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Janus 2004



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A Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas

Paula Escarameia *

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Apesar do reduzido mediatismo da actividade das Nações Unidas no que se refere à codificação do Direito Internacional, tem sido uma das áreas mais bem sucedidas no seio da organização. Este trabalho é desenvolvido pela Comissão de Direito Internacional, que é composta por 34 peritos independentes, que exercem as suas funções em nome individual e não como representantes dos Estados membros. São eleitos pela Assembleia Geral, mediante apresentação de candidatura pelo Estados, tendo em conta que “as principais formas de civilização” e sistemas jurídicos estejam representadas.

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Num mundo em que as Nações Unidas se encontram, crescentemente, no centro das atenções, parece ser chegada a altura de dar relevo a muita da sua actividade que, não estando directamente relacionada com as questões de segurança e paz internacionais, tem sido fundamental para a evolução da humanidade. Poucas dessas actividades têm sido tão intensas, tão duradoiras, tão estruturantes e decisivas para as relações internacionais como o desenvolvimento do Direito Internacional.

Precisamente pelo seu carácter infra-estrutural, por vezes muito técnico, bem como pelo seu sucesso, que não origina grandes problemas mediáticos, é que a criação, codificação e desenvolvimento do Direito Internacional tem sido feita de modo discreto, com um impacto, contudo, que se pode considerar ser dos mais profundos desde a criação da ONU. Muito deste trabalho é devido à actividade da Comissão de Direito Internacional (CDI), que, a par com o Tribunal Internacional de Justiça e da 6a Comissão da Assembleia Geral (Comissão para Assuntos Jurídicos), é um dos principais órgãos mundiais de produção do que virá a ser o Direito Internacional Público.

A Carta das Nações Unidas estatui, no art. 13. °, que “A Assembleia Geral promoverá estudos e fará recomendações, tendo em vista: a) Fomentar a cooperação internacional no plano político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação; …”, podendo, para tal, criar um órgão próprio, nos termos do art. 22. ° (“A Assembleia Geral poderá estabelecer os órgãos subsidiários que julgar necessários ao desempenho das suas funções”). Assim, foi com base nestes artigos e no parecer do Comité para o Desenvolvimento Progressivo do Direito Internacional e sua Codificação, criado para estudar o tema, que a Assembleia Geral deliberou, pela Resolução 174 (II), de 21 de Novembro de 1947, criar a Comissão de Direito Internacional e aprovar o seu Estatuto (1).

 

Deste modo, e como consta logo do art. 1. ° do seu Estatuto, a Comissão tem como função promover o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional (“preparação de projectos de convenções em assuntos ainda não regulados pelo Direito Internacional ou em relação aos quais o Direito não está ainda suficientemente desenvolvido na prática dos Estados” – art. 15.°) e codificá-lo (“formulação mais precisa e sistematização de normas de Direito Internacional em campos em que já existe prática estatal, precedente e doutrina extensivos” – art. 15.°). Embora o Estatuto, no n. °2 do art. 1.°, preveja também a possibilidade de a CDI se debruçar sobre temas de Direito Internacional Privado, esta nunca elaborou nenhum projecto dedicado a esta área, tendo apenas aflorado alguns pontos da mesma, sempre que a regulamentação da realidade, em que os dois aspectos estão interligados, o tenha justificado.

 

Composição

A CDI, que começou por contar com apenas 21 membros, é actualmente um órgão composto por 34 peritos independentes que “deverão ser pessoas de reconhecida competência em Direito Internacional” (art. 2.° do Estatuto), que exercem as suas funções exclusivamente na sua capacidade individual e não como representantes dos Estados. São, contudo, eleitos pela Assembleia Geral da ONU após apresentação das suas candidaturas pelos Estados, por um mandato de cinco anos, podendo vir a ser reeleitos. Nessa eleição, para além das qualificações individuais de cada candidato, a Assembleia Geral deve tomar em consideração que “as principais formas de civilização e os principais sistemas jurídicos mundiais estejam representados” (art. 8.°).

Na prática, este requisito tem-se traduzido pela distribuição de lugares de acordo com os grupos regionais da ONU (grupo dos países ocidentais e outros; grupo dos países da Europa de Leste; grupo africano; grupo da América Latina e Caraíbas; grupo asiático), de tal modo que cada candidato pode apenas concorrer às vagas que existam no seu grupo. Apesar de tal não ser necessário, tem havido certas nacionalidades permanentemente representadas na CDI, designadamente as dos membros permanentes do Conselho de Segurança (Portugal só teve um membro eleito em 2002). Por outro lado, a CDI parece ter sido o único órgão da ONU que não contou com uma única mulher entre os seus membros durante 54 anos após a sua criação, tendo as primeiras duas sido eleitas apenas em 2001.

Finalmente, a qualidade de membro da Comissão pode durar numerosos anos, tendo, em certos casos, ultrapassado os vinte, e é, por vezes, encarada como uma antecâmara para o posto de juiz do Tribunal Internacional de Justiça, o órgão judicial das Nações Unidas que julga litígios entre Estados. Na realidade, só no ano passado, foram eleitos juízes dois membros da Comissão, que se juntam, assim, a muitos que têm seguido essa trajectória.

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Sessões, programas e métodos de trabalho

A CDI tem uma sessão anual nas instalações das Nações Unidas em Genebra, no “Palais des Nations”, edifício que albergou a sede da antiga Sociedade das Nações, entre 10 a 12 semanas (dependendo do progresso dos trabalhos, sendo que normalmente é necessário mais tempo nos anos próximos do fim do quinquénio, quando os principais projectos são completados), separadas em duas partes: a primeira normalmente em Maio/Junho e a segunda em Julho/Agosto.

A agenda dos trabalhos é aprovada pela Comissão, tendo em consideração os pontos que lhe são referidos pela Assembleia Geral (a quem deve dar prioridade), por Estados membros e pelas agências especializadas da ONU, podendo ela própria seleccionar também pontos para a mesma. Da agenda da próxima sessão (55.a sessão, que começará em 5 de Maio próximo) constarão os seguintes temas: Protecção Diplomática, Reservas a Tratados, Responsabilidade Internacional por Danos resultantes de Actos não Proibidos pelo Direito Internacional, Actos Unilaterais de Estados, Responsabilidade de Organizações Internacionais, Fragmentação do Direito Internacional: Dificuldades provenientes da Diversificação e Expansão do Direito Internacional e Recursos Naturais Partilhados.

Alguns destes temas estão a ser discutidos desde há muito, como é o caso das Reservas a Tratados ou a Responsabilidade por Actos não Proibidos pelo Direito Internacional, enquanto outros só começarão a ser abordados em Maio, como sejam os últimos referidos. É frequente que, devido ao carácter estruturante destes temas e aos métodos de trabalho da CDI, muitos se arrastem por um número elevado de anos, que chega a atingir a meia centena.

A Comissão começa por eleger para cada tópico um Relator encarregado de propor aos restantes membros projectos de artigos sobre o seu tema, com base em estudos profundos e muito pormenorizados sobre os mesmos, que são apresentados num relatório. Estes projectos são discutidos em sessões públicas (abertas apenas a quem possuir credenciais de presença) e, se a Comissão assim o entender, serão submetidos, para elaboração final, a um comité de redacção, composto por um número seleccionado de membros da CDI. Após aprovação pelo colectivo da Comissão, estes projectos de artigos são apresentados, à 6a Comissão da Assembleia Geral da ONU, inseridos no Relatório anual da CDI, que, para além dos textos propostos, apresenta um sumário dos principais debates e diferentes pontos de vista expressos pelos membros da Comissão.

Todos os anos a 6.a Comissão dedica cerca de duas semanas só à análise do referido Relatório, sendo expostos os pontos de vista dos Estados quanto ao mesmo. Muitas vezes, também, são estes transmitidos em observações escritas e em respostas a questionários que a CDI faz circular. Finalmente, o projecto final é apresentado à 6.a Comissão, que o passa a debater no seu âmbito. Alguns destes projectos são aceites quase na sua totalidade enquanto outros, como foi o caso do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, sofrem mudanças profundas até serem aprovados. Normalmente, é depois convocada uma conferência de plenipotenciários para adopção do texto da convenção em causa, que fica aberta para assinatura e, depois, para ratificação ou adesão pelos Estados.

 

Conclusão

Pode afirmar-se, sem muitas dúvidas, que a CDI tem estado na origem da codificação de todos os ramos de Direito Internacional, numa actividade impressionante pela influência profunda que tem tido no desenvolvimento jurídico das relações internacionais: assim, só para dar alguns exemplos, é à CDI que se deve a elaboração das convenções sobre Direito dos Tratados, sobre Relações Diplomáticas e Consulares, sobre Eliminação da Apatridia, sobre Processo Arbitral, sobre o Tribunal Penal Internacional, sobre o Direito do Mar, sobre Sucessão de Estados, sobre Usos de Rios Internacionais, etc. O seu último grande trabalho, concluído em 2001 e ainda não negociado entre Estados, é o projecto de artigos sobre Responsabilidade de Estados por Actos Internacionalmente Ilícitos, um esforço monumental de codificação desta área fundamental que, até agora, tem sido regida, ou parcialmente, para certos regimes específicos, ou tem ficado a cargo de regras gerais de Direito Consuetudinário.

Assim, pode mesmo concluir-se que a CDI, com o seu trabalho discreto de alta qualidade técnica, tem sido o principal centro mundial de produção do Direito Internacional e contribuído definitivamente para um mundo onde a indefinição e a consequente desordem deram origem a uma situação na qual regras claras ficaram estabelecidas que hoje, mais do que nunca, é preciso respeitar e desenvolver.

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1 – Este e outros documentos podem ser encontrados na página das Nações Unidas, www.un.org, sob “International Law”, “International Law Commision”

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* Paula Escarameia

Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU. Membro da delegação de Portugal ao Tribunal Penal Internacional. Professora da Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP).

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Dados adicionais
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