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Do mandato britânico ao Estado de Israel

Fernando Amorim *

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A Inglaterra reconhece em 1917, através da Declaração Balfour, o direito ao estabelecimento de judeus na Palestina, com o objectivo de adquirir controle estratégico sobre a região no período da I Guerra Mundial. Os termos desta declaração foram incluídos no Mandato Britânico para a Palestina (1923-48), confiando à Grã-Bretanha a assistência aos judeus “na reconstituição do seu Lar Nacional”. Em 1947, com a retirada dos britânicos da Palestina, a ONU aprova um plano de partilha do território entre árabes e judeus, ficando Jerusalém com o estatuto de zona internacional sob a sua jurisdição.

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A formulação, no 1º Congresso Sionista (1897), organizado por Theodor Herzl, fundador do sionismo político, do Programa de Basileia que estabelecia, como objectivo primeiro da Organização Sionista Mundial (WZO), a criação “para o povo Judaico de um Lar na Eretz-Ysra’el garantido pelo Direito Público”, se rejeitava formalmente a tese da assimilação europeia do povo judeu, conceptualmente, ao defender um “Lar” sem assumir a ambição do “Estado”, não apenas admitia a utopia deste projecto, considerando o fracasso no garantir do apoio do kaiser Guilherme II da Alemanha e do sultão Abd al-Hamid II da Turquia, potência imperial na Palestina, como também reflectia a diversidade das correntes unidas no movimento sionista mundial.

Com efeito, a criação desse “Lar” na Palestina e não em qualquer outra parte, como pretendia a Teoria do Territorialismo, era o avanço mais marcante que abria novos horizontes ao renascimento judaico, porquanto, concentrava ali o esforço de criação de colónias judaicas levado a cabo, entre outras, na Argentina e outros países americanos, pela Jewish Colonisation Association, fundada em Londres pelo barão Hirsch (1831-1896). Mas a Assimilação e o Territorialismo continuariam latentes no seio da WZO.

Demonstra-o, quanto à primeira, a apresentação pelas delegações judaicas à Conferência de Paz (Versalhes, 1919), como solução do “problema judeu”, a protecção das sua comunidades nos novos estados da Europa Central e Oriental (Polónia, Roménia, Grécia, Áustria, Hungria, Jugoslávia e Checoslováquia) ou a ocupação da Palestina. Quanto ao segundo, a polémica em torno do plano de Herzl de colonização do Uganda, na África Oriental, ao qual a Inglaterra deu o seu acordo de princípio, permitindo o envio de uma “comissão de pesquisa” (1903-1905), aprovada no 6º Congresso Sionista (26.08.1903) por 295 votos a favor, 178 contra e 100 abstenções, que dividiu o movimento sionista.

A rejeição deste plano no 7º Congresso, fundamentada no parecer britânico da sua impraticabilidade, levou à cisão no movimento e à fundação por Israel Zangwill da Organização Territorialista Judaica (ITO, 1905) que procurou concretizar o projecto do Lar Nacional no Canadá e na Austrália, impedidos pela população local, a que se seguiram, com poucos resultados, expedições à Mesopotâmia (Iraque), Cirenaica (Líbia) e Angola, e o projecto de colonização do sudoeste dos EUA, relativamente concretizado na emigração de 9.300 Judeus para Galverston (Texas), entre 1907 e 1914.

 

A Declaração Balfour

A crise estalou na ITO ao concluir-se que o projecto de Eretz-Ysra’el, de utopia tornara-se numa possibilidade, quando a Inglaterra, para assegurar, na 1ª Grande Guerra (1914-1918), o controle estratégico sobre a Palestina, até então sob domínio turco-otomano, procurou ganhar o apoio do movimento sionista para a causa Aliada, tornando público na Declaração Balfour (2.11.1917), o compromisso do governo britânico que encarava “(...) favoravelmente o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina (...) (sem) prejudicar os direitos civis e religiosos das colectividades não judaicas que vivem na Palestina (...)”. Contudo, a fractura no movimento sionista persistiria até ao fim da 2ª Guerra Mundial, com os judeus americanos a concentrarem o seu auxílio nos judeus europeus, em detrimento da Palestina, de que a Diáspora não possuía senão uma visão bíblica.

O facto de aquela terra poder ser habitada por outro povo parecia aos líderes sionistas uma descoberta chocante, pelo que se recusaram, durante vários anos, a reconhecer oficialmente a presença árabe e os seus direitos. Herzl não mencionaria os árabes em qualquer dos seus discursos nos congressos sionistas mundiais. Posição contrastante com a clemência e tolerância turco-muçulmana para com os judeus da palestina: o califa Omar dera-lhes uma paz relativa e permitira o “regresso” das primeiras vagas de emigrantes após os progroms de 1881-1882, na Rússia. Só em 1925, oito anos após a criação do Lar Nacional Judeu na Palestina, é que o dirigente sionista (1921-29) Chaim Weizmann, figura fundamental na obtenção daquela declaração, reconheceu a importância do problema árabe e do seu direito à igual existência de um Lar.

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O mandato britânico

Sem embargo, os termos da Declaração Balfour foram incluídos no Mandato Britânico para a Palestina (1923-1948), aprovado pela Sociedade das Nações, que confiava à Inglaterra, potência administrante de facto desde 1920, a administração e a assistência aos judeus na “reconstituição do seu Lar Nacional naquele país”. Estabelecia-se, também, a constituição (efectivada em 1929) da Agência Judaica para a Palestina, organização semigovernamental (núcleo original do futuro governo israelita) que exerceria alguma autoridade política sobre os judeus na Palestina, cabendo-lhe ainda a coordenação do apoio financeiro à causa judaica.

Os árabes sentiram aquela declaração como uma traição inglesa. Embora tivessem recebido, por meio de cartas trocadas entre o representante inglês no Egipto e o xerife de Meca, uma promessa análoga (1915-16) à que Lord Balfour fizera aos judeus, de lhes ceder, após o fim da I Grande Guerra, um vasto reino independente, se eles se sublevassem contra os turcos, aliados da Alemanha, o facto é que, estimulados por esta promessa e pela eloquência do coronel T. E. Lawrence, cumpriram a sua palavra, enquanto a Inglaterra, secretamente, no acordo Sykes-Picot (Moscovo, 1916), no âmbito da partilha do Império Otomano, cedia à França um enorme quinhão da zona que já lhes fora prometida. Afastados de Damasco e da Síria pela França, com as suas reivindicações na Palestina contrariadas pela promessa de Balfour aos judeus e pela tutela do mandato britânico, a coexistência com os judeus, que aceleraram a Yishuv (colonização), tornou-se problemática: Tel-Aviv era já a maior cidade inteiramente judaica; os kibbutzim multiplicaram-se; em três habitantes de Jerusalém dois eram judeus e o seu número representava a sexta parte do povoamento judeu em toda a Palestina. Motins recorrentes nos anos 20, entre árabes e judeus, culminariam numa rebelião geral dos árabes da Palestina (1936-39) e na emergência do radicalismo sionista com o Novo Partido Sionista de Ze’ev Jabotinsky que advogava a criação de um Estado Judeu nas duas margens do rio Jordão.

A luta armada e a desobediência civil dos árabes forçaram o governo britânico, nas vésperas da II Guerra Mundial, após três comissões de inquérito, a alterar a sua política para a Palestina, numa tentativa de apaziguar o mundo árabe. O Livro Branco (Memorando MacDonald), de 1939, pôs fim ao empenhamento britânico para com o sionismo ao declarar “que o Lar Nacional Judaico (...) já tinha sido estabelecido” advogando o estabelecimento de um Estado Palestiniano no prazo de dez anos.

A maioria árabe na Palestina era garantida por uma cláusula que estabelecia uma quota de imigração de 75.000 judeus para os 5 anos seguintes, dependendo a imigração adicional do consentimento árabe.

O Livro Branco quebrou a aliança anglo-sionista e galvanizou o yishuv, em violentos protestos de oposição às autoridades britânicas, conduzindo, em Maio de 1942, à aprovação pelos líderes sionistas do Programa Biltmore que claramente reivindicava uma Comunidade Democrática Judaica, isto é, um Estado em toda a Palestina ocidental, e à constituição de organizações sionistas radicais e de guerrilha como o Irgun Zvai Leumi (Organização Militar Nacional), o Etzel ou o Lehi.

 

O plano de partilha da Palestina e o estabelecimento do Estado de Israel

Num contexto de retirada colonial e exaurida por sete anos de guerra, a Inglaterra decidiu retirar-se da Palestina em 1947, solicitando à ONU resoluções que definissem o futuro estatuto da região, culminando na dramática aprovação (29.11.1947) de um plano de partilha da Palestina num Estado árabe e num Estado judeu, tendo Jerusalém estatuto de zona internacional sob jurisdição da ONU.

O mapa da partilha atribuía 57% da Palestina aos judeus, quando a maior parte das terras do futuro Estado Judeu e quase metade da sua população eram árabes.

Para os judeus, significava uma mutilação das suas aspirações, mas permitia-lhes realizar o sonho duas vezes milenar de um Estado. Para os representantes dos 56 países membros da nova Organização das Nações Unidas, esta partilha representava a solução para trinta anos de guerra civil na Palestina, mas também o alijar de uma secular má consciência, concedendo aos sobreviventes do Holocausto alguns milhares de quilómetros de terra praticamente inculta onde se instalassem, não constituíssem minoria e pudessem tornar-se cidadãos como os outros homens. “Direitos históricos”, direitos espirituais e direitos humanos mesclavam-se para fazer do reconhecimento desse Estado a legítima compensação das injustiças da História.

Para os árabes, especialmente, os da Palestina, a partilha constituía uma decisão arbitrária que era imposta a quem tinha aberto as portas aos judeus enquanto a maior parte dos países da Europa lhas fechava; a imposição de um novo status quo ao Islão que nada tivera a ver com a longa sucessão de perseguições anti-semitas cometidas pelas nações cristãs da Europa, e que culminaram no Holocausto. Hostis a qualquer partilha, os árabes propunham uma solução inaceitável, desta vez, para os judeus: a criação de um único Estado árabe, onde os judeus teriam os mesmos direitos que os árabes, mas continuando a ser demograficamente uma minoria. Na Palestina, eclodiu a revolta de 1.200.000 palestinianos árabes, 92% da população local, contra a partilha de um território no qual constituíam a maioria há sete séculos, aos seus olhos, um acto monstruoso de iniquidade perpetrado pelo “imperialismo ocidental” (EUA e URSS votaram a favor) a fim de reparar um crime (anti-semitismo e Holocausto) que eles, árabes, não tinham cometido.

Num quadro de guerra civil generalizada, à meia-noite de 14 de Maio de 1948, o mandato britânico sobre a Palestina terminou e os judeus proclamaram o estabelecimento do Estado Judeu na Palestina, designado Medinat Ysra’el (Estado de Israel), “aberto à imigração de Judeus da Diáspora”, e em guerra com os palestinianos e 5 países árabes vizinhos, Egipto, Transjordânia, Síria, Líbano e Iraque.

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* Fernando Amorim

Mestre em História-História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente na UAL.

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