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Antecedentes remotos da política externa portuguesa

Fernando Amorim *

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A “construção” da portugalidade (em definição de fronteiras até 1325), a viabilizaçãode um condado (1095-1096) tornado reino (Zamora, 1143), aproveitando a tendênciacentrífuga da monarquia castelhana, a afirmação política dos poderes régios,à luz de um tácito pacto de sujeição entre realeza e comunidade política, emsuma, a consolidação da Monarquia (J. L. Abadià), na qual, como entidade menorse integrava o Estado (J. A. Maltez) dependeu em larga medida dos laços diplomáticostecidos num tempo longo de nove séculos.

Hispanidade — Jerónimo Osório — “(...) a nobre Espanha, / Como cabeça ali da Europa toda (...) com nações diferentes se engrandece (...)” (Camões, Os Lusíadas, III, 17 e 18) e Império, aparentemente conceitos e políticas opostas, constituíram constantes essenciais na política externa portuguesa, sendo a segunda consequência ou modus belli et pacis facere (modo de fixar as regras da guerra e da paz) da primeira. Com efeito, desde a tardo-medievalidade e primomodernidade Portugal jamais se excluiu das Espanhas (Zurara) ou recusou a ideia de uma inserção na hispanidade e muito menos de constituir uma parcela, uma das regiões da respublica christiana, a Europa propriamente dita. E os Descobrimentos e a Expansão traduziram-se na “aumentação” ou “acrescentamento” ao “velho reino”, ao antigo Portugal, para sua “conservação” e “defensão”, e assim da “hispanidade” e da República Cristã de um “novo reino”, um “novo Portugal” de além-mar (António Ferreira, Poemas Lusitanos, II, p. 156). Neste contexto dúplice mas complementar se desenhará secularmente a política externa portuguesa desde a fundação.

A vassalagem de Afonso Henriques ao Papado (1143) exprimiu o desejo de distanciamento para com o primo, imperador Afonso VII, escapando ao seu propósito de coordenar todas as forças cristãs na Hispânia e subtraindo o País à órbita política castelhana (J. Mattoso).

A subsequente divisão de Castela (Navarra, Aragão, Castela, Leão) propiciou um verdadeiro equilíbrio de forças — época dos “cinco reinos” (Menéndez Pidal), — assegurado pelo jogo de alianças e rivalidades oscilantes entre os diferentes reinos hispânicos, cujo conjunto constituía uma certa unidade, e que evitou a supremacia de algum deles. A aproximação repetida e renovada com a Catalunha ou Aragão, para resistir às tendências expansivas mas rivais de Leão e Castela (as duas principais potências centrais da área cristã que dominaram a cena peninsular até 1230), aliada à habilidade política e militar de Afonso I, permitiram o fortalecimento da independência de Portugal, confirmada pelo Papa (bula “Manifestis Probatum”, 23.05.1179), — para quem a luta contra o Islão já não aconselhava a unificação política da Hispânia, mas o fortalecimento dos seus diversos reinos — ao tomar o rei português e seus herdeiros sob a protecção da Santa Sé, declarando Portugal como reino pertencente a S. Pedro. Portugal constituía já um poder político consolidado, num quadro político peninsular e cristão definido, que manter-se-ia sem alterações durante vários séculos (J. Mattoso).

D. Dinis (1279-1325) constituiria um marco na política peninsular, não apenas por Portugal subsistir como reino verdadeiramente independente no âmbito da Hispânia (Castela mergulhara na guerra civil e Aragão emergira como potência económica e política mediterrânica) mas, implantado solidamente o seu poder no País (dinâmica dionisina de take-off da modernidade — A. L. de Carvalho Homem), por ser reconhecido como interlocutor essencial e autoridade política respeitada por todos. A partir de então (1325-1480), a diplomacia, a guerra e o comércio constituirão as três formas pelas quais a Monarquia se relaciona com o exterior. A progressiva perda por Portugal do carácter de “finisterra” (transição sécs. XIII-XIV) e a sua emergência e inserção no espaço do “Atlântico alargado” (L. Adão da Fonseca), como entreposto e placa giratória entre o complexo Mancha /Mar do Norte e Mediterrâneo ocidental /repúblicas italianas, explicam o tratado de comércio com a Inglaterra (D. Dinis, 1308), prosseguido por novo tratado de aliança e comércio, válido por 50 anos (Afonso IV — e Martim Alho — com Eduardo III, 20.10.1353), que constituem a antecâmara da aliança luso-britânica firmada (por D. Fernando I, 1367-1383) nos tratados de Tagilde (10.07.1372) e Westminster (16.06.1373), e reafirmada (por D. João I, 1385-1433) no tratado de Windsor (09.05.1386), pedra angular desta aliança, complementada por novos acordos até à actualidade (ver informação complementar).

A construção da aliança entre Portugal — elevado à condição de potência política e militar peninsular e no Mediterrâneo ocidental, desde a intervenção de Afonso IV na Batalha do Salado (1340), de que resultou o declínio definitivo da presença muçulmana na Península (J. Veríssimo Serrão) — e a Inglaterra (potência naval e mercantil até à derrota de Roosebecke, 20.10.1382), surgida numa conjuntura europeia de Guerra dos 100 Anos (Inglaterra vs. França), de que as guerras fernandinas (Portugal vs. Castela: 1369-1370; 1372-1373; 1381-1382) constituiriam o prolongamento ibérico, consolidar-se-ia, a prazo, como aliança estratégica entre duas potências sofrendo do mesmo complexo de insularidade face ao vizinho continental. Para Inglaterra significava o fortalecimento face ao bloco continental franco-castelhano (A. H. Oliveira Marques); para Portugal, a reserva defensiva face ao muro de Castela tornado unidade política concentrada, a Espanha, integrada na Monarquia Católica (i.e., universal) dos Habsburgos com quem, a partir dos sécs. XV-XVI, vai negociar a regulação de interesses ultramarinos e imperiais (Alcáçovas-Toledo, 04.10.1479/06.03.80; Tordesilhas, 07.06.1494; Arévalo, 02.07.1479; Setúbal, 05.09.1494; Saragoça, 23.04.1529), cada um na busca da hegemonia ibérica ou da união ibérica (tentada por Fernando I, Afonso V, João II e Manuel I).

Se durante a dinastia afonsina, o quadro das relações diplomáticas se confina praticamente à Península Ibérica e à Inglaterra, com o advento da dinastia de Avis, apesar do estreitamento de laços com os novos Estados emergentes além Pirinéus, mantém-se o quadro diplomático tradicional de ligações matrimoniais ibéricas que, apresentadas como instrumento de afirmação externa e expoente do consenso entre o rei e comunidade política em torno da ideia de monarquia, traduziram-se na legitimação e propaganda dinástica do poder que, a prazo, permitiria a Filipe II tornar-se rei (1581) de um Portugal Católico (F. Bousa Álvarez) i.e., em união dinástica com a Monarquia dos Áustrias (A. M. Hespanha).

O esboroar da hegemonia peninsular portuguesa face a uma Espanha duplamente imperial (na Europa e no Novo Mundo) produziu, pelo complexo de inferioridade gerado por aquela união, a invenção de um inimigo designado, mas que contribuiu, até aos nossos dias, para uma vontade de coesão nacionalista, patriótica e cultural. Produziu também o estreitamento de relações para além do mapa peninsular e a abertura à Europa, apoiado nos aliados europeus, particularmente a Inglaterra. E produziu ainda, a projecção dos desejos expansionistas portugueses num império no mar, na Índia, no Brasil, na Ásia e em África, de que emergiu uma vocação universalista, tudo elementos definidos e afirmados nos sécs. XIV a XVI e que constituem traços personalizantes e distintivos do nosso modo de ser e de pensar.

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Informação complementar

Portugal e Inglaterra: a aliança política e a aliança natural

Até Westminster (16.06.1373) não existia entre os dois povos simpatia ou antipatia particulares. Cada um deles tinha para com o outro um sentimento de distância. À Inglaterra preocupava a ameaça representada pela aliança de Castela com a França. A Portugal interessava o cumprimento dos tratados de 1308 e 1353. Só com a eclosão das guerras fernandinas é que ambos os interesses individuais viriam a coincidir, tornando-se familiar à corte e ao Parlamento de Londres a teoria estratégica da “via portuguesa”, i.e., do chemin de Portyngale. Contudo, algumas idiossincrasias aproximavam insuspeitamente os dois países. A dimensão geográfica de ambos favorecia a unidade política sem exigir um governo forte, ao inverso do paradigma francês (o território cinco vezes superior e a fraca unidade implicavam a imposição de um governo forte). Por outro lado, se Castela aproximava-se da França com o modelo de Imperium, Portugal, que tivera como núcleo duro o Condado Portucalense, seguia o estilo inglês, com um governo central que utilizava mais a adesão do que a coerção, o consenso que a força, em resultado da existência de uma unidade forte. A aclamação de João I à luz do princípio da origem popular do poder, reafirmante da base pactista ou consensualista da monarquia portuguesa, abriria caminho à adopção do paradigma inglês de governo do rei pelo conselho, “(...) por prol e honra dos reinos, cá assim se acostuma de fazer pelos reis de Inglaterra e por isto são louvados em todas as partes do Mundo” (“Auto da eleição de D. João I — Coimbra, 1385, Abril, 6)”.

 

Os tratados da aliança luso-britânica

Tagilde 10.07.1372 Tratado de paz e aliança entre D. Fernando e o duque de Lencastre, filho segundo de Eduardo III, contra Henrique II de Trastâmara (Castela).

Westminster 16.06.1373 Tratado de aliança entre D. Fernando, e Eduardo III que confirma o anterior. Ficava garantida, para a Inglaterra, a neutralidade portuguesa no conflito que travava com a França e eram asseguradas, às duas partes contratantes, vantagens comerciais que a ambos interessavam.

Windsor 09.05.1386 Tratado de paz e amizade entre D. João I e Ricardo II. Abrangia cláusulas militares, políticas e comerciais. É a pedra angular da Aliança Luso-Britânica.

Westminster 16.02.1403 Ratificação por Henrique IV do Tratado de paz e amizade anterior.

Westminster 18.02.1436 Ratificação por Henrique VI dos tratados entre D. João I e os reis ingleses Ricardo II, Henrique IV e Henrique V.

Reading 18.01.1440 Nova ratificação por Henrique VI dos anteriores tratados luso-britânicos.

Westminster 11.03.1471 Ratificação e renovação por Eduardo IV dos antigos tratados luso-britânicos.

York 25.06.1484 Ratificação por Ricardo III dos tratados da aliança.

Évora 08.11.1489 Confirmação e renovação de D. João II e Henrique VII do tratado de 09.05.1386.

1499 12.05.1499 Ajuste e confirmação dos antigos tratados de paz, entre D. Manuel I e Henrique VII.

Londres 29.01.1642 Tratado de paz e comércio entre D. João IV e Carlos I.

Westminster 10.07.1654 Tratado de paz e aliança entre D. João IV e Cromwell, Lorde Protector de Inglaterra.

Londres 18.04.1660 Tratado de paz e aliança entre D. Afonso VI e a República Inglesa.

Londres 23.06.1661 Tratado de paz e aliança entre D. Afonso VI e Carlos II e de casamento deste último com Catarina de Bragança.

Lisboa 16.05.1703 Tratado de aliança ofensiva e defensiva entre D. Pedro II e Ana de Inglaterra, Leopoldo da Alemanha e os Estados Gerais das Províncias Unidas.

Lisboa 16.05.1703 Tratado de Methuen I de liga defensiva entre D. Pedro II com Ana de Inglaterra e os Estados Gerais das Províncias Unidas.

Lisboa 27.12.1703 Tratado de Methuen II, de comércio entre D. Pedro II e Ana de Inglaterra.

Londres 26.09.1793 Tratado entre D. Maria I e Jorge III sobre mútuo auxílio contra a França.

Londres 22.10.1807 Convenção secreta entre o príncipe regente D. João e Jorge III sobre a transferência para o Brasil da monarquia portuguesa e sobre a ocupação da Ilha da Madeira por tropas inglesas.

Rio de Janeiro 28.02.1809 Tratado de aliança e comércio entre o príncipe regente D. João e Jorge III de Inglaterra.

Rio de Janeiro 19.02.1810 Tratado de aliança e amizade entre o príncipe regente D. João e Jorge III.

Viena 22.02.1815 Tratado entre o príncipe regente D. João e Jorge III para a abolição do tráfico da escravatura na costa de África ao norte do Equador.

Lisboa 03.07.1842 Tratado de comércio e navegação entre D. Maria II e Vitória I.

Lisboa 28.05.1891 Tratado luso-britânico pelo qual Portugal cede vastas áreas compreendidas entre Angola e Moçambique.

Londres 11.06.1891 Tratado luso-britânico que regula a delimitação das respectivas esferas de influência em África.

Windsor 14.10.1899 Tratado luso-britânico renovando a garantia inglesa em relação à integridade dos territórios portugueses na metrópole e ultramar.

Windsor 16.11.1904 Tratado luso-britânico renovando a garantia inglesa em relação à integridade dos nossos territórios metropolitano e ultramarino.

1910 21.10.1910 Aprovação luso-britânica da demarcação das respectivas fronteiras na África Oriental, ao norte e sul do Zambeze.

1914 16.11.1914 Convenção luso-britânica em que se declaram em vigor os antigos tratados de aliança.

1943 18.08.1943 Acordo luso-britânico para a concessão de facilidades no arquipélago dos Açores.

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* Fernando Amorim

Mestre em História – História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente na UAL.

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