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A televisão na era da globalização: Portugal e os outros


Euclides de Sousa *

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A boneca virtual Ananova foi recentemente comprada, por 28,5 milhões de contos, pela Orange, uma empresa do Grupo France Telecom. É um ícone capaz de simular uma apresentadora real — isto é, humana — de telejornal e vai ser o pivot de um portal Internet de notícias para o segmento business to business (B2B). Não tem sentido crítico — quando muito poderá vir a representar um fingimento programado do mesmo. É uma figuração humana sem identidade, logo, juridicamente inimputável em si mesma — o contrário, nesta perspectiva, da responsabilidade esperada de qualquer jornalista. E também não tem cidadania: os seus documentos são registos de propriedade intelectual, de direito autoral e de propriedade de direitos comerciais. Não dorme e não se cansa, não bebe, não fuma... e não protesta. Pode precisar de alguma manutenção, tal como as máquinas. É uma máquina, uma máquina virtual. Há programas na televisão portuguesa que, já há algum tempo, usam como pivots bonecas virtuais. E já se inventou uma boneca virtual especializada em passagem de modelos de roupa feminina. Foi muito contestada pelas profissionais humanas do ramo: como não sofre de insegurança, nem faz birras, disseram, a dita boneca não tem sex appeal e, portanto, é inútil para o negócio. Mas estejamos certos de que as bonecas virtuais vão voltar a atacar as nossas modelos: melhore-se o realismo da figuração do corpo, pinte-se alguma malícia no olhar, gere-se um pouco de balanço a cada passo — tudo afinal, uma questão de velocidade de processamento, e veremos... De forma mais geral podemos dizer, também, que as personagens dos jogos de computador amadureceram e agora disputam o lugar do seu criador, adquirindo valor económico indiscutível, em particular na esfera do entretenimento e da produção audiovisual e multimédia. Vale a pena iniciar esta reflexão com esta nota virada para um futuro que já é presente.

 

A situação actual

Actualmente, mergulhada numa cultura neoliberal, a economia global tutela a política em cada país. A sua lei é o lucro rápido. As televisões espelham e projectam esta visão. O lucro das televisões advém da dimensão das audiências. Por isso, esta tende a ser a lógica imperativa que preside à construção de grelhas de programação: máxima audiência, mínimo custo, alinhamento de retenção de fidelização, optimização de janelas de publicidade. Levada ao limite, esta lógica traduz-se no recurso ao sensacionalismo e à manipulação da informação, tratada como espectáculo, no nulo ou insignificante investimento em produção audiovisual própria, na opção por programação alienante e violenta, na utilização intensiva de programas live shows, incluindo sob a forma de concursos. É a lógica predatória de audiências.

Mas, subordinadas a um mesmo critério de composição de grelha, as estações mais concorrencialmente aguerridas correm o risco de se tornar muito semelhantes aos olhos dos espectadores — "so many chanels and nothing to see", como diz a canção — e de criar um verdadeiro problema de diferenciação, cuja solução pode passar por incluir programas ainda mais "apimentados". Já hoje, nas emissões das televisões generalistas, e independentemente do país de proveniência, grande parte dos programas de entretenimento (concursos e live shows) são criações de um mesmo autor e apresentam um formato idêntico em todo o lado, excepção feita à localização requerida para superar barreiras linguísticas e potenciar a angariação de publicidade local. E as televisões temáticas tendem a seguir o mesmo modelo de difusão. De que forma as novas potencialidades da televisão digital virão a responder ao contexto cultural acima traçado? A grande questão é, obviamente, a dos conteúdos. As novas facilidades técnicas são relevantes enquanto instrumentos operativos e consumo desses novos conteúdos. A rearrumação das indústrias que operam na área de multimédia, a interactividade e acrescida capacidade das redes de distribuição de sinais, a maior competitividade no mercado, a globalização cultural e da economia, as novas técnicas de publicidade, a evolução dos direitos de autor, em consonância com as novas realidades tecnológicas e com a revisão dos quadros regulamentares da actividade, são os vectores que moldarão a televisão do futuro. Uma coisa é certa: o espectador vai passar a ser solicitado para intervir e interagir de formas inovadoras e muito mais apelativas do que hoje se verifica.

 

O passo da iTV

O próximo passo de desenvolvimento da televisão, já em curso em diversos países e em preparação de arranque em Portugal, consubstancia-se na migração da televisão analógica para a televisão digital interactiva (i.TV). O valor dos investimentos associados a esta transição é, como se imagina, enorme. O potencial de oferta de serviços, de diversificação de conteúdos e de segmentação de mercados é o que motiva os investidores. As emissões de televisão analógica têm vindo a ser distribuídas através de várias plataformas tecnológicas. Iniciou-se esta distribuição através de difusão hertziana; surgiram, depois, o satélite e as redes de distribuição de televisão por cabo.

Desde há muito que existe equipamento digital de estúdio e de transmissão de sinal, mas o parque instalado de equipamentos terminais — os aparelhos receptores de televisão, os televisores — é composto, na sua muito grande maioria, por unidades analógicas. Por isso, o sinal para os televisores deve ser analógico, mesmo que a produção de programas ou a distribuição de emissões recorram a técnicas digitais. Há duas formas de resolver a situação: ou se distribui o sinal em analógico e o televisor pode recebê-lo directamente; ou se distribui em modo digital, como desde há muito se verifica com várias transmissões de satélite, e, nesse caso, a recepção do sinal efectiva-se através de um descodificador, instalado em casa do utilizador, e que entrega o sinal, descodificado e em modo analógico, ao televisor.

Portanto, os grandes passos do projecto de televisão digital interactiva, no que respeita à vertente tecnológica, consistem na digitalização das emissões na rede de distribuição, na descodificação e conversão do sinal digital para formato analógico, enquanto houver receptores analógicos (período de "simulcast" — emissão simultânea do modo analógico e do modo digital), a realizar através de equipamentos às vezes designados de "Set Top Boxes" (STB), e finalmente na instalação de um canal de retorno para efeito de funcionamento de serviços interactivos.

Do ponto de vista de conteúdos e serviços, o projecto, aqui abreviadamente designado pela sigla i.TV, tem potencial para trazer muitas novidades ao nível do tipo de programas, dos modos de interacção simultânea do e com cada utilizador, da personalização de perfis por cada utilizador de novas formas de publicidade com recurso à interactividade da rede, da inclusão no televisor de serviços hoje tradicionalmente assentes em PC's (acesso Internet, e-mail, comércio electrónico, home banking, jogos e apostas, etc.).

A rede de distribuição de televisão digital pode ser concretizada sobre sistemas de feixes hertzianos (DTT — Digital Terrestrial Television), sobre redes de cabo coaxial e óptico (HFC — Hybrid fiber coaxial) e sobre satélites, de modo totalmente concorrente ou com alguma complementaridade entre estas tecnologias. As implementações nestas várias tecnologias estão definidas no conjunto de normas DVB-Digital Video Broadcast, que incorpora versões para feixes hertzianos (DVB-T), para redes de cabo (DVB-C) e para satélite (DVB-S). Esta família de normas permite assegurar o transporte de todo o tipo de informação digitalizada, quer se trate de imagem fixa, som, imagem animada ou dados. Como é sabido, a tecnologia digital potência a integração e convergência de serviços, permite melhor nível de qualidade e, através de técnicas de compressão e gestão de banda, torna possível rentabilizar o espectro de frequências radioeléctricas e, mais genericamente, a capacidade de comunicação das redes.

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Do PC para o televisor

Puxar as funções de um PC para o televisor, como virá a acontecer, sobretudo com as aplicações suportadas em processos de comunicação (internet, e-mail, e.commerce, home banking) irá, certamente, criar uma nova forma de uso da televisão por um mercado muitíssimo amplo. Também, por isso mesmo, a forma de produção de programas será alterada, em especial para solicitar e acolher a participação do telespectador/utilizador, influenciando a sequência do programa, e para permitir a articulação com spots de publicidade interactiva. Obviamente que, para rentabilizar uma tal potência tecnológica, as emissoras terão de estabelecer acordos com diversos prestadores de serviços no domínio da banca, do comércio, de acesso Internet, etc.

Numa primeira fase, a totalidade destas funções será gerida através de STB, acima já referidas, que executarão funções como estas: interface com a rede de distribuição de televisão e recepção, descodificação e conversão analógica do sinal; controlo de acessos a serviços pagos contratados pelo utilizador; interface com as redes de telecomunicações, para serviços interactivos e canal de retorno; gestão de perfis de interesse programados pelo utilizador (EPG — electronic program guide — controlo de acesso por código, selecção de tipo de programas, funções de videogravador, gestão multicâmara para programas emitidos nesse formato, operações de comércio electrónico, etc.); integração das funções de "MHP — Multimedia Home Platform" que, ao nível doméstico, permitirá interligar e interoperar todo o tipo de terminais domésticos de audiovisual, TI e telecomunicações. Os televisores digitais poderão integrar a maioria destas funções.

A quantidade de canais de televisão e os critérios do seu "empacotamento" (packaging) variarão consoante as plataformas de distribuição utilizadas, desde logo por força da capacidade de cada uma delas. Uma coisa é certa, haverá alguns canais grátis, mas a regra será a sua venda. É natural o desenvolvimento de técnicas de comercialização escalonadas da seguinte forma: o regime básico, venda de acesso a um certo conjunto de canais; o regime premium, venda de acesso canal a canal; o regime de encomenda (PPV/VOD), ou de venda programa a programa; e a comercialização de outros serviços.

É natural que, tendo em vista rentabilizar a capacidade da rede, os operadores venham a desenvolver canais temáticos destinados a segmentos de mercado específicos e, dependendo de regulamentação que vier a ser estabelecida, de canais de âmbito local ou regional.

Em Portugal, o projecto TDT arrancará em 2002 e o simulcast (difusão de emissões em modo analógico e em modo interactivo) durará no máximo até 2010, podendo esta data vir a ser antecipada para 2008 ou 2005.

Terminada a fase de simulcast, todos os televisores terão de ser digitais ou de estar ligados a uma STB. A capacidade da rede situar-se-á entre 24 a 32 canais. Tendo as redes maior capacidade de transporte e distribuição de canais sobre uma base tecnológica normalizada, havendo necessidade de diferenciação de serviço oferecido pêlos vários operadores em ambiente de concorrência acrescida, sabendo que o cliente busca possibilidade de escolha e comodidade e que a localização linguística continua a ser um imperativo de penetração comercial, estarão criadas as condições para uma reanimação da produção audiovisual em Portugal, que supere os concursos, live shows e transmissões de futebol? A exiguidade do mercado não permite ter certezas. Será que uma maior articulação no espaço de língua portuguesa, com envolvimento formal da CPLP, será suficiente para estimular co-produções e, quem sabe, criar uma plataforma digital de canais em língua portuguesa acessível, através de assinatura, em todos os países membros da comunidade?

O sucesso do projecto há-de depender do preço da tecnologia terminal (STB e televisor digital), dos pacotes de canais e dos serviços comercializados, bem como das operações de marketing que assegurem um bom posicionamento, notoriedade e preço dos produtos.

 

Informação complementar

O papel da TV Cabo em Portugal

A TV CABO arrancará com o projecta de televisão digital interactiva ainda durante o corrente ano de 2000, em regime de teste. No primeiro semestre de 2001 iniciar-se-á a actividade comercial deste serviço. O serviço da TV CABO apresenta, à partida algumas vantagens notáveis: arrancará quase um ano mais cedo, a rede tem uma muito maior capacidade de canais, e o canal de retorno será feito pela própria rede, no caso do cabo (HFX), o que terá vantagem de impor o uso de outra rede de telecomunicações, o que pressupõe investimentos e custos. Por outro lado, a TV CABO parte de uma ampla base de clientes e é a única empresa de distribuição de televisão com experiência de operação de serviços de assistência a clientes. Além disso, porque opera, também uma plataforma de serviço digital via satélite, em complemento da rede de cabo, assegura, desde início, cobertura integral do Pais. E a empresa tem experiência de composição de packaging e de gestão de força de vendas com recurso a vários canais de distribuição.

 

Quem lidera o digital

Na Europa, o primeiro serviço comercial de televisão digital, via satélite, foi lançado em França em Abril de 1996, mas o primeiro serviço digital terrestre (DTT) foi lançado no Reino Unido, em 1998. ND final de 1999, o número de lares com TV digital atingiu os dez milhões, contra apenas dois milhões no final de 1997. Desde a data de lançamento da TV digital na Europa têm sido criados mais de 100 novos canais de W digital por ano, estimando-se a existência de cerca de 400 em difusão no final de 1999. Em Junho de 1999, o mercado europeu de televisão digital valia cerca de dez milhões de contos de receitas mensais. Nos EUA, em fins de 1999, havia dez milhões de assinantes, enquanto no Japão eram apenas 1,6 milhões, somente com distribuição por satélite. Em Portugal), a TV CABO lançou a primeira plataforma de televisão digital (serviço DTH — Direct To Home) há cerca de dois anos. Através dela são difundidas algumas dezenas de canais (de 10 e 30), grande parte deles falados ou legendados em português.

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* Euclides de Sousa

Licenciado em Engenharia de Telecomunicações e Electrónica pelo Instituto Superior Técnico. Membro dos Conselhos de Administração da TV Cabo Portugal, Cabo TV Açoreana e Madeirense, Macau Cabo TV e ECCA.

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