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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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A CPLP na encruzilhada

André Corsino Tolentino *

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Na base da criação da CPLP estiveram as ideias chave da língua portuguesa e da liberdade. A sua génese está na década de 60, altura em que o presidente brasileiro Jânio Quadros rompia definitivamente com a tradicional cumplicidade deste país em relação à política colonial portuguesa. Após a conferência de Bandung, em 1955, e da resolução 1514 da ONU, sobre o direito dos povos à autodeterminação, sucederam-se as independências em África, afirmando Amílcar Cabral que a luta não era contra o povo português nem contra a língua portuguesa, constituindo esta o melhor legado da época colonial.

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Fala-se pouco da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e muito desse pouco é para dizer mal. Porque é uma organização recente, justificam uns, não tem visibilidade, sugerem outros, faltam-lhe razão de ser e, por conseguinte, linha de rumo, asseveram os críticos mais radicais.

Pretendemos demonstrar que a viabilidade da CPLP depende da sua utilidade perceptível e que esta está directamente relacionada com o regresso à missão fundadora, um modelo de gestão por objectivos e um inequívoco comprometimento político por parte de todos os governos dos países membros.

 

Ideias força nos antecedentes da CPLP

Sem ir muito longe na investigação das raízes da CPLP, encontramos duas ideias força e um marco histórico. As ideias são a liberdade e a língua portuguesa, o marco é a década de 60 do século passado, uma década de contradições e promessas.

Foi nessa altura que o Presidente Jânio Quadros rompeu definitivamente com a tradicional cumplicidade do Brasil com a política colonial de Portugal, enterrando a velha ideia de que a independência à brasileira, por obra e graça de um príncipe e uma elite metropolitana, seria o único modelo aceitável, quando fosse, para as colónias de África e Ásia.

Esta mudança na política externa do Brasil teve, entre outras consequências, qualificar o maior país lusófono para o desempenho de um papel crucial na criação e viabilização do que haveria de ser a CPLP. A mudança resultou de uma evolução interna, que esclareceu aspectos importantes da identidade brasileira e também, de factores externos.

Efectivamente, os ventos da História, como então se dizia, sopraram com mais força depois da Conferência Afro-Asiática de Bandung, na Indonésia, em 1955, que fundou o Movimento dos Países não Alinhados e, mais tarde, depois de 1960, ano da aprovação da resolução 1514 da ONU, que consagrou o direito dos povos à independência e, implicitamente, o nativismo – o contrário ideológico do paradigma brasileiro de independência, no qual o poder colonial português insistia em acreditar.

Em África, as independências sucediam-se e nas colónias portuguesas, falhadas as tentativas de negociação, os movimentos de libertação nacional recorriam à luta armada, sem nunca deixar de afirmar um princípio também fundamental, que Amílcar Cabral expressaria no estilo lapidar que lhe era próprio: a luta não era contra o povo português, nem contra a língua portuguesa, que seria, aliás, no entender dele, o melhor legado da era colonial.

Hoje, tal afirmação parece fácil, quase banal. Todavia, nos anos de brasa (60 e 70), fazer tais declarações e agir em conformidade com elas exigiam visão e coragem excepcionais. Esta linha de pensamento fez escola e, mais tarde, influenciou a atitude das antigas colónias e comunidades de África e Ásia em relação à CPLP.

Significativamente, nesses anos difíceis de descoberta da força da identidade, em que muito se praticou o esquecimento selectivo e a recriação direccionada, também anos de luta contra o analfabetismo e a ignorância, a língua da colonização expandiu-se levada por ondas de emoção, como se fosse para recuperar tempos perdidos. Timor Leste é o palco da demonstração mais recente deste impulso idílico.

Aprendia-se a Liberdade e a Democracia com a experiência do português em diálogo espontâneo com os idiomas matriciais, muitas vezes contra as directivas da metrópole. Os líderes e os intelectuais dos movimentos nacionalistas, que lutavam, cada um à sua maneira, pelo resgate da dignidade dos povos oprimidos, lá e cá, atentos ao património imaterial comum acumulado por soldados, comerciantes, missionários e professores, eram quase sempre os primeiros a darem o exemplo no bom uso, ensino e difusão da língua comum.

Em Portugal dos anos 60, além dos movimentos abertamente anticolonialistas, registaram-se dois episódios no fio da história da CPLP – a organização, por Adriano Moreira, de dois congressos das comunidades da cultura portuguesa. O primeiro em 1964, na capital do então Portugal do Minho a Timor, e o segundo, em 1967, a bordo do navio Príncipe Perfeito, navegando seguramente contra a maré, para a Ilha de Moçambique. Desses dois congressos elucidativos das contradições que então minavam a ordem colonial, resultaram a União das Comunidades Portuguesas e a Academia Internacional da Cultura Portuguesa, ambas com o mérito de fazer pensar na importância da sociedade civil para a Democracia e projectar a Lusofonia, então sem nome, como fenómeno integrador de comunidades num todo que transcende e transforma as partes.

A verdade histórica é que a razão da força impôs-se e fizeram-se as guerras, até que o nosso “Dia D” atou laços entretecidos em português, ao longo de séculos, em todas as terras do império, para dar os fundamentos de uma comunidade livre, solidária e interactiva. Esse momento, de avultado valor histórico e importância simbólica para a CPLP, é o 25 de Abril de 1974.

Enquanto a Democracia se instalava no Brasil e se insinuava em Portugal, os territórios então coloniais tiveram destinos diferentes, mas hoje todos beneficiam, com intensidade variável, do processo global de abertura e defesa da identidade cultural.

A História reservou três caminhos diferentes às colónias de Portugal: o modelo brasileiro, que não se repetiu; o triunfo do nativismo em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, assim como em Timor Leste; e, finalmente, a reintegração de Goa, Damão e Diu mais Macau, na Índia e China, respectivamente.

Cabe sublinhar aqui o facto de a pertença a um agrupamento histórico e linguístico ser, de certo modo, independente do destino político da comunidade, razão pela qual, a emigração e os territórios não soberanos serão sempre importantes componentes da família de língua portuguesa. A este propósito, o caso de Macau será, a vários títulos, paradigmático.

Se, por um lado, o autismo colonial, numa das suas manifestações mais aberrantes, impediu o reconhecimento do chinês como língua oficial de Macau até à década de 90 do século XX (não é anedota!), por outro, a criação e o sucesso do Instituto Português do Oriente é um bom exemplo de como um povo instruído e governado democraticamente pode valorizar e devolver a sua própria história à Humanidade.

 

Instituições percursoras da CPLP

Em datas mais recentes, entre os precursores da CPLP, encontramos duas instituições cuja natureza interessa ao tema em discussão: a Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), fundada na cidade da Praia, Cabo Verde, em 1986, com a intenção explícita de acompanhar de perto a cooperação bilateral e privilegiar a interacção multilateral nos domínios do ensino e da ciência. Outro precursor da CPLP foi o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), criado no Maranhão, Brasil, em 1989, hoje com sede na cidade da Praia, Cabo Verde. Naquela época de reencontros significativos, em ambos os lados do Atlântico, Brasil e Portugal, dois homens distinguiram-se da forma invulgar que é antecipar o futuro na acção concreta: o embaixador José Aparecido de Oliveira e o professor Adriano Alves Moreira.

Também a História já tinha registado que, em 1983, o Dr. Jaime Gama, na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, escolheu uma visita oficial a Cabo Verde para lançar da cidade da Praia aquilo que na altura era verdadeiramente um balão de ensaio político: a criação de uma comunidade dos países de língua portuguesa!

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Nos alicerces da CPLP

Antes da constituição formal da CPLP, encontrámos correntes de opinião favoráveis, que assentavam em critérios linguísticos, culturais e históricos, para justificar a solidariedade na busca da Liberdade, Democracia e Desenvolvimento.

Não terá sido por acaso, as duas instituições precursoras, posteriormente integradas ou adoptadas, foram a AULP e o IILP.

A Declaração Constitutiva, de 17 de Julho de 1996, parte do imperativo de consolidar uma identidade própria baseada num idioma comum para prometer o reforço dos laços de solidariedade e cooperação. Refere-se à língua portuguesa como vínculo, património, espaço e fundamento de um projecto comum, em diálogo, com outras línguas nacionais. A coordenação político-diplomática é mencionada no fim, como que a sugerir que resultará, naturalmente, da valorização do idioma comum. Os Estatutos da CPLP, aprovados na mesma data, fixam três grandes objectivos, com sequência diferente: primeiro, a concertação político-diplomática; segundo, a cooperação em diversos domínios e, terceiro, a materialização de projectos de promoção e difusão da língua portuguesa.

O comunicado final da Cimeira Constitutiva, mais perto do texto da proclamação, deu primazia à cooperação cultural e à activação do IILP, criado para promover, enriquecer e difundir a língua como veículo de cultura, educação, informação e acesso ao conhecimento científico e tecnológico.

Do ponto de vista histórico e formal, apesar de algumas incongruências na definição e ordenamento dos objectivos, parece não haver lugar para muitas dúvidas: os antecedentes intelectuais, as instituições precursoras e os textos fundadores da CPLP apreendem a importância da língua comum e tudo o que pode unir, através do que ela simboliza, as diferentes nações e comunidades na luta pelo bem-estar material e espiritual do maior número possível.

 

As sugestões e opções podiam ser diferentes

Cremos que poder, podiam, mas não deviam. As opções não deviam ser diferentes porque a valorização da língua portuguesa é uma necessidade, uma vantagem comparativa e o único projecto com viabilidade e retorno certos.

Relativamente à necessidade, basta recordar que a taxa média de alfabetização de adultos nos países africanos e asiático membros da CPLP ainda é inferior a 45%, o livro é um bem raro e as portas de acesso à educação, à ciência, à tecnologia e ao conhecimento, são estreitíssimas, tanto em termos absolutos como de equidade e qualidade. No Brasil e em Portugal as taxas de analfabetismo de adultos ainda rondam os 15 % e os 10 %, respectivamente.

Se o termo de comparação for a frequência combinada dos ensinos básico, secundário e superior, encontramos Portugal no penúltimo lugar do grupo dos países desenvolvidos, seguido da Argentina; o Brasil e Cabo Verde numa posição intermédia entre os países em desenvolvimento, e os restantes membros da CPLP nos últimos lugares entre os países em desenvolvimento.

Mais um indicador muito pouco inocente: o número de estudantes do ensino superior no ano 2000 por 100.000 habitantes. Enquanto os EUA tinham cerca de 5.500 e a Holanda 3.300, Portugal atingia 3.000, Brasil 1.100 e os restantes membros da CPLP entre 230, para Cabo Verde (graças, sobretudo, à componente externa do seu frágil sistema de educação superior) e à volta de 40 para Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

 

Que nos mostra a prática

A prática mostra uma CPLP politicamente fraca, sem linha de rumo perceptível, hesitante entre as pressões conjunturais de base mimética e a busca de um projecto estável e mobilizador.

Por conseguinte, por incómoda que seja, esta outra pergunta parece tecnicamente correcta: será o processo CPLP irreversível? Em nosso entender, a irreversibilidade da CPLP não é um dado adquirido e depende, fundamentalmente, de três condições:

  • Um projecto comum: além de inequivocamente útil e assumido por todos, o projecto tem de ser fortemente mobilizador da juventude. Ora, a aquisição, o enriquecimento e o uso da língua portuguesa, em diálogo com as outras línguas matriciais, para a afirmação identitária e o acesso ao conhecimento, parecem fornecer as bases para um projecto com objectivos claros;
  • A responsabilidade partilhada: uma vez identificado o projecto, um desígnio partilhado, eixo principal de toda a actuação futura da organização, haverá que definir objectivos, distribuir papéis, concentrar funções, estabelecer mecanismos de acompanhamento e avaliação, e responsabilizar a instituição e cada um dos Governos interessados;
  • O impulso político: para projectar a organização através de um projecto claro e comum, um novo impulso político com efeitos tangíveis no modelo de organização, gestão e imagem é imprescindível.

Efectivamente, as nações precisam de saber e sentir que os seus respectivos Estados e líderes querem mesmo a CPLP.

Cremos também que a reunião destas três condições poderia acelerar o processo de clarificação do conceito de lusofonia, libertando-o definitivamente de qualquer conotação com manifestações de lusofilia institucional de cariz mais ou menos saudosista. A História fez-nos irmãos na Lusofonia, mas lusófilo só será quem quiser!

 

Informação Complementar

Língua comum: vantagem comparativa e factor de competitividade

Quando confrontamos a CPLP com outras comunidades pós-coloniais, em particular a Comunidade Britânica e a Comunidade dos Países de Língua Francesa, tomamos nota do nosso atraso relativo e passamos à frente para agarrar duas singularidades vantajosas:

• a CPLP resultou da expressão soberana de nações independentes que, na viragem dos respectivos percursos, decidiram aproveitar os recursos comuns, incluindo a diversidade inteligível, para interagir e realizar o desenvolvimento nos limites dos valores partilhados da Paz, Liberdade e Democracia;

• a CPLP nasceu como organização linguística e cultural, sem especial vocação para se transformar numa zona de livre troca ou, muito menos, numa união económica.

Na verdade, não se vê com que utilidade e como a CPLP poderia contrariar a dinâmica da globalização comercial, financeira e económica e a inserção estratégica de cada um dos seus membros na respectiva região (União Africana, Comunidade Económica da África Austral, Comunidade Económica da África Ocidental, MERCOSUL, UE, Sudeste Asiático) para institucionalizar relações privilegiadas no domínio económico. Além da globalização e das dinâmicas regionais, há que ter em conta a lógica própria das relações bilaterais, em boa medida insubstituíveis. Todavia, um desempenho prospectivo e ousado nos domínios da língua e da cultura, onde 200 milhões podem fazer uma grande diferença, terá efeitos de reatamento de laços e de arrastamento para projectos inovadores de cooperação em vários campos, sobretudo o económico, como consequência, não como causa. Embora devamos ser prudentes pelo facto de a juventude da CPLP não autorizar conclusões de carácter definitivo, é razoável afirmar-se, com o apoio de alguma estatística, que a evolução das relações comerciais e económicas nos últimos seis anos não mostra significativa correlação com a sua existência. Neste campo, o que existe teria provavelmente existido sem ela.

Ora, se as tendências de fundo não contrariarem esta constatação, deveremos, sem deixar de incentivar a cooperação económica, regressar às origens com um projecto nos domínios da Língua Portuguesa Comum para a educação, a alfabetização, a ciência, a tecnologia e o desenvolvimento humano. A partir de Portugal, o debate interno sobre um destino para o rectângulo e a perspectiva de vários observadores externos insistem na atlanticidade, que passa pela CPLP. Há dias, o Director-Geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, foi claro sobre esta matéria. Portugal é importante pela ligação a África, disse ele. Pois bem, se o património imaterial conta, este raciocínio será válido na relação de qualquer dos membros da organização lusófona com a região de pertença dos restantes.

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As principais ideias contidas neste texto foram apresentadas ao I Congresso sobre História e Situação da Educação em África e Timor-leste, organizado pela FCSH da UNL (Junho 2003), sob o título “A Língua Portuguesa – Razão de ser da CPLP).


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* André Corsino Tolentino

Ex-dirigente do PAIGC, ex-embaixador e ex-ministro da Educação de Cabo Verde. Foi Director na Fundação Gulbenkian, consultor do Banco Mundial e membro do Conselho Executivo da UNESCO. Doutorando em Ciência Política.

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