recursos e, assim também, dar ao processo de desenvolvimento um carácter cumulativo.

No comércio internacional as condições para que tal aconteça foram enunciadas através da distinção entre vantagens estáticas e vantagens dinâmicas. Os que forem capazes de gerir vantagens dinâmicas poderão ter aspirações a ser pescadores; os outros arriscam-se a ser, tão só, pescados. As redes são, por isso, uma oportunidade ou uma ameaça. Transformarem-se numa, ou outra, depende da capacidade que os agentes económicos e sociais tiverem para as gerir de forma dinâmica.

O conjunto de relações que, por via do comércio internacional, os países estabelecem entre si constitui, por si só, uma rede, mas não se deve esquecer que esta rede de relações, de carácter mais ou menos imaterial, se apoia em redes de infra-estruturas físicas, cuja configuração pode promover ou restringir a intensidade das relações comerciais.

O que se referiu, tendo como pano de fundo os países, é válido, com maioria de razão, em relação a outros espaços, subnacionais ou internacionais. Exemplos dos primeiros são as regiões, as cidades, as áreas urbanas, etc. Trata-se de espaços que, no passado, foram caracterizados por dispor de um elevado grau de abertura, nas relações com outros espaços de igual dimensão, dentro do mesmo país, e de uma abertura muito reduzida a outros espaços, de igual ou diferente dimensão, quando pertencentes a outros países.

O elevado grau de abertura potenciava relações intensas entre os territórios, embora a sua efectivação supusesse, sempre, como condição necessária, a existência de uma boa rede de infra-estruturas. A sua ausência é uma componente da explicação para que, no passado, se tivessem gerado, dentro do mesmo país, assimetrias territoriais de desenvolvimento significativas.

As relações, a nível internacional, entre espaços de dimensão subnacional só ocasionalmente tiveram importância significativa. Constitui excepção, por exemplo, o desenvolvimento das relações comerciais das cidades-estado italianas, entre si, e com o norte da Europa. A regra foi as relações a nível internacional apenas assumirem relevância quando tinham a mediação dos estados nacionais, o que é o mesmo que dizer que se tratava de relações entre estados-nações e não entre regiões ou cidades pertencentes a estados diferentes. Esta é uma boa razão para explicar a pouca relevância que as redes tiveram no desenvolvimento de relações entre territórios subnacionais, a nível internacional. É, por isso, praticamente desconhecida a nomenclatura das redes, nesta dimensão.

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Ela é, no entanto, já significativa para traduzir as relações entre cidades e áreas urbanas de um mesmo espaço nacional. Daí a expressão rede urbana nacional e o objectivo, sempre enunciado, de procurar possuir uma rede urbana nacional equilibrada.

O objectivo de dispor de uma rede urbana equilibrada significava, por isso, um objectivo a ser prosseguido, com vista a que as cidades e áreas urbanas fossem capazes de desempenhar funções correspondentes à sua dimensão. Essa dimensão era determinada pela capacidade de gerar economias de aglomeração, no âmbito da economia nacional.

O que se referiu a propósito das cidades poderia ser extrapolado do contexto urbano para o contexto regional, de que as cidades são parte integrante. A utilização da terminologia associada ao estudo das redes é, no entanto, menos comum a propósito das regiões do que a propósito das áreas urbanas. Permanece, contudo, a preocupação do equilíbrio territorial entre as diferentes regiões de um mesmo país, o que não será possível sem o aproveitamento salutar das vantagens que decorrem de um bom relacionamento entre as diferentes regiões de um país.

O último quartel deste século veio perturbar, seriamente, toda esta construção mental, que servia de infra-estrutura para a interpretação do desenvolvimento territorial e do equilíbrio daí resultante. A entropia que, aparentemente assim foi lançada sobre o funcionamento do sistema territorial teve na sua base o extraordinário progresso verificado no âmbito dos transportes e comunicações. Veio modificar, radicalmente, as formas de entendimento do espaço e do tempo pelos agentes económicos, com a consequente alteração da estrutura de oportunidades e ameaças que passaram a colocar-se aos territórios.

As novas tecnologias de transporte aproximaram territórios, dando a ilusão de que tinha desaparecido a importância da distância. A noção de espaço tornou-se mais relativa. No domínio das comunicações, como nos transportes, produziu-se contiguidade, mas foi, além disso, possível superar a temporalidade que dificultava as relações entre territórios, separados por grandes distâncias. Com a INTERNET o tempo começou a ser vencido e uma parte significativa das relações entre os espaços passou a ser quase instantânea. Criaram-se condições para que se transformasse, significativamente, a lógica associada ao processo de desenvolvimento dos territórios. A importância relativa das suas condições prévias alterou-se. No passado, para participar do banquete do desenvolvimento, era necessário:

- Ser central para estabelecer facilmente relações;

- Ter dimensão para poder aproveitar as vantagens associadas às economias de aglomeração.

O bilhete de admissão passou a ter, hoje, outros custos e os que os conseguem suportar não são, necessariamente, os que preenchiam as condições anteriores.

Por um lado, pode-se, agora, ser central estando fisicamente longe; a distância passou, a poder ser mais facilmente vencida. Por outro, é possível ganhar dimensão independentemente da contiguidade, porque os progressos realizados no domínio da instantaneidade das relações permitem ganhar dimensão, mesmo quando não há contiguidade física. Com efeito, a dimensão ganha-se, hoje, quando se é capaz de estabelecer relações com vista a gerir complementaridades e parcerias, entre agentes, independentemente da distância.

Daí resultam vantagens que no passado não se poderiam adivinhar nem aproveitar. As economias de aglomeração que tanto justificaram as lógicas concentracionárias, como condição de desenvolvimento, podem estar em risco de perder o monopólio da explicação dos processos de desenvolvimento territorial. A hierarquização dos espaços não vai desaparecer, mas vai assentar em novos fundamentos.

Poderá deixar de ser preciso ser grande para ser capaz de encontrar interlocutores. Começa a ser possível ser pequeno e descobri-los, perto ou longe, isto é, independentemente da distância. A condição principal deixou de ser a de ser grande e estar próximo, para passar a ser a de ter capacidade para usar o conhecimento e as redes materiais e imateriais que conduzem fluxos de bens, serviços e informação. Pode ser-se pequeno, mas se se for destro no uso das redes está-se em condições de poder ir pescar para o mar alto e aí recolher maiores proveitos.

É nesta lógica que se insere a renovação da estratégia associada ao desenvolvimento das regiões e das áreas urbanas. As regiões ganham oportunidades de desenvolvimento aproveitando não apenas relações de proximidade, mas também de longa distância. O relacionamento passa a ser independente da distância, mas por essa razão também das hierarquias políticas e administrativas.

A este propósito, no contexto europeu, muito se tem falado da Europa das Regiões. Os exemplos da estruturação de relações entre regiões de países diferentes multiplicam-se, procurando sobrepor-se a identidades geográficas ou económicas mais gerais: vide os casos das regiões atlânticas, das regiões alpinas, das regiões mediterrânicas, etc. A Europa das Regiões não é, assim, uma consequência exclusiva de qualquer voluntarismo político, mas antes o resultado da evolução, das tecnologias, do conhecimento e das novas formas de organização que daí resultam.

Do mesmo modo, as redes urbanas deixaram de poder ser entendidas e perspectivadas num contexto meramente nacional, com uma hierarquia de funções estabelecida na base das economias de aglomeração. Também aqui, para se exercer funções importantes, não tem, necessariamente, que se ser grande. O efeito da dimensão pode obter-se não através da contiguidade, mas pela capacidade de relacionamento. As redes urbanas perdem o seu carácter nacional e, cada vez mais, só poderão ser compreendidas numa perspectiva internacional.

A economia global pode, deste modo, oferecer leituras diferentes das que têm sido apresentadas correntemente. A economia é global porque os agentes, os factores e os serviços se deslocam no espaço, em grande medida, independentemente da distância. A deslocação, como já sabíamos em relação às redes de transporte, é tanto mais fácil quanto maior for a densidade das redes viárias, mas também quanto maior for a agilidade dos que promovem a deslocação; ora a agilidade não é, necessariamente, uma característica que, de forma permanente, se adeque bem ao comportamento das grandes organizações.

Neste contexto compreende-se melhor a importância que no contexto da modernização e integração das economias europeias tem vindo a ser dada à criação de redes da mais variada natureza: de transportes (nomeadamente, rodoviários e ferroviários), de energia (água, electricidade e gás), telecomunicações (dados e imagem), etc. Fica, no entanto, colocado um outro problema. Em que medida é que as redes que estão sendo promovidas criarão condições para a diminuição dos níveis de desequilíbrio relativo, entre países considerados periféricos e países considerados centrais ou, pelo contrário, tenderão a aprofundar esses desequilíbrios?

Os sinais que é possível recolher são contraditórios. A lógica de tudo o que atrás foi dito apenas abre oportunidades a espaços que anteriormente foram marginalizados; não dá garantias absolutas de que o sucesso seja possível.

Hoje, a dinâmica de reforço das relações com os países de Leste, que começa a ser reforçada, tende a recentrar a polarização económica e social em torno da grande banana que vai de Londres a Milão, atravessando as mais ricas regiões alemãs. Se esta abertura não se viesse a consolidar, o mais provável seria que o centro de gravidade da economia europeia oferecesse alguma possibilidade para se deslocar para oeste em direcção ao hexágono francês.

As várias dinâmicas de recentramento que se encontram em desenvolvimento pressupõem relacionamentos em todos os sentidos e direcções, como se acaba de sublinhar. No caso português este ensinamento alerta-nos para a necessidade de, por muito importante que seja o nosso olhar europeu, não esquecer as potencialidades que pode oferecer o relacionamento para oeste, através e com o Atlântico.

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* Manuel Brandão Alves

Professor Catedrático do ISEG.

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