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Atlantismo ou europeísmo?

Observatório de Relações Exteriores

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Segundo alguns analistas, a história da política externa portuguesa poderia servista à luz do dilema entre vocação atlântica e vocação europeia. Uma tal dicotomiaé provavelmente redutora, até porque nada prova que os seus termos estejam emoposição. Mas a verdade é que existe certo fundamento para interpretar dessemodo a colocação do país na cena internacional.

António Sérgio (na “Introdução geográfico-sociológica à história de Portugal”) propõe mesmo uma hipótese: “A condição geográfica na criação e expansão da nação portuguesa como corpo político independente foi o significado topográfico dos nossos portos para a actividade marítima-comercial europeia unido ao valor das costas e das condições do clima para a obtenção de riqueza tirada do mar (pescarias, sal)”.

Acantonado numa única fronteira terrestre com Espanha, o país ter-se-ia assim virado para o mar (o Mediterrâneo, o Atlântico...), configurando-se como potência marítima, estando na vanguarda da descoberta das rotas oceânicas e constituindo um império ultramarino que chegou a espalhar-se por três continentes. Nesse movimento secular, teria voltado as costas à Europa continental. Mais ainda, a independência de Portugal ficou a dever-se em diversas circunstâncias históricas à intervenção da Inglaterra, país insular e potência marítima por excelência, o que só confirmaria que o sistema português de alianças estaria centrado no poder dos mares.

Posteriormente, quando Portugal integra o núcleo fundador do Tratado do Atlântico Norte, agora já sob a égide da nova potência marítima dominante – os Estados Unidos da América – estaria a consagrar a sua vocação atlântica e a sua vinculação estruturante ao eixo anglo-americano. Nas últimas décadas da ditadura de Salazar, a colocação atlantista dominou claramente a política externa portuguesa, porventura assente no anticomunismo e apesar de certos reflexos anti-americanos provocados pelas ambiguidades dos EUA acerca da questão colonial.

A governação de Marcelo Caetano, entre 1968 e 1974, foi atravessada por novas contradições. No interior e nas franjas do próprio sistema político surgiram influentes grupos ditos “desenvolvimentistas” (no sentido em que apreendiam quanto o prosseguimento da política colonial bloqueava o desenvolvimento do país), de pendor “europeísta” (favoráveis a uma aproximação à Europa do Mercado Comum). Nesse período, as duas grandes obras do “regime” foram Sines a Cabora Bassa. Sines, porto atlântico por excelência, Cahora Bassa, gigantesca barragem para abastecimento de electricidade à região a fim de amarrar interesses sul-africanos a Moçambique e à política imperial. Cada uma à sua maneira, eram obras de pendor “marítimo”. Mas Sines era entendida como porta de entrada da Europa para os grandes petroleiros e mineraleiros. É também nesta época que Portugal, até então situado na órbita económica inglesa graças à integração na EFTA, faz um acordo com o Mercado Comum. Seria porventura o primeiro sinal de uma viragem em direcção às potências continentais europeias, designadamente a França, em detrimento da tradicional ligação privilegiada à Inglaterra.

 

O fim do ciclo imperial

Coincidindo com a perda do Império, a orientação pró-europeia ficou consagrada no pós-25 de Abril com o pedido de adesão à CEE e a plena integração em 1986. Pouco a pouco redefinem-se os três grandes parceiros económicos de Portugal — a Espanha, a França e a Alemanha — enquanto declinam as relações com o Reino Unido e os EUA.

Estes indicadores levariam a pensar que o país se reduzia à expressão continental, polarizado por uma nova influência que é a das potências centrais do continente europeu, perdendo peso a histórica aliança à potência marítima e ao espaço anglo-americano. Mas as evoluções não são lineares. Seria errado afirmar-se que o europeísmo venceu o atlantismo na política externa portuguesa.

Quando Portugal integra as instituições comunitárias, a Inglaterra já o tinha aí antecedido. Pode mesmo admitir-se que, durante um certo tempo, as posições portuguesas andavam próximas das posições inglesas, num registo que, se não era de eurocepticismo, era pelo menos de cautela, aliás compreensível em quem pisa um terreno novo.

Por outro lado, o europeísmo dominante nem sempre excluía a repescagem da tradição ultramarina e da vocação atlantista. Muitos defendiam que a aproximação de Portugal à Europa deveria ser compensada pela manutenção de vínculos com África. Uma ideia da altura resumia este modo de pensar, frequente nos anos 70 e 80: o caminho de Lisboa para Bruxelas passa por Luanda e por Maputo. Na sua qualidade de pequena potência, Portugal só teria a ganhar se mantivesse uma área de influência ultramarina com vista a melhorar a sua capacidade negocial face às grandes potências europeias. Aqui a reminiscência do império era instrumental em relação ao europeísmo. Talvez fosse esse o pressuposto do então chamado “espírito de Bissau”, no tempo da presidência de Ramalho Eanes, ou mesmo da intenção voluntarista que levou mais tarde à criação da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

A crise prolongada dos países africanos lusófonos veio a invalidar esta orientação. Só as relações com o Brasil, já nos últimos anos do século, vieram a desempenhar parcialmente este papel compensador da absorção europeísta.

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O crescente europeísmo

Entretanto, a opção do alinhamento pelas instituições comunitárias impunha-se com peso crescente. Os fundos estruturais constituíam uma oportunidade única para apoiar o relançamento da sociedade e da economia portuguesas. A presidência de Jacques Delors marcava o ritmo da construção europeia, num período em que a dinâmica comunitária parecia prevalecer sobre a lógica intergovernamental. No tempo do Primeiro Ministro Cavaco Silva e do seu Ministro das Finanças Braga de Macedo, Portugal rompe com a mentalidade “thatcheriana” e torna-se “bom aluno” de Bruxelas, tendo entendido que o principal aliado dos pequenos países era a própria Comissão Europeia e que só teria a ganhar com a lógica comunitária.

Mais tarde, com o enfraquecimento da Comissão e o reforço da dinâmica intergovernamental, bem patente na Cimeira de Nice, Portugal haveria de conhecer novas dificuldades de colocação no complexo jogo europeu.

 

As dificuldades actuais

Neste princípio de século, a afirmação externa de Portugal passa assim por uma fase difícil. Apesar de integrar o núcleo duro dos países do Euro e de liderar algumas propostas interessantes para o futuro da União (ver a “A ‘via europeia’ para a nova economia: o contributo português”), o país está enfraquecido no quadro europeu e essa fragilidade não aparece compensada por nenhuma outra vinculação forte. E daquela que pode ser considerada como a maior vitória portuguesa na cena internacional nos tempos recentes — o êxito da ética política e da diplomacia no caso de Timor Leste — não resultaram especiais dividendos, para além do prestígio e de um novo espaço lusófono na zona Ásia-Pacífico.

De momento, uma das consequências mais visíveis da crise internacional provocada pelo 11 de Setembro de 2001 é a manifestação da liderança mundial por parte do eixo anglo-americano, fragilizando ainda mais a capacidade da União Europeia. Não seria de admirar que um país como Portugal se visse constrangido a algum realinhamento de pendor atlantista.

 

Informação complementar

Que tipo de Forças Armadas?

O possível dilema para a colocação portuguesa no mundo — ora mais “marítima” ora mais “continental” — repercute-se também na própria concepção das Forças Armadas, nas prioridades das missões que lhes são cometidas e nas opções quanto ao armamento a privilegiar.

Há um debate acerca deste dilema em Portugal, um debate que mal atinge a opinião pública, embora as posições respectivas encontrem eco razoável na comunicação social.

Para os defensores da vocação marítima — muitos deles funcionando como grupo de pressão ligado a interesses da Marinha — Portugal tem uma configuração quase-arquipelágica, à maneira de um grande arquipélago, formando um triângulo estratégico cujos vértices são o rectângulo continental e os dois arquipélagos dos Açores e da Madeira. Portugal deveria assim reforçar os seus laços com a potência marítima dominante e aprofundar as relações ultramarinas, garantindo com prioridade a vigilância das águas territoriais e da zona económica exclusiva e assegurando a circulação entre os três vértices do triângulo. O equipamento das Forças Armadas deveria, em consequência, privilegiar os meios aeronavais.

Por seu turno, os defensores da “vocação continental” argumentam que a soberania sempre se defendeu no território terrestre de Portugal e que o Exército de terra deve ser, logicamente, o ramo privilegiado das Forças Armadas. Esta divergência de opiniões, porém, não pode ser endurecida nem mal entendida, na medida em que os adeptos do que chamamos vocação continental podem ser atlantistas convictos, apesar de atribuírem prioridade à defesa terrestre.

 

Potência marítima e potência continental

Os especialistas conhecem bem esta distinção, corrente nos estudos de geopolítica e de geoestratégia. Quem mais contribuiu para a difundir foi o inglês Halford Mackinder (1861-1947), embora o tema já antes tivesse sido comentado a partir dos seus antecedentes remotos, desde o conflito entre a “marítima” Atenas e a “continental” Esparta.

Mackinder recorda que vivemos num mundo oceânico, mas o seu pensamento vai diferenciar-se de certa tradição inglesa bem expressa na frase do navegador Walter Raleigh que afirmou em plena época isabelina (séc. XVI): “Quem domina o mar domina o mundo, domina a riqueza do mundo”. Mackinder, pelo seu lado, é filho da Inglaterra vitoriana: vê o seu país dotado de um poderoso império marítimo, mas observa a formação do império dos czares russos, estendendo-se pela Sibéria até ao Pacífico. Admite então que quem controlar a “ilha mundial” (essa espécie de megacontinente, o grande espaço geográfico formado pelos três continentes — Euro-Ásia-África) dominando o seu “coração” (a região terrestre situada na Europa Oriental estendendo-se para Oriente) pode dominar o mundo.

Mais tarde, Mackinder reaprecia a história do século XX e as realidades que emergiram das duas guerras mundiais, acentuando o antagonismo entre a potência marítima inglesa e a potência continental alemã (antagonismo que esteve no centro dessas guerras) e a subsequente oposição entre a potência marítima norte-americana (aberta a duas fachadas oceânicas e capaz de afirmar presença em qualquer ponto do globo) e a potência continental soviética (grande massa dotada de contiguidade geográfica e privada de acesso fácil aos mares livres).

Trata-se de uma chave interpretativa interessante e sugestiva, mas frequentemente usada de modo simplista, por vezes mesmo abusivamente determinista. Curiosamente, porém, numa altura em que numerosos teóricos falam de uma suposta “desterritorialização” dos processos internacionais (num tempo em que se desvalorizaram as fronteiras e em que o espaço parece ter-se tornado virtual), reaparecem as reflexões acerca dos territórios, das suas configurações e da sua influência na posição internacional dos Estados.

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