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Onde estou: Janus 2003 > Índice de artigos > A convulsão internacional > O “arco de crise” (I): o Afeganistão e a Ásia Central > [Portugal e a intervenção militar no Afeganistão]  
- JANUS 2003 -

Janus 2003



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Portugal e a intervenção militar no Afeganistão

Elisabete Palma *

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O estatuto dos prisioneiros capturados pelas forças afegãs anti-taliban e norte-americanas é fonte de divergências entre o governo dos EUA e diversas organizações de defesa do direito internacional e humanitário. O estatuto de prisioneiro de guerra é salvaguardado pelas Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais, que consagram uma série de direitos a conceder aos indivíduos capturados num conflito. Os EUA não integram os taliban nesta categoria, considerando-os combatentes irregulares e, portanto, merecedores de um tratamento inferior ao constante na Convenção.

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Tal como em grande parte do mundo, também em Portugal o ataque terrorista sofrido pelos EUA no dia 11 de Setembro de 2001 alterou a percepção vigente sobre o funcionamento do sistema internacional, deixando claro que as ameaças actuais não mais estão confinadas a possibilidades de invasão por forças armadas convencionais ou ao monopólio dos Estados em termos de capacidade de agressão. A tradicional oposição Estado-Estado deixou definitivamente de ser a única e os conceitos de dissuasão assentes apenas na ameaça da retaliação nuclear tornaram-se insuficientes.

O inimigo passou também a ser uma entidade horizontal, não claramente definida, com ramificações em vários pontos do globo e, consequentemente, muito mais difícil de identificar e de enfrentar, deixando claro que nenhum Estado consegue sozinho fazer frente ao novo tipo de ameaças.

As respostas a nível estritamente nacional tornaram-se obsoletas. A dimensão do ataque ao “polícia do mundo” impôs por isso a necessidade da adaptação e actualização do funcionamento das instituições internacionais e, sobretudo, da revisão dos sistemas tradicionais de defesa militar e dos conceitos de segurança internacional.

 

O posicionamento de Portugal

As forças políticas portuguesas foram unânimes na condenação do ataque terrorista de que os EUA foram alvo.

A tomada de consciência de que certos aspectos da ordem internacional globalizante, como o tráfico de droga, o crime organizado e o terrorismo internacional – ameaças à segurança dos Estados numa escala global –, só podem ser combatidos eficazmente de forma conjunta, numa acção igualmente mundial, que implica níveis de coordenação e cooperação internacional até aqui inexistentes está igualmente na base da unanimidade nacional quanto à necessidade, desde logo, de uma inequívoca articulação da segurança interna e externa, que combine meios civis e militares e uma abordagem multidimensional (parece, em resultado, consensual a necessidade de adequação da Defesa Nacional aos novos tempos; as medidas previstas pelo actual Governo são abrangentes, estendendo-se desde a reforma da Defesa Nacional e das Forças Armadas até à reformulação de documentos conceptuais e legais).

Por outro lado, o consenso paira igualmente em torno da necessidade de congregação de esforços na luta efectiva ao combate das novas ameaças. Regista-se, no entanto, uma divergência de posições, quer na sociedade civil, quer a nível partidário, quanto à forma que a luta deve assumir, em particular no que se refere ao recurso à guerra. A posição oficial do país, expressa nas palavras do então primeiro-ministro António Guterres em conferência de imprensa realizada no próprio dia dos atentados, é de total disponibilidade para “participar em qualquer esforço conjunto acrescido (...) acordado a nível internacional”.

 

O contributo português

Em termos operacionais e no contexto da operação desencadeada pelos EUA à luz do direito de legítima defesa previsto no artigo 51º da Carta das Nações Unidas e reconhecido pelo Conselho de Segurança pela resolução 1368, de 12 de Setembro de 2001, Portugal participou, numa primeira fase, com o envio de uma equipa sanitária para operações de apoio humanitário ao Afeganistão. O destacamento sanitário, composto por 8 militares dos três ramos das Forças Armadas (2 médicos, 3 enfermeiros e 3 socorristas), começou a ser deslocado no dia 1 de Março de 2002 com o objectivo de reforçar o 16º Regimento Sanitário do Reino Unido, a actuar em Cabul, e viria a ser integrado na Força Internacional de Assistência e Segurança (ISAF), composta por 18 países e autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 20 de Dezembro de 2001. Para além do apoio aos militares da ISAF, esta equipa, que terminou a sua missão a 20 de Abril, prestou igualmente apoio à constituição do exército afegão e deu consultas em centros de saúde da cidade.

Em 7 de Abril, um primeiro destacamento aéreo português partiu para a Bélgica onde, conjuntamente com um avião C-130 desse país e no âmbito de um protocolo entre as duas Forças Aéreas, integrou um destacamento aéreo conjunto que chegou a Karachi a 10 de Abril. A partir desta cidade paquistanesa, a aeronave portuguesa faz voos de sustentação logística à ISAF – transporte de pessoal aliado, combustíveis e carga geral.

Em 3 de Junho de 2002 partiu para o Afeganistão um novo destacamento aéreo português (rotação de pessoal), composto por 15 militares, 6 da tripulação e 9 pessoal de manutenção. O regresso do destacamento a Portugal fez-se após concluídas as 150 horas de voo atribuídas.

Ainda no âmbito da coligação internacional de luta contra o terrorismo liderada pelos EUA – de natureza não apenas militar mas onde o apoio a nível político ou de intercâmbio dos serviços secretos são igualmente aspectos fundamentais –, mas apenas no quadro do movimento internacional de Adidos Militares, Portugal enviou para o Comando Central norte-americano em Tampa, Flórida, dois oficiais com o objectivo de estabelecer uma maior coordenação com os EUA.

Ao abrigo do acordo de cooperação e defesa celebrado entre os EUA e Portugal para a utilização da base das Lajes (já com 50 anos e renovado em 1995), mas também no âmbito da solidariedade militar entre os dois países no quadro da Aliança Atlântica, o nosso país autorizou aos EUA a utilização da base das Lajes e do espaço aéreo nacional para operações de luta contra o terrorismo. É igualmente intenção do Governo, sendo Portugal um membro originário da Aliança e parceiro no já referido acordo de cooperação e de defesa com os EUA, participar de forma activa, também neste quadro, na redefinição dos conceitos de segurança e defesa que o momento exige. Porém, tal poderá significar a necessidade de definir um novo conceito estratégico nacional, onde estejam expressas as reais ameaças e mesmo a subsequente alteração da política de investimentos nos sectores da defesa e da administração interna, visando a dotação de novos meios capazes de responder também ao terrorismo, como sejam agentes infiltrados ou operações de projecção de forças que actuem em áreas de situações de crise.

O papel de Portugal no contexto da resposta da comunidade internacional ao terrorismo estende-se também a outras dimensões relacionais. A presidência da OSCE, durante o ano de 2002, é entendida como uma excelente oportunidade para reforçar o papel da organização como elo de ligação com a Rússia e com as repúblicas da ex-União Soviética, visando a regularização geopolítica de toda a zona da Ásia Central, uma prioridade ainda mais premente no actual contexto internacional.

Paralelamente, Portugal, na sua qualidade de presidência em exercício, propôs a implementação célere de diversas medidas de combate ao terrorismo, das quais se destacam a assistência técnica aos Estados participantes para a ratificação e implementação das 12 convenções antiterroristas das Nações Unidas e das Resoluções 1368, 1373, 1377 e 1390 do Conselho de Segurança, o apoio, através das missões no terreno, dos esforços das Nações Unidas, o reforço da cooperação e coordenação com as organizações relevantes na elaboração e execução de projectos relacionados com o controlo das fronteiras e das alfândegas, a diversificação dos programas de formação, treino e reestruturação das polícias, a promoção de campanhas de sensibilização para a implementação do Código de Conduta sobre os Aspectos Político-Militares da Segurança, e o reforço de infraestruturas judiciais, também através do encorajamento da protecção e promoção dos direitos humanos e dos valores democráticos.

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As iniciativas no quadro da União Europeia

Mas o espaço privilegiado para o desenvolvimento da acção de Portugal em termos de combate à grande criminalidade organizada, na qual se inclui o terrorismo internacional, é a União Europeia (UE). A resposta dos Quinze aos novos tipos de ameaças assenta na prossecução de uma política global e coordenada, que inclui acções de natureza externa mas também interna.

A nível interno, o Plano de Acção contra o Terrorismo procura viabilizar uma Europa que possa continuar aberta mas que, em simultâneo, proteja os seus nacionais, a sua economia, sociedade e instituições dos novos tipos de ameaças).

No plano externo, visando o aumento da segurança internacional, foi reforçada a parceria com os EUA, quer através de uma nova dimensão, a cooperação policial e partilha de informações – nomeadamente entre a Europol e as agências americanas CIA e FBI –, quer na área militar propriamente dita, com a NATO como quadro genérico de solidariedade, ao abrigo da activação política do artigo V, e acordos múltiplos, de alcance variável, para a efectivação de acções detalhadas. Incremento sofreu igualmente a cooperação no seio das organizações internacionais, destacando-se aqui o papel das Nações Unidas como enquadramento adequado para a legitimação ou uso da força e para a adopção de instrumentos de direito internacional que permitam fazer face às novas ameaças, nomeadamente convenções visando a repressão do terrorismo internacional e do seu financiamento. O diálogo, aproximação e assistência económica ao mundo árabe e aos países muçulmanos, assim como o apoio ao relançamento do comércio internacional, assumem particular relevância ao nível da cooperação económica e da assistência técnica e financeira aos países vizinhos do Afeganistão, necessárias para que nesta região se criem as condições que permitam a sua estabilidade, reconstrução e a erradicação do terrorismo. Essa mesma estabilidade passa, segundo a UE, também pelo relançamento do processo de paz no Médio Oriente.

Paralelamente e ainda na qualidade de membro da UE, Portugal defende a necessidade de dar mais conteúdo, e um conteúdo mais definido, à NATO, e o reforço da política externa e de defesa comum da União. Ao mesmo tempo, destaca a sua posição privilegiada, por razões históricas e geográficas, para fazer a ponte entre diferentes culturas e civilizações, necessária para desfazer a ideia errónea de que o mundo árabe e o islão são sinónimos de terrorismo. De referir também que, em termos de ajuda humanitária, o contributo português, de um milhão de euros – inserido no conjunto da ajuda da UE aos refugiados do Afeganistão (352 milhões de euros, dos quais 103 milhões serão retirados do orçamento comunitário) – é canalizado para três organizações principais: a AMI, a Oikos e a Focus, esta última pertencente à Fundação Aga Khan.

 

Informação complementar

Entidades policiais e serviços de informações portugueses

Os diversos organismos com competências policiais – Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública, Polícia Judiciária, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Órgãos dos Sistemas de Autoridade Marítima e Aeronáutica – estão incumbidas de manter a ordem pública e de prevenir e investigar crimes. O Serviço de Informações de Segurança é o organismo responsável pela produção de informações que contribuam para a salvaguarda da segurança interna e a prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e da prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido e tem já um historial de laços de cooperação com os serviços de informações dos Quinze e da NATO. O Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares está incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais, da segurança externa do Estado Português, para o cumprimento das missões das Forças Armadas e para a segurança militar.

 

Portugal e as Medidas no Quadro da União Europeia

Os esforços de criação de um Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça na UE, até 2004, que desde o Conselho Europeu de Tampere (Outono de 1999) enfrentam inúmeras dificuldades ligadas às diferentes culturas e tradições judiciais, adquiriram um novo fôlego com os atentados terroristas de Setembro de 2001. Parte desse novo ímpeto deve-se à natureza de duas propostas, já aprovadas, da responsabilidade do comissário pela cooperação policial e judiciária na UE, António Vitorino, que se destinam a obter uma harmonização mínima das legislações nacionais dos Quinze em matéria de combate ao terrorismo.

A primeira instituiu uma definição comum do crime de terrorismo no espaço comunitário, a vigorar em todos os países, e que é acompanhada de uma lista de penas harmonizadas aplicáveis consoante o grau de gravidade, que podem chegar aos 20 anos de prisão.

A segunda tem um âmbito mais vasto e abarca todas as formas de grande criminalidade organizada – desde o tráfico de seres humanos, sobretudo crianças, e a exploração sexual, até ao branqueamento de capitais – e instituiu o “mandato de busca e captura” ao nível europeu.

As decisões do poder judicial de um país passam a ser automaticamente reconhecidas e executadas em todos os ou-tros, eliminando a componente política dos processos de extradição. O mandato europeu acaba igualmente com a possibilidade de um país recusar a extradição de um dos seus nacionais, o que pressupõe que, em matéria penal, os cidadãos passarão a ser «europeus», aplicando-se a todo o tipo de crimes passíveis de penas de prisão superiores a quatro meses. Esta medida permite, nomeadamente, acabar com os processos de extradição entre paí-ses membros da UE e com toda a tramitação burocrática que acarretam.

No âmbito do Plano de Acção contra o Terrorismo, para além destas, foram iniciadas outras 77 acções internas de combate à grande criminalidade visando a uniformização dos procedimentos de segurança interna no espaço europeu, a seguir sintetizadas:

• Criação de uma rede europeia de procuradores – Eurojust – que permitirá a instrução comum de processos judiciais ligados à grande criminalidade envolvendo vários países europeus, nas áreas do terrorismo, branqueamento de capitais e cibercriminalidade;

• Reforço da cooperação a nível da investigação criminal e na área da justiça, colocando os serviços secretos e de polícia dos Quinze a cooperar de forma directa entre si na prevenção do terrorismo e na reacção a eventuais atentados (troca de informações entre serviços secretos e polícias e formação comum na luta contra o terrorismo das unidades de choque e dos comandos das forças especiais de segurança);

• Elaboração de uma lista comum de organizações, pessoas, grupos e entidades terroristas que identifique os presumíveis membros que residam no território da UE;

• Reforço da cooperação policial no seio da Europol (também através da activação de uma equipa antiterrorista). Inventário das medidas nacionais de planos de alerta e emergência, controlo das fronteiras internas e melhoria do sistema de informação no espaço Schengen;

• Estabelecimento de medidas de combate ao financiamento de organizações terroristas e adopção de regulamentação em matéria de congelamento dos bens, na sequência da resolução 1373 do Conselho de Segurança das Nações Unidas;

• Reforço e adopção de novas medidas de segurança aérea e marítima, bem como acções de prevenção quanto à circulação rodoviária e ferroviária;

• Cooperação entre os Estados membros em matéria de ameaças de utilização de meios biológicos e químicos, enquadrada nas actividades da Agência Europeia da Protecção Civil;

• Garantia do equilíbrio entre a protecção de dados pessoais e a eficácia da investigação criminal.

Outras medidas em estudo são a criação de um registo central dos vistos concedidos a estrangeiros e dos residentes de países terceiros no território comunitário, que deverá ser acessível a todas as polícias dos Quinze e a disponibilização da base de dados Eurodac, que centraliza as impressões digitais dos candidatos ao asilo político, à Europol, que tem a missão de centralizar as informações dos Quinze.

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* Elisabete Palma

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL.

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