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Os paraísos fiscais e Portugal

José Gomes dos Santos *

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O conceito de “paraíso-fiscal” deriva do inglês “tax-haven”, que na verdade significa “porto” ou “abrigo” fiscal. O termo ficou e ganhou foro de instituição, até porque o desejo (ancestral) de não pagar impostos sempre foi considerado pelos homens como um “lugar dos deuses”. Numa definição simples poderíamos classificá-los como áreas territoriais limitadas em que o nível de tributação é nulo ou muito reduzido, quando comparado com os níveis internacionais comummente aplicados e/ou em que são concedidas vantagens susceptíveis de evitar a tributação no país de origem.

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Uma das justificações para a existência de impostos é a obtenção de receitas para financiar a provisão de bens e serviços disponibilizada pelos governos (nacionais) aos (seus) cidadãos. Mas a fiscalidade não é só isso: ela pode constituir (e constitui), igualmente, um importante instrumento de política económica na atracção de iniciativa, inovação, investimento e capitais externos, e de incentivo às empresas nacionais na conquista de mercados e oportunidades no estrangeiro.

Significa isto que, no actual contexto de crescente interdependência e universalização das relações e trocas económicas internacionais, a fiscalidade se tornou para muitos países – enquanto “último reduto” dos tradicionais poderes do Estado-Nação (ainda que cada vez mais limitados) – na “arma”, e a concorrência fiscal internacional no “palco” onde se desenvolvem tácticas e estratégias de “guerra económica”.

 

Será a competição fiscal entre as nações um mal em si mesmo?

Conforme referem Carlos Santos e Clotilde Palma (1999), no passado, “a concorrência que as políticas fiscais estaduais, em particular nos domínios da poupança e da tributação das sociedades, geravam entre si era, quase sempre, objecto de um juízo positivo, por se traduzir num meio de redução de cargas fiscais excessivas e num factor de compensação de desvantagens competitivas de um país (geográficas, escassez de recursos, etc.) que justificariam a existência de mecanismos fiscais de atracção ou fixação de investimento externo e interno”.

A própria Comissão das Comunidades Europeias, em Comunicação ao Conselho datada de Outubro de 1997 (ver COM (97) 495 final), afirma que “a concorrência em matéria fiscal deverá, por si só, ser considerada como positiva beneficiando os cidadãos e impondo uma pressão no sentido da redução das despesas públicas. Contudo, uma concorrência ilimitada relativamente aos factores móveis poderá tornar os sistemas fiscais desfavoráveis ao emprego e dificultar uma redução ordenada e estruturada da carga fiscal global (...) limitando cada vez mais a liberdade de os Estados-membros optarem pela estrutura fiscal adequada, inclusive através de um alargamento da matéria colectável e de uma redução de taxas”.

 

Os “paraísos fiscais”: conceito e realidade

Designados, entre outros, por off-shores, tax harbors, ou tax havens, a sua correspondente expressão portuguesa é de “paraísos fiscais”. Corruptela da palavra inglesa haven – que significa “porto”, “abrigo” –, e que um qualquer “ouvido” francês mais desatento interpretou como “heaven” (paradis) – que significa “céu”, “paraíso”– , o termo ficou e ganhou foro de instituição. Talvez até porque o desejo (ancestral) de encontrar um lugar ou forma de não pagar impostos sempre tenha sido considerado pelos humanos como um “lugar dos deuses”...

 

Mas o que são “paraísos fiscais”?

Numa definição simples de uma realidade com múltiplas manifestações – quer em termos geográficos, quer institucionais, técnico – legislativos, económico-sectoriais, etc. – poderíamos dizer que são áreas territoriais limitadas em que o nível de tributação é nulo, ou é muito reduzido quando comparado com os standards nacionais ou internacionais comummente aplicados (também designados por “regimes fiscais privilegiados” ou “tributação aligeirada”), e/ou em que são concedidas vantagens susceptíveis de evitar a sua tributação no país de origem/residência (por ex., negação de troca de informações entre as respectivas autoridades fiscais) – ver Beauchamp (1981).

Este “fenómeno” não é, no entanto, novo na sua essência. Há até quem refira que “concorre, em idade, com as mais velhas profissões do mundo”... (Doggart, 1997). De acordo com outros autores (por exemplo, Leservoisier, 1990), o fenómeno dos hoje denominados “paraísos fiscais” terá nascido praticamente com o imposto. Na verdade, uma parte significativa destas realidades tem origem em práticas antigas, “toleradas” no passado, mas que ganharam outra dimensão, e arrastaram outras consequências, no actual contexto e estratégias das empresas multinacionais, e da crescente rapidez e volatilidade dos movimentos de capitais à escala planetária, decorrente, entre outros, dos enormes progressos conseguidos ao nível das telecomunicações.

Um dos mais antigos e conhecidos paraísos modernos é a Suíça, onde muito antes da II Guerra Mundial se refugiavam das convulsões políticas e sociais europeias, capitais, metais preciosos e bens. A seguir à Guerra, outros “paraísos fiscais” emergiram, sobretudo como locais de abrigo de fiscalidades pesadas e de “curiosidades”, entendidas como excessivas, dos inspectores fiscais dos países de origem...

Mas, sem a pretensão de ser exaustivo, o folhear de uma meia dúzia de “Tax Havens Guides” alerta para o seu número (mais de uma centena!), diversidade geográfica (inclusive, em zonas e territórios de países conhecidos como “paladinos” do combate aos paraísos fiscais...), especialização, vantagens comparativas, credibilidade (?), etc., etc. É, portanto, uma realidade mundial e mundializada.

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Características comuns e formas de utilização dos “paraísos fiscais”

Podem sistematizar-se em três ou quatro as principais características que distinguem um “paraíso fiscal”, a saber:

• Taxas de impostos reduzidas ou nulas sobre, pelo menos, uma categoria relevante de rendimentos ou activos (lucros de empresas; depósitos; reformados; casa; barcos/aviões);

• Alguma estabilidade política, legislação adequada (monetária, cambial) e confidencialidade elevada (segredo comercial e bancário);

• Meios de comunicação (transporte, telecomunicações) modernos, estruturas bancária e jurídica suficientemente desenvolvidas;

• Especialização “funcional” (banca, seguros, trusts, “nichos industriais”, shipping) e promoção adequada, ainda que discreta, através de veículos credíveis (por ex., em reputados jornais internacionais).

Em certas circunstâncias, a existência de uma rede desenvolvida de tratados para evitar a dupla tributação internacional poderá, igualmente, mostrar-se atractiva no planeamento de operações, conhecidas na linguagem dos especialistas como de treaty shopping.

Com base no uso de “paraísos fiscais”, e no âmbito das suas estratégias fiscais internacionais, empresas e indivíduos concebem e criam organizações, planeiam operações, ficcionam movimentos, efectuam deslocalizações e usam “artifícios” com o fito, primordial, de reduzirem ou evadirem os respectivos impostos. De entre os “veículos” de planeamento/fraude fiscal internacional mais usados – eles próprios em constante mutação, atenta a “criatividade” dos respectivos mentores – podem salientar-se, de forma breve, as seguintes modalidades (ver, entre outros, Lamorlette e Rassat, 1997):

• Manipulações de compras, vendas e prestações de serviços intragrupos. É a designada problemática dos “preços-transferência”, nomeadamente nas áreas dos encargos com patentes e marcas (know-how e assistência técnica), dos contratos e despesas de I&D (cost sharing agreements) e, em geral, da imputação de custos comuns entre empresa mãe-filhas (management, technical ou commercial fees).

• Operações de financiamento e mecanismos de sub-capitalização (thin capitalization)

Assumem aqui particular relevância as operações ditas de empréstimo intra-grupo e outras modalidades de endividamento com o objectivo de beneficiarem do tratamento fiscal mais favorável que, em regra, é dado na tributação empresarial ao pagamento de encargos financeiros versus distribuição de lucros.

• Criação de entidades intermédias (sociedades ecrã, relais ou base company) e de controlo (holdings)

Estas operações traduzem-se, no primeiro caso, na constituição de uma empresa num território de fiscalidade reduzida para onde são imputados todos os lucros de um grupo multinacional; e, na segunda situação, na criação de uma sociedade holding para beneficiar das vantagens habitualmente concedidas pelas leis fiscais no tratamento dos dividendos recebidos, das mais-valias financeiras obtidas, ou dos empréstimos concedidos, “justificadas” pelas “boas intenções” do legislador fiscal em não desestimular a reestruturação e especialização empresariais e a ocorrência de duplas tributações penalizadoras...

 

Iniciativas e medidas de contra-ataque aos “paraísos fiscais”

As principais consequências decorrentes de tais práticas concretizam-se em: perdas de receitas fiscais por parte dos países assim atingidos; em distorções em termos de equidade e eficiência no funcionamento dos mercados e nas relações económicas internacionais; e em efeitos adversos sobre as balanças de pagamentos, sujeitas à erosão dos movimentos especulativos de capitais e às deslocalizações do investimento e da produção; e em fenómenos acrescidos de “branqueamento de capitais”, de refúgio de actividades e ganhos ilícitos e criminosos (neste sentido, ver Mota, 1994).

Na sua “interminável” tarefa de contrariar esquemas evasivos como os acabados de referir, e de garantir o poder tributário que consideram legítimo, os Estados assim penalizados vêm recorrendo a diversas contramedidas, que se podem sistematizar do seguinte modo (I) medidas legislativas unilaterais, (II) iniciativas bi e multilaterais, (III) acções internacionais.

Quanto à efectividade ou eficácia das decisões e recomendações internacionais efectuadas – cuja natureza política é distinta –, o caminho só agora começou a ser percorrido...

Ao nível da União Europeia é, nomeadamente, através de procedimentos administrativos baseados em distorções da concorrência (“auxílios de Estado”) com intervenção junto do Tribunal das Comunidades, que se lhe procura dar concretização prática. No que respeita à OCDE, vem-se utilizando o instrumento da persuasão, por exemplo, através da publicação de listas de “paraísos fiscais” não-cooperativos (como são os casos, entre outros, do Liechtenstein, do Mónaco, das Ilhas Marshall ou da Libéria), com a inerente sanção política em termos de opinião pública internacional e/ou a suspensão de privilégios e apoios ao desenvolvimento desses países e à sua integração no comércio mundial.

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* José Gomes dos Santos

Economista. Investigador do Centro de Estudos Fiscais/DGCI. Professor do ISEG/UTL

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Bibliografia

Beauchamp (1983), A. “Guide Mondial des Paradis Fiscaux”, Ed. Grasset, Paris.

Carlos Santos, A. e Clotilde C. Palma (1999), “A Regulação Internacional da Concorrência Fiscal Prejudicial”, Boletim de Ciência e Técnica Fiscal nº 395, Jul-Set, Ed. DGCI, Lisboa.

Comissão das Comunidades Europeias (1997), Comunicação “Rumo a uma Coordenação em Matéria Fiscal  na União Europeia”, COM (97) 495 final, Bruxelas.

Doggart, Caroline (1997), “Tax Havens and their Uses”, Ed. The Economist Intelligence Unit, London.

Gomes Santos, José C. (2000),  “Tendências das Políticas Fiscais Recentes a Nível Internacional”,  in Colóquio “Os Efeitos da Globalização na Tributação do Rendimento e da Despesa”, Cadernos CTF nº. 188, Ed. AGT, Lisboa.

Lamorlette, Thierry e Patrick Rassat (1997), “Stratégie Fiscale Internationale”, Ed. Laurent du Mesnil, Paris.

Leservoisier, Laurent (1990), “Les Paradis Fiscaux”, Ed. PUF, Paris.

Menezes Leitão, Luís M. (1993), “Evasão e Fraude Fiscal Internacional”, Colóquio

“A Internacionalização da Economia e a Fiscalidade”, Centro de Estudos Fiscais, Ed. DGCI, Lisboa.

Mota, Rui Gomes (1994), “Paraísos Fiscais – Análise Genérica e Posição da União Europeia”, Dissertação de Mestrado em Economia Europeia, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, policopiado.

OECD    (1998), “Harmful Tax Competition”, Ed. OECD, Paris.

(2000), “Towards Global Tax Co-operattion”, Ed. OECD, Paris.

Saldanha Sanches, J. L. (1991), “Soberania Fiscal e Constrangimentos Externos”, Seminário “Off-shore e Zonas Francas”, Ed. Revista FISCO, Lisboa, policopiado.

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