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Janus 2001



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As políticas portuguesas para a emigração

Maria Beatriz Rocha-Trindade *

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Pode dizer-se que, no último meio século, foi ambígua a posição do governo português em relação à emigração. Reconhecendo que existia uma forte pressão para a partida para o estrangeiro, de largas camadas de população de zonas desfavorecidas do país, como alternativa à miséria e à falta de futuro, as autoridades portuguesas enquadravam e acompanhavam o processo de saída embora não assumindo o que ocorria e estavam a aceitar.

 

Ambiguidade de políticas

A imposição de medidas administrativas que restringiam a emigração e as de controlo das condições de recrutamento oferecidas aos futuros emigrantes pareciam mais consistir num exercício de poder supostamente assente no princípio ético de respeito pelo bem-estar dos cidadãos, do que qualquer acto coerente de alinhamento por uma estratégia definida ou por uma política concreta. A partir do início dos anos 60, quando se tornou óbvio que era impossível estancar ou limitar o fluxo de emigração clandestina para os países europeus — um novo destino no quadro das migrações portuguesas — nem por isso deixaram de se aplicar as referidas medidas restritivas à emigração legal, o que se afigura como um claro contra-senso.

Em relação à emigração transoceânica, o governo assumia uma postura de harmonização de políticas com as autoridades dos países receptores, dos quais se destacam no continente americano, a Sul, o Brasil e a Venezuela, e a Norte, o Canadá e os Estados Unidos. Procurou-se, ao mesmo tempo, aumentar ou pelo menos negociar a manutenção das quotas atribuídas a Portugal, invocando ainda em certos casos razões humanitárias para o seu alargamento excepcional, o que aconteceu em relação aos E.U.A. quando da erupção do vulcão dos Capelinhos, nos Açores (1957). Usando uma metáfora algo irónica, Portugal tinha em relação à questão emigratória uma posição semelhante à que manifestou durante a 2ª Guerra Mundial em relação aos Aliados: a posição de neutralidade colaborante.

 

Após 1974

A mudança de regime ocorrida em Abril de 1974 veio a clarificar aquelas ambiguidades: ao ser reconhecido, em estrito pé de igualdade, o direito de partir e o de regressar, sem quaisquer restrições, tal equivalia a assumir-se que, a partir desse momento, não mais existiria uma política de limitação à emigração, uma vez que o fenómeno deixa de ser considerado como colectivo, sendo remetido para o foro das livres opções individuais. Os ideólogos da Revolução vieram, no entanto, reforçar a importância dos cidadãos que se encontravam radicados em países estrangeiros, bem como a dos seus descendentes. Assim por via daquilo que se poderia chamar, em termos psicológicos, um mecanismo de substituição, as Comunidades Portuguesas residentes no estrangeiro vieram tomar o lugar do Império entretanto desfeito: Portugal democrático alarga-se dessa forma, simbolicamente, a todos os continentes por via da presença dos seus filhos em inúmeros países neles radicados.

A inflexão da focagem sobre as comunidades, em vez de incidir sobre o próprio processo de emigrar é, todavia, anterior à Revolução. Efectivamente, ocorre em 1970 a reforma da anterior Junta da Emigração (fundada em 1947 e dependendo desde então do Ministério do Interior); transforma-se em Secretariado Nacional da Emigração, na dependência do Conselho de Ministros e adquire novas competências de intervenção junto das comunidades. Nesse sentido, são criadas em 1972, por exemplo, as primeiras Delegações do Secretariado Nacional fora do país.

Após a mudança de regime em 1974, a questão emigratória passou a ser considerada como relevando do âmbito laboral. Nesse sentido, os anteriores organismos e serviços foram integrados numa nova Secretaria de Estado, a Secretaria de Estado da Emigração, na dependência do Ministério do Trabalho, organismo que na sua articulação interna dissociava os assuntos ligados ao processo emigratório dos que se encontravam relacionados com os emigrantes residentes no estrangeiro. O tratamento dos primeiros cabia à Direcção-Geral da Emigração e o dos segundos, ao Instituto da Emigração. Cerca de um ano depois, a mesma Secretaria de Estado transita para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, no qual ainda hoje se situa o correspondente pelouro. Esta decisão resulta da necessidade de actuação fora do território nacional e da vantagem de se poder dispor da rede internacional de embaixadas e consulados portugueses para a negociação internacional. Assinale-se que a partir de 1987 é descorporizada a existência de Secretarias de Estado na orgânica governamental: apenas são mencionados Ministérios aos quais correspondem Ministros titulares, coadjuvados por Secretários de Estado actuando em princípio por via de competências por aqueles delegadas.

 

Processos interactivos e mecanismos de representação

Deve-se à Secretaria de Estado da Emigração, bem como à sua sucessora, com a nova designação de Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas, uma meritória e complexa actividade de estabelecimento e reforço dos laços e das interacções entre as comunidades e o seu país de origem, no plano colectivo do apoio a diversas manifestações culturais, ao intercâmbio de pessoas entre o país e o estrangeiro, envolvendo personalidades marcantes da vida portuguesa, tanto de um como do outro lado. Têm então lugar vários encontros, organizam-se cursos e seminários, são patrocinados festivais e concursos aos quais subjaz o mesmo interesse em estabelecer a parte de ligação entre a origem e os residentes no estrangeiro, dos quais sobressai como alvo privilegiado, o grupo dos seus descendentes. E o dia nacional, 10 de Junho, passa a incluir desde 1977, na sua designação o nome das comunidades portuguesas (Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas).

Dentro da mesma política de encontro e de estreitamento de laços foi fundamental o reconhecimento do direito dos portugueses emigrados serem ouvidos a nível político, através de representantes eleitos. Em Novembro de 1978 são criados os círculos eleitorais da Europa e do Resto do Mundo, com dois deputados cada, a terem assento na Assembleia da República.

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As respectivas eleições resultam de recenseamentos periodicamente efectuados junto dos Consulados portugueses dos países de imigração. O referido processo não é fácil e os nomes inscritos nas listas são muito inferiores aos que, por direito, delas poderiam constar. Com idêntica função de audição dos problemas e das vontades dos emigrantes, embora já não a nível dos órgãos de soberania, é criado em 1979 o Congresso das Comunidades Portuguesas, com delegados eleitos a partir de associações constituídas nos países receptores. Esta iniciativa não teve nem o sucesso nem a continuidade que teria merecido, uma vez que reuniu uma única vez em Lisboa no ano de 1981.

Com maior projecção política verifica-se a criação do Conselho das Comunidades em 1980, órgão de audição e de consulta do Governo em matérias ligadas à emigração e às comunidades radicadas no estrangeiro. Tratando-se de um órgão essencialmente político, não tem sido o seu funcionamento isento de controvérsia e de confrontos a nível ideológico e partidário. Após a realização de algumas reuniões do Conselho, as mesmas sofreram descontinuidade, fruto de divergência insanável quanto aos mecanismos a adoptar na designação dos conselheiros, o que acontece por via das propostas de diferentes Secretários de Estado do pelouro, aprovadas pela Assembleia da República.

Muitos dos problemas ocorridos, resultantes das vivências muito diferenciadas dos congressistas, provenientes de espaços geopolíticos com culturas distintas, ainda restam na memória de quem teve oportunidade de participar nestes encontros. Alguns foram de imediato resolvidos por hábeis actuações que sanaram alguns dos conflitos mas outros apenas vieram a ser considerados e dirimidos em instância judicial, tendo muito recentemente sido produzido acórdão definitivo sobre a matéria pelo Tribunal Constitucional (Fevereiro 2000).

Na mesma linha de reforço dos direitos dos residentes no estrangeiro e da vontade de integrá-los em decisões de grande importância para o país, data do início do presente ano a lei que abre àqueles cidadãos, mediante condições algo estritas, o direito de participar nas eleições para a Presidência da República Portuguesa.

As posições antagónicas tomadas em relação a esta matéria pelos deputados dos principais partidos políticos com assento na Assembleia da República, em defesa ou contra o exercício deste direito por parte dos imigrantes, tem impedido o estabelecimento de um consenso nesta matéria. Foi recentemente aprovada (Março de 2000) uma proposta de lei do Governo, a submeter à Assembleia da República, estabelecendo aquele direito, embora com condições que são definidas pelo tempo de residência fora do país.

 

Na actualidade

Apesar de viver no estrangeiro um número muito significativo de Portugueses (cerca de 4 milhões e meio) equivalente a metade da população portuguesa, o tema emigração e emigrantes tem sido menos visível nos últimos anos e sobre ele são quase insignificantes os debates na Assembleia da República. Os que regressaram, regra geral, dirigem-se para as suas zonas de origem onde prosseguem uma vida em melhores condições económicas, tendo adquirido um superior estatuto social. Muitos dos que continuam a permanecer além-fronteiras movimentam-se entre Portugal e os locais onde residem, por aí terem ficado os seus descendentes. No entanto, o movimento pendular que sempre existiu entre o país de origem e o país de destino tem adquirido uma regularidade repetitiva trazendo os "portugueses do estrangeiro" a Portugal, em época de férias e levando os que aqui vivem, por períodos variáveis, em que o seu apoio é necessário aos familiares. A situação é singular para os portugueses radicados em países da União Europeia uma vez que, segundo as leis comunitárias, beneficiam da qualidade de cidadãos da União, independentemente de poderem vir a adquirir, por naturalização, a nacionalidade do país de residência.

No momento presente, não se verificando uma necessidade de intervenção política estrutural em matéria de emigração, remanesce o interesse de manter e enriquecer a relação Portugal — Comunidades Portuguesas. Nesse sentido, dominarão as iniciativas cujo carácter é de "visita de representação" em ocasiões especiais, de organização de iniciativas culturais de alto nível e de implementação de acções de presença e intervenção concreta em graves situações circunstanciais que ameacem a vida e a segurança das pessoas.

 

Informação complementar

Principais medidas legislativas relativas à emigração em Portugal

Decreto-Lei n.º 36199/47 de 29 de Março
1947 Criação da Junta de Emigração

Decreto-Lei n.º 402/70 de 22 de Agosto
1970 Criação do Secretariado Nacional da Emigração

Decreto-Lei n.º 15/7S e Decreto-Lei n.º 16/72 de 12 de Janeiro
1972 Regulamentação do Secretariado Nacional da Emigração

Decreto-Lei n.º 763/74 de 30 de Dezembro
1974 Criação da Secretaria de Estada da Emigração, constituída pela Direcção-Geral da Emigração e pelo Instituto da Emigração

Decreto-Lei n.º 80/77 de 10 de Junho
1977 Instituição do Dia Nacional, 10 de Junho, como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

Lei n.º 69/78 de 3 de Novembro
1978 Eleição de deputados à Assembleia da República por círculos próprios da emigração

Decreto-Lei n.º 462/79 de 30 de Novembro
1979 Criação do Congresso das Comunidades Portuguesas

Decreto-Lei n.º 3/80 de 7 de Fevereiro
1980 Criação da Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas

Lei n.º 16/80 de 1 de Julho
1980 Alteração, por ratificação, do Decreto-Lei que cria o Congresso das Comunidades Portuguesas

Decreto-Lei n.º 316/80 de 20 de Agosto
1980 Criação do Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas, anteriormente designado por Instituto da Emigração (extingue a Direcção-Geral da Emigração)

Decreto-Lei n.º 373/80 de 12 de Setembro
1980 Criação do Conselho das Comunidades Portuguesas

Decreto-Lei n.º 373/81 de 3 de Outubro
1981 Lei da Dupla Nacionalidade

Decreto-Lei n.º 101/9O
1990 Criação dos Conselhos de País, Conselho Permanente e Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas.

Decreto-Lei n.º 53/94 de 24 de Fevereiro
1994 Criação da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (extingue o Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas).

Lei n.º 48/96 de 4 de Setembro
1996 Reformula a constituição do Conselho das Comunidades Portuguesas, regulamentado por diversas Portarias.

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* Maria Beatriz Rocha-Trindade

Doutorada em Sociologia pela Universidade de Paris I Sorbonne. Agregada em Sociologia pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Professora Catedrática da Universidade Aberta. Directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais/CEMRI (Ministério da Ciência e Tecnologia).

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Bibliografia

Aguiar, Manuela, 1970 – Política de Emigração e Comunidades Portuguesas, Porto, Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, 399 p. (Série Migrações).; 1999 - Portugal - O país das migrações sem fim, s.l., ed. aut., 285p.

Jesus, Manuel Filipe Correia de, 1989 – Portugal. Pátria de Comunidades. Discurso proferido na sessão de abertura da VI Reunião Mundial do Conselho das Comunidades Portuguesas, realizada em Albufeira a 16 de Novembro de 1987, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros.; 1990 -Comunidades Portuguesas. Uma Política para o Futuro, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros (Biblioteca Diplomática, 4ª série).; 1993 - Presidenciais. O Voto dos Portugueses Residentes no Estrangeiro, Funchal, Sn. (Comunidades Portuguesas).

Ribeiro, F. G. Cassola, 1986 – Emigração Portuguesa: Aspectos Relevantes Relativos às Políticas Adoptadas no Domínio da Emigração Portuguesa desde a Ultima Guerra Mundial. Contribuição para o seu Estudo, Porto, Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, 244 p. (Cap. Final).; 1987 - Emigração Portuguesa: Regulamentação Emigratória. Do Liberalismo ao Fim da Segunda Guerra Mundial, Porto, Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, 100p. (Cap. Final).

Rocha-Trindade, Maria Beatriz, 1981-Emigração Portuguesa: "As Políticas de Trajecto de Ida e de Ciclo Fechado", in Revista de História Económica e Social, Cadernos 1-2, Lisboa, pp. 71-90. (Cap. 2).; 1995 - Sociologia das Migrações, Lisboa, Universidade Aberta, Bloco Multimedia, 1 vol. 410 p., 10 Vídeogramas, 6 Audiogramas, 2 fascículos/guiões.

s.a., s.d. - Antecedentes, Criação e Percurso do Conselho das Comunidades Portuguesas, s.l., Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, 133 p. (Fundo Documental e Iconográfico da Emigração e das Comunidades Portuguesas).

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