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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Geopolítica da Segunda Lusofonia

António Berbém *

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A segunda lusofonia insere-se num contexto em que o Atlântico a Sul é considerado de menor importância do ponto de vista das dinâmicas geopolíticas. Esta área compreende a África, a América do Sul e a Antárctica, constituindo um enorme reservatório de minerais estratégicos e de petróleo e que compreende as rotas marítimas de ligação entre o Atlântico, o Índico e o Pacífico. Portugal encontra-se numa posição vantajosa neste quadro, beneficiando da proximidade ao Mediterrâneo atlântico – a zona de maior tráfego – bem como da posse dos arquipélagos, “sentinelas estratégicas ocidentais”.

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A abordagem que suscitamos implica a aceitação contínua de duas fases marcantes da lusofonia. A primeira assentou na eficiência do simbolismo dos discursos dos líderes nacionalistas africanos.

A segunda, decorrente da sua projecção recente em novos espaços e prossecução de anunciados objectivos estratégicos em curso, é inseparável da apresentação de uma primeira observação, nem economicista nem despolitizada, segundo a qual as dinâmicas geopolíticas, em alerta e moda na actualidade, tendem a diminuir ou resguardar a importância da área oceânica do Atlântico a Sul, parcela vasta do mundo (mais de 20 milhões de km2) onde sempre marcou presença Portugal.

Baseado num primeiro conjunto de tópicos de natureza geopolítica, percebe-se que o extenso corredor do Atlântico a Sul, onde propomos reinscrever geograficamente a CPLP quase em plenitude, define-se por ser: a via estratégica tricontinental que une o Atlântico de norte a sul e ao oceano mundial, no qual se destaca a “rota-mundo” do Cabo que toca Moçambique e incorpora potências mundiais e regionais ricas em recursos disputáveis. Como é o caso da corrida ao petróleo (8,5% do crude mundial) neste espaço alternativo aos agravamentos das situações no Mediterrâneo, no golfo Pérsico ou no estreito de Bósforo; faz parte da complementaridade entre a Europa e a África (a Euro-África) e entre as duas metades do continente americano (Pan-América), aquele um campo de interesses económicos que a UE, através dos Acordos de Lomé, tem aproveitado.

Com o desejo norte-americano de nele pretender participar no quadro do reforço das relações transatlânticas, não esquecendo que a África Ocidental representa hoje 16% dos fornecimentos de petróleo aos EUA, podendo nesta década subir para 25%, segundo o National Intelligence Council; o espaço Atlântico a Sul não é um paraíso isento de problemas. É cenário de faltas constantes de paz em dezenas de Estados africanos e americanos, assistiu à guerra das Falkland, às disputas entre o Chile e a Argentina (canal de Beagle) e sustenta o papel chave do Brasil – global trader, global player político; quanto a Portugal (com as Ilhas estratégicas), será que na defesa dos seus interesses, poderá alhear-se das responsabilidades históricas e das problemáticas estratégica, geoeconómica e política? Ou deixar de posicionar-se politicamente enquanto país europeu (com a maior ZEE) mais Sul do Norte e mais Norte do Sul nesta artéria de comunicação vital?

Em plena era da globalização (que não pode ser apenas “anglobalização” neoliberal) deixaram de fazer sentido: as referências anacrónicas ao trópico de Câncer no tocante à sua segurança internacional; as descontinuidades geográficas e condicionamentos da falta de paz em Angola e Moçambique.

 

Geopolítica do Atlântico a Sul

Em visão geopolítica complementar, assinala-se que o Atlântico a Sul é um espaço marítimo compreendido entre três frentes continentais, América, África e Antárctida; e três corredores, o do norte, constituído pela área Natal-Dacar e dois no sul, respectivamente entre a Antárctida e as frentes continentais americana-africana, comandados pelo estreito de Drake e a passagem do Cabo, bastante abertos e frequentados pelos interesses portugueses.

Com a configuração geopolítica de um enorme quadrilátero, engloba quatro frentes: a frente norte, marítima na totalidade; a frente sul, marítimo-continental, centrada na Antárctida; e as frentes oriental e ocidental, a primeira africana, a segunda sul-americana. Ambas com presença portuguesa e da CPLP.

Destaquemos o facto de a área sul atlântica ser um fantástico reservatório de minerais estratégicos e de petróleo, sem os quais os países do hemisfério e Atlântico a norte não podem viver, pelo que o Atlântico a sul deixou de considerar-se secundário.

Constituindo-se num imenso anel de ligação entre os oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, referenciam-se a seguir as rotas principais do Atlântico a Sul: a rota do Cabo, passando ao longo de Cabo Verde; a rota que, do Cabo da Boa Esperança, demanda o litoral leste dos EUA e o mar das Caraíbas, cruzando-o em diagonal; a rota procedente do estreito de Magalhães, do estuário do Prata ou dos portos brasileiros, cortando o Atlântico em direcção aos portos da Europa Ocidental e do Mediterrâneo, em segunda diagonal.

Este resumo é suficiente para mostrar como é importante a supremacia nos mares ao Sul, sinalizando de seguida os seus principais pontos estratégicos. Os mais importantes são os dois mediterrânicos. Do lado americano, os pontos de passagem obrigatória são o canal do Panamá, o estreito de Yucatan e o estreito de Windward, entre Cuba e o Haiti. Mas, do lado atlântico, é no triângulo Canárias-Madeira-Açores que estão “as sentinelas estratégicas ocidentais” da garganta onde mais se unem os dois atlânticos. O Mediterrâneo atlântico é, sem dúvida, a região de maior concentração de tráfego marítimo deste oceano de trânsito (segundo em extensão, 86.560.000 km2, um quarto da superfície do planeta) e uma parte do conjunto denominado, por Mackinder, o “Grande Oceano”.

 

Portugal virado a Sul

Esta condição é verificável por Portugal integrar geopoliticamente o Mediterrâneo atlântico e por possuir uma costa muito extensa que é metade do perímetro total do território, tendo uma vastidão marítima única ao beneficiar das águas territoriais dos arquipélagos da Madeira e dos Açores (60% da ZEE mas também de livre trânsito). Enquanto vertente histórica, afectiva e estratégica, vem sendo na relação com o mar que Portugal se construiu como país diferente do contexto continental europeu. O mar, como destino e identificação de Portugal, coloca-nos em situação estratégica privilegiada entre a Europa, África e as três Américas. Disseram-no Miguel de Unamuno – “Portugal fez-se essencialmente pelo mar” e D. J. Boorstin – “com portos fundos virados para o Atlântico”.

Passada a fase colonial, há que revalorizar as diferenças, reposicionando-se de forma visível nas relações internacionais com os Oito de língua portuguesa (Norte e Sul falam português), servindo-nos desta herança como factor determinante nos contactos económicos, políticos e culturais que vierem a desenvolver-se.

Em situações de competição e exercícios de influência diplomática permanente no Atlântico a Sul que, em política internacional, são melhor preenchidos pelas grandes potências, Portugal tem feito do seu “triângulo estratégico” virado a Sul o foco principal das suas opções estratégicas, consagrando e definindo o “triângulo estratégico nacional” como realidade política e unidade estratégica. Sobressai, neste quadro o cenário estratégico dos Açores, colocados na linha de tensão entre os dois Atlânticos. O papel primordial das ilhas atlânticas nas ligações da Europa com a América do Norte e através do Atlântico a Sul jamais lhe poderá ser retirado, tendo até aumentado com as Grandes Guerras e a emergência dos mais diversos conflitos em curso.

No “destino” dos Açores contam-se sumariamente os seguintes factores: a importância vital da base das Lajes para a NATO; o isolamento oceânico permitindo-lhe ser plataforma oceânica, tanto de refúgio como de base de chegada-partida para operações militares de vulto; a posição de “porta-aviões” que, ao projectar-se no cenário marítimo do Atlântico a Sul, se transformou em escala aérea e naval de primeira ordem no quadro das actividades da II Esquadra americana.

Relativamente às ilhas da Madeira e Porto Santo, destacamos o facto estratégico de que, no modelo euro-atlântico de segurança e defesa, se apresentam como “posição de ferrolho” face às rotas de matérias-primas que, do Atlântico a Sul, demandam a Europa do Norte e o Mediterrâneo. E ainda sobressaem como posição privilegiada de vigilância e controlo sobre as rotas de aproximação por sudoeste, ao estreito de Gibraltar, o ponto fixo de apoio mais meridional de que a NATO dispõe para “ver” em profundidade o Atlântico para Sul do trópico de Câncer.

 

CPLP no Atlântico a Sul

No desenho da Segunda Lusofonia e no quadro de pertença à CPLP projectada no Atlântico a Sul mencionámos Cabo Verde como interceptor-chave da rota do Cabo.

Relembrando que Cabo Verde foi o vértice mais a sul do primeiro “triângulo estratégico nacional” acrescenta-se que o arquipélago flanqueia as rotas da Europa para a América do Sul e as da América e costa leste dos Estados Unidos para África ao sul do Sara.

Cabo Verde, ao estender-se em longitude entre os meridianos dos 14º W e 17º W, o que expande o arquipélago até trezentas milhas do litoral senegalês, e às mil e quinhentas da costa do Natal, no nordeste brasileiro, aparece assim dotado de grande extensão geográfica na direcção leste-oeste, perpendicularmente aos dois feixes principais das linhas de navegação.

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A situação geográfica de Cabo Verde, definida por largas fronteiras em latitude e longitude, determina-lhe elevado valor estratégico com perspectivas de liderança à escala regional e sub-regional. Conforme aliás o indicia uma recente declaração conjunta de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde aludindo a “questões de política internacional no continente africano manifestando preocupação face à instabilidade que prevalece nas respectivas sub-regiões” (na sequência da Declaração do Conselho de Segurança da ONU de 19 de Junho de 2003 e do apelo do Primeiro-Ministro de Angola de 21 de Junho de 2003).

Ainda no quadro da estratégia de segurança do Atlântico a Sul, encontram-se três outras posições de relevo. Angola, um Estado que ocupa uma grande extensão territorial entre os paralelos 5º S e 18º S no sentido longitudinal, aproximadamente paralelo ao feixe das linhas de navegação que, do Cabo, se dirigem para a Europa. A situação geográfica de Angola, frontal ao mar, permite-lhe projectar-se em profundidade na zona mais meridional e mais isolada do Atlântico a Sul, até às costas da África do Sul, em ligação com o Índico, onde se situa Moçambique com os magníficos portos de Maputo e Nacala, bases de controlo do canal de Moçambique.

Quanto à Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, proporcionaram desde sempre uma maior experiência à presença portuguesa na área. No primeiro caso, porque permite controlar a navegação ao longo da costa oeste de África, no segundo porque possibilita o controlo da navegação no golfo da Guiné e porque, no caso de uma possível extensão da NATO ao Atlântico a Sul através de um novo sub-comando regional, os EUA já declararam preferir instalar-se no “porto de abrigo” de São Tomé, um objectivo que poderá colocar desafios à coesão da CPLP. Nos propósitos de Washington parece estar o prelúdio de uma aliança marítima global visando o controlo do Atlântico sob sua liderança, justificando-se a maior importância recentemente reatribuída aos Açores.

 

O caso do Brasil

Observa-se que o saliente do nordeste do Brasil é a região de maior importância para as potências do Norte, visto que o tráfego que se destina ao mar das Caraíbas e aos EUA, procedente da Argentina, do Índico e do sul de África, passa tangencialmente ao litoral do Rio Grande do Norte. O mesmo sucede, embora um pouco mais ao largo, com o tráfego entre a costa atlântica da América do Sul e da Europa, cujo envolvimento económico na América do Sul tem aumentado no quadro das relações entre a UE e o MERCOSUL.

O Brasil geopolítico tem um vasto território (o quinto maior do mundo e o quarto em área contínua) propício à coesão. É rico em recursos minerais, o segundo país negro, estando a caminho da auto-suficiência em hidrocarbonetos. Estendendo-se de 5º N a 33º S, detém uma extensa fronteira oceânica com 7.500 km de costa.

O Atlântico a Sul passou a ser percebido como “assunto prioritário para o Brasil” através do retorno à maritimidade como dominante do pensamento estratégico brasileiro, pondo em execução vários planos estratégicos dos quais se destacaram as “Diretrizes para o Planejamento Naval”. Como candidato a potência mundial (com o objectivo de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU com o apoio da CPLP) passou a atribuir grande importância às regiões periféricas decisivas para os interesses brasileiros, tais como a Antárctida, a África e as áreas de trânsito no Pacífico.

Segundo Meira Mattos, o mais marítimo dos geopolíticos brasileiros, “ (…) o Brasil confronta-se hoje não com uma África distante, mas com uma África próxima, de acesso mais fácil que a fronteira amazónica com a Venezuela, a Colômbia, o Peru e a Bolívia”. Neste contexto preconizou uma Comunidade do Cone Sul, “grupo de nações unindo os seus esforços para garantir os seus interesses na parte austral do oceano Atlântico” compreendendo os países ribeirinhos latino-americanos, aos quais se poderiam juntar países africanos. E  petidamente o desenvolvimento das relações com África e Portugal.

No tocante à questão sul-atlântica, a prioridade estratégica do Brasil centra-se na segurança de rotas oceânicas, bem como no acesso ao petróleo do Médio Oriente, Nigéria, Líbia e das mercadorias brasileiras às costas de África e da Ásia.

Feito o ponto da situação, dir-se-á que o Brasil pretende papéis de liderança na condição de maior potência da América e do Atlântico a Sul. Contando com uma diplomacia activa, mantém-se interessado em desenvolver relações com África, o continente onde se situam cinco dos oito estados que integram a CPLP. Em síntese: a coerência da posição euro-atlântica de Portugal pode reforçar-se no apoio e inter-ajuda às posições estratégicas e sentido de pertença marítima da CPLP, potencialmente actuante em todo o Atlântico.

No pressuposto mutuamente aceite, mais profundo e original, de que a derrocada do sistema colonial português que começou no século XIX aconselha o fortalecimento na cena internacional da área política, cultural, estratégica que assenta na importância geopolítica do Atlântico a Sul, onde aparecem bem posicionados e distribuídos, ao longo do Atlântico, os países da CPLP.

 

Implicações geoeconómicas

Mantendo relações directas com a Geopolítica, tem vindo a desenvolver-se a Geoeconomia, explicando as interacções entre o homo economicus e o Espaço. A interpretação geoeconómica dá conta da multiplicação das interdependências e das redes, da rapidez das comunicações e da aceleração dos fluxos – em particular dos fluxos imateriais.

Será marcada por deslocalizações das actividades criadoras e consumidoras de riquezas, abrindo campos de intervenção à geofinança, à geoinformação e às geotecnologias, articulando-se com o desenvolvimento das organizações económicas regionais como o MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e os associados Chile e Bolívia), a CEA (integrada por São Tomé e Príncipe), a SADC (integrada por Angola e Moçambique), o COMESA e a CEDEAO (a que pertencem Cabo Verde e Guiné-Bissau).

A mundialização encaminha-se para a constituição de blocos económicos regionais, implicando projectos políticos inovadores sem que a economia os deva dominar, e dos quais os Estados modernos transnacionais não se podem desligar.

Parece-nos, em conclusão, que somente sem lideranças capazes de rasgar horizontes se poderá descortinar um recuo ou o adiamento da CPLP que, no entanto, só fará sentido se contar com a aplicação activa do mencionado enquadramento geopolítico, acervo de tratados, acordos, fluxos económicos e culturais entre nações consolidadas e novos Estados com a experiência da comunidade euro-atlântica que mais cedo começou a construir-se.

Quanto a Portugal, é um imperativo e realidade estratégica não deixar-se esgotar no umbigo europeu. Espraiemo-nos com audácia na Segunda Lusofonia, conforme G. Freyre globalmente sempre a defendeu: “cultural, económica e política” (Aventura e Rotina, 1953). Ou como Agostinho da Silva tornou a apresentá-la: “Portugal à América Latina, à África Lusíada, à Europa, ao Oriente, urge que o façamos para não perdermos a navegação dos próximos séculos” (Dispersos, 1988). Uma tarefa difícil e realizável, ao alcance das gerações mais novas, portadoras da grandeza da política que aceita fazer o nunca feito.

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* António Berbém

Mestre em Relações Internacionais. Docente na UAL.

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