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Evolução recente das indústrias da defesa

José Manuel Rolo *

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O fim da Guerra Fria produziu alterações nas indústrias de defesa, tendo em conta um novo contexto de segurança internacional. Na Rússia houve uma clara diminuição da actividade do complexo militar industrial com o encerramento de inúmeras empresas e despedimentos. Nos EUA procedeu-se a uma reconversão, traduzida numa política de fusões, aquisições e de ligação entre as indústrias de defesa e as empresas de tecnologias de informação e de comunicação. A Europa debate-se com dificuldades de reestruturação, baseadas nas diferentes legislações nacionais em matéria de defesa.

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O fim da Guerra Fria, ao criar um novo contexto de segurança a nível internacional, provocou transformações profundas nas indústrias da defesa, um pouco por toda a parte.

 

Crise e recuperação

Na primeira metade dos anos 90, a redução drástica da procura de equipamentos militares deu origem a uma quebra generalizada da produção de armas que afectou todos os países produtores, especialmente os de maior dimensão.

A maior quebra registou-se na Rússia, cujo complexo-militar-industrial (VPK) conheceu uma redução de actividade da ordem dos 90%. No âmbito da NATO, as indústrias da defesa foram seriamente afectadas pelo decréscimo, de cerca de 40% em termos reais, das despesas com a aquisição de equipamentos militares. Foi um período em que, ainda sob os efeitos dos “ideais desarmamentistas”, se falou muito de reconversão das indústrias da defesa, uma actividade que não chegou a consolidar-se, dada a dinâmica de estabilização e posterior recuperação da produção de armas, induzida pela reanimação do “mercado dos conflitos regionais” e pelas doutrinas do “hegemonismo” e, mais recentemente, do chamado “neoconservadorismo messiânico”.

A partir de meados dos anos 90, a produção de armas recuperou do marasmo em que havia caído: as vendas do VPK não pararam de subir até hoje; as despesas com equipamento da NATO – Europa aumentaram quase 10% em termos reais; estimativas de vendas de armas efectuadas por vários países vão igualmente no sentido de uma recuperação; a evolução recente dos orçamentos de defesa dos EUA, do Reino Unido e da França, para não falar senão dos países mais importantes, também constituem “boas notícias” para as indústrias da defesa.

 

Reestruturação

A actual situação das indústrias da defesa é fruto da concretização de estratégias de reestruturação diferenciadas, operadas, conjuntamente, pelos governos e pelas empresas dos principais países produtores de armas.

Na Rússia, o ajustamento operado pelo VPK resumiu-se ao emagrecimento da indústria (o que provocou desemprego, encerramento de empresas), a algumas reestruturações e reconversões e a uma tentativa, algo desesperada mas bem sucedida, de aumentar as exportações.

Nos EUA, o ajustamento foi promovido pela Administração, impulsionado pelos detentores privados das indústrias da defesa, e acelerado pelos boards dessas empresas num quadro de actuação quase exclusiva das forças de mercado.

A reestruturação ocorreu graças a uma bem sucedida política de fusões e aquisições, sobretudo no sector aeroespacial, que beneficiou de uma pragmática intervenção da Administração caracterizada por uma “interpretação conveniente” das leis anti-trust e por uma poderosa e generosa política de incentivos financeiros e de subsídios à concentração, à racionalização e à modernização dessas indústrias.

Um aspecto crucial dos ajustamentos operados nas indústrias da defesa nos EUA residiu na ênfase concedida ao relacionamento das indústrias da defesa com as empresas das tecnologias de informação e comunicação, que deu origem a, pelo menos, duas novas gerações de armamentos, já utilizados em larga escala na Jugoslávia, no Afeganistão e, mais recentemente, no Iraque.

Sintetizando este poderoso relacionamento estratégico entre as indústrias da defesa e as novas tecnologias, o Business Week sustentava, recentemente, que Silicon Valley, mais do que um centro de negócios é, hoje, um autêntico arsenal.

A consolidação acelerada das indústrias da defesa americanas e a sua crescente preponderância nos mercados internacionais de armamentos incitou os líderes políticos e os industriais europeus a desencadear um processo de reestruturação das empresas europeias da defesa, onde as fusões e aquisições também assumiram papel de relevo.

Este processo, que começou com um atraso de pelo menos três anos, está, ainda hoje, longe de ter terminado e tem sido consideravelmente mais complexo do que foi nos EUA. Com efeito, a União Europeia (UE) viu-se confrontada com a necessidade de racionalizar a actividade de numerosas empresas de diferentes nacionalidades, governadas por regras muito diferentes, cujas relações com os Estados variavam substancialmente de país para país. As forças de mercado não estavam em condições de operar como operaram nos EUA e a intervenção dos governos tornou-se inevitável.

Contudo, ao contrário dos EUA, onde a intervenção da Administração constituiu um complemento da acção plena das forças de mercado, na UE, a intervenção dos governos pautou-se, essencialmente, por critérios de natureza política. A lógica económica subjacente às fusões e aquisições estava relativamente mal definida; não havia nenhuma autoridade europeia em posição de propor e aplicar os incentivos necessários à concretização das fusões e aquisições; as empresas não dispunham de suporte legal que facilitasse as fusões e aquisições; não havia regras comuns sobre standards, exportações, transferências de tecnologia, etc. Consequentemente, quando foram confrontados com a urgência de reestruturar as indústrias da defesa, os líderes europeus não dispunham das condições necessárias ao êxito da estratégia adoptada. Convém recordar que, no seio da UE, as indústrias da defesa constituem o sector mais fragmentado da economia. Por força do Artigo 296º (antigo 223º) do Tratado da UE, os contratos envolvendo armamentos são da esfera exclusiva das soberanias nacionais e a intervenção a nível europeu só é aceite pelos Estados se dirigida ao fortalecimento das indústrias nacionais. Deste modo, qualquer acção a nível europeu destinada a promover a estandardização dos armamentos ou a simplificar as regras da concorrência é interpretada como um acto lesivo da soberania dos Estados.

Neste contexto cheio de restrições, a Comissão Europeia desenvolveu uma grande actividade visando a harmonização das indústrias da defesa, a qual, contudo, até agora, não produziu os resultados desejados. Mas, desde que, no quadro da necessidade do desenvolvimento de uma Política Europeia de Segurança e Defesa Comum (PESDC), foi assumido o compromisso de criar uma Força de Reacção Rápida e, desde que, em 1998, seis Estados europeus (França, Alemanha, Itália, Espanha, Grécia e Reino Unido) assinaram a chamada Carta de Intenções que conduziu ao Acordo Quadro das Seis Nações (que se destina a facilitar a reestruturação das indústrias europeias de defesa e manter a sua competitividade a nível internacional), a política de fusões e aquisições a nível europeu conheceu desenvolvimentos interessantes.

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A criação da agência OCCAR envolvendo a França, a Alemanha, a Itália e o Reino Unido, ao criar condições para uma gestão eficiente e efectiva dos programas de cooperação entre as empresas europeias da defesa, também deu um contributo importante para a integração dos mercados europeus de armamentos e para o desenvolvimento e consolidação de numerosos programas europeus de cooperação, com destaque para a Eurofighter, o Meteor e o A400M.

Graças à acção conjugada de todos estes “instrumentos facilitadores da criação de um mercado europeu de armamentos”, a reestruturação das indústrias europeias da defesa conheceu avanços significativos, quer a nível europeu, com a criação de empresas europeias como a EADS (França, Alemanha, Espanha), a MBDA (Reino Unido, França, Itália) e a Astrium (100% EADS), quer a nível nacional, com a criação da Thales (ex Thomson – CSF, França) e da BAE Systems (Reino Unido). Apesar dos progressos alcançados, como foi observado no pós-Kosovo, “tomando o esforço de defesa dos EUA como 100, o correspondente esforço europeu ainda só vale 60 e os seus efeitos não vão além de 15”.

 

Tendência para a concentração

As fusões e aquisições constituíram o “prato forte” dos recentes processos de reestruturação verificados nas indústrias da defesa do Ocidente. Foram particularmente visíveis no sector aeroespacial (nos EUA, os actuais quatro gigantes do sector são o resultado das fusões e aquisições que envolveram vinte e duas empresas), mas também tiveram significado nos sectores dos armamentos terrestres e navais. Provocaram um espectacular aumento dos níveis de concentração das indústrias da defesa que se podem confirmar no quadro que exibe os rácios de concentração das actividades das maiores empresas produtoras de armamento que integram a lista das 100 maiores do SIPRI (2002).

Estes rácios, além de revelarem uma tendência persistentemente crescente, têm duas características curiosas: em 1990 e 1995 são sempre inferiores aos das vendas totais dos respectivos grupos de empresas; em 2000, os dos grupos das 5 e das 10 maiores empresas ultrapassam os das respectivas vendas totais e nos outros dois grupos ficam muito próximos, o que não era habitual. Quer isto dizer que as indústrias da defesa passaram a ser dominadas por um número cada vez menor de empresas que cada vez mais se concentram no negócio das armas. Os mercados dos armamentos tornaram-se, assim, mais inacessíveis e exclusivos.

Igualmente elucidativo do grau de concentração das indústrias da defesa é o quadro que mostra a distribuição regional das vendas das empresas da lista do SIPRI. Em 2000, o valor total dessas vendas atingiu os 159 mil milhões de dólares.

A quota de mercado detida pelas empresas americanas, já de si impressionante, adquire um significado ainda maior quando se constata que a quota de mercado da Europa Ocidental se reparte por sete países e por uma grande empresa, a EADS, que é participada por três países europeus.

A evolução das vendas das 10 maiores empresas descrita no quadro correspondente também ajuda a construir o perfil da concentração da indústria da defesa. Confirma-se que, a partir de 1995, o negócio das armas não deixou de prosperar para estas empresas: as 5 maiores venderam cerca de 42% do total das 100, e as 10 maiores venderam cerca de 58%. Com excepção da Boeing, da EADS e da TRW, trata-se de empresas cujo negócio principal são as armas. E das 10, 7 são americanas.

Níveis de concentração desta grandeza, além de serem absolutamente impeditivos de novas entradas nos mercados, provocam uma competição desenfreada que, com frequência, cria condições para que as empresas mais eficientes absorvam as menos eficientes, perpetuando, assim, a tendência para a concentração.

Independentemente dos respectivos modelos de integração (horizontal, vertical, conglomerado,...), estas grandes empresas constituem redes de participações, dotadas de impressionantes carteiras de parcerias, alianças estratégicas e projectos cooperativos. As indústrias da defesa nacionais que pretendam participar nos mercados de armamentos só têm que debruçar-se sobre este emaranhado de interesses organizados, para aí tentar encontrar um espaço de intervenção adequado às suas potencialidades.

 

Portugal

As indústrias portuguesas da defesa estão organizadas, desde 1996/1997, em torno da EMPORDEF – Empresa Portuguesa de Defesa (SGPS), S.A. A criação desta holding “resultou da necessidade de relançar e aprofundar o processo de reestruturação das indústrias de defesa nacionais (...) de forma a (...) adequar a sua actividade ao desanuviamento nas relações internacionais iniciado ao longo da década de 90 e (...) procurar soluções estruturais para empresas em situação económica e financeira largamente degradada” (Relatório e Contas, 1999). Segundo o Relatório de Gestão e Contas de 2002, as empresas que constituem o universo da EMPORDEF são as seguintes: OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, SA (100%); INDEP - Indústria da Defesa, SA (100%); SPEL – Sociedade Portuguesa de Explosivos, SA (51%); IDD – Indústria de Desmilitarização e Defesa, SA (100%); NAVALROCHA – Sociedade de Construção e Reparação Navais, SA (40%); EDISOFT – Empresa de Serviços e Desenvolvimento de Software, SA (30%); EID – Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Electrónica, SA (31%); PORTUGAL SPACE – Tecnologias e Serviços Espaciais, SA (71%) que, por sua vez, detém uma participação de 51% na GEOGRAF – Sistemas de Informação Geográfica, Lda; DEFLOC (Locação financeira para aquisição de helicópteros – 81%); SUBLOC (Locação financeira para aquisição de submarinos, ainda inactiva – 30%).

Está em curso um plano de reestruturação do grupo que tem por objectivos “a liquidação das empresas de interesse estratégico reduzido e sem viabilidade económica; a venda de participações financeiras em empresas sem interesse estratégico; a manutenção da actual situação nas empresas com interesse estratégico e com uma situação económica--financeira estabilizada; a redefinição do regime de parcerias estratégicas estabelecido.” (id., pp. 19/26)...

 

Informação Complementar

Concentração da produção de armamentos

Como resultado das fusões e aquisições verificadas nas indústrias da defesa, a produção de armamentos é hoje dominada por um reduzido número de grandes empresas que, cada vez mais, estão concentradas no negócio das armas. Em 2000, as dez maiores, sete das quais são americanas, tiveram um volume de vendas que representa cerca de 58% do volume de vendas das cem maiores.

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* José Manuel Rolo

Doutor em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa. Investigador Coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Evolução das vendas das 10 maiores empresas produtoras de armamento

Link em nova janela Distribuição regional das 100 maiores empresas de armamento e das respectivas vendas de armas

Link em nova janela Rácios de concentração da produção de armamento

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