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Janus 2004



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As garantias dos arguidos no processo penal português

Maria João Antunes *

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Segundo o Código de Processo Penal português o arguido é aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal. A lei distingue o arguido do suspeito – pessoa relativamente à qual existe indício de que cometeu um crime ou de que nele participou. A constituição do arguido permite que o “suspeito” passe a gozar de direitos processuais autónomos, legalmente definidos: direito de defesa, de presença, de audiência, de silêncio, de assistência por defensor, de oferecer e de requerer provas, de recorrer e, finalmente, de ser informado dos direitos que lhe assistem.

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Segundo o art. 57.º do Código de Processo Penal, é arguido aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal, o que significa que a fase de inquérito (art. 262.º e ss. do Código de Processo Penal) pode decorrer contra um agente indeterminado (art. 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) ou contra um mero suspeito – a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu um crime ou que nele participou (art. 1.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal).

 

Constituição de arguido

Ao distinguir o arguido do suspeito, a lei processual penal supõe que à constituição de arguido se liga o reconhecimento do estatuto de sujeito processual (arts. 58.º, n.ºs 2 e 3, 60.º e 61.º do Código de Processo Penal), por contraposição ao de mero participante processual. Daí que, para obviar a um encurtamento ilegítimo dos direitos processuais que devem ser dados materialmente a quem vê dirigir-se contra si um processo penal, o art. 59.º, n.º 2, do Código de Processo Penal confira ao suspeito o direito de ser constituído arguido, a seu pedido, sempre que estiverem a ser efectuadas diligências que pessoalmente o afectem; e o art. 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal torne obrigatório interrogar como arguido a pessoa determinada contra quem correr inquérito.

Pela mesma razão se justificando que os arts. 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, do Código de Processo Penal prevejam casos de constituição obrigatória de arguido, em momento anterior à dedução da acusação ou do requerimento para abertura de instrução: se, correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal; se tiver de ser aplicada medida de coacção ou de garantia patrimonial; se um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos dos arts. 254.º a 261.º do Código de Processo Penal; se for levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado; se, durante inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido. A constituição de arguido é, ela mesma, uma garantia dada àquele que vê dirigir-se contra si um processo penal, sendo devidamente formalizada no decurso da tramitação processual: tem lugar através de uma comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal, e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no art. 61.º que, por essa razão, passam a caber-lhe (arts. 58.º, n.ºs 2 e 3, e 59.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

 

Direitos processuais do arguido

Uma garantia por àquela constituição corresponder o estatuto de sujeito processual, uma posição processual que permite ao arguido uma participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através da concessão de direitos processuais autónomos, legalmente definidos, que hão-de ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal (arts. 60.º e 61.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, entre outros). Direitos de co-determinação ou de conformação da decisão final do processo, que são expressão do direito de defesa e dos princípios da presunção de inocência e do contraditório, (art. 32.º, n.ºs 1, 2 e 5 da Constituição) e que se concretizam no direito de presença, no direito de audiência, no direito ao silêncio, no direito de assistência por defensor, no direito de oferecer provas e requerer diligências, no direito de ser informado dos direitos que lhe assistem e no direito de recorrer. Um estatuto de sujeito processual que não impede o arguido de ser objecto de medidas coactivas e de constituir, ele próprio, um meio de prova (arts. 60.º, parte final, e 61.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal).

No entanto, medidas coactivas e probatórias em relação às quais é exigível o respeito pela presunção de inocência do arguido e pelo direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição). O direito de defesa constitui uma categoria aberta à qual devem ser imputados os direitos concretos, já mencionados, de co-determinação ou de conformação da decisão final (art. 61.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), devendo ainda destacar-se o direito de requerer a abertura de instrução, como forma de controlar a decisão de acusação tomada pelo Ministério Público (art. 287.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal); o direito de requerer a intervenção do tribunal de júri (art. 13.º do Código de Processo Penal); o direito de se opor à desistência da queixa ou da acusação particular, podendo por esta via ver a sua inocência declarada em julgamento (art. 51.º do Código de Processo Penal); e a garantia de que, interposto recurso no interesse da defesa, a sanção não seja modificada, na sua espécie ou medida, em seu prejuízo (art. 409.º do Código de Processo Penal).

A garantia da presunção de inocência repercute-se de forma imediata no estatuto do arguido seja enquanto objecto de medidas de coacção, seja enquanto meio de prova. Este princípio jurídico-constitucional vincula estritamente à exigência de que só sejam aplicadas ao arguido as medidas que ainda se mostrem comunitariamente suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente (arts. 27.º, 28.º e 32.º, n.º 2, da Constituição e 191.º a 218.º do Código de Processo Penal). Daqui resultando, nomeadamente, que a aplicação de uma medida de coacção como a prisão preventiva seja obrigatoriamente decidida por um juiz, devendo obedecer aos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precariedade (arts. 191.º e ss. do Código de Processo Penal). O princípio da presunção de inocência, ligado agora directamente ao princípio da preservação da dignidade pessoal, conduz a que a utilização do arguido como meio de prova seja sempre limitada pelo integral respeito pela sua decisão de vontade, sendo nulas e não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas (cf. arts. 1.º, 26.º e 32.º, n.º 8, da Constituição e 125.º e s. do Código de Processo Penal). Assinalando que o arguido não tem qualquer dever de colaboração para com a justiça penal, concretamente o dever de responder e de responder com verdade às perguntas sobre os factos imputados, destaque-se, também, que a confissão dos mesmos só será relevante tratando-se de uma confissão livre, caso em que poderá mesmo não haver outra produção de prova (art. 141.º, n.ºs 3 e 4, 342.º e 345.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

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Avaliação do estatuto processual do arguido

Numa avaliação global do estatuto processual do arguido, podemos afirmar que ele é característico de uma estrutura acusatória. Uma estrutura, imposta pela Constituição (art. 32.º, n.º 5), que é integrada por um princípio subsidiário de investigação. Uma estrutura que, de forma harmónica, dá satisfação às finalidades que o processo penal de um Estado de direito democrático deve prosseguir: a descoberta da verdade material e a realização da justiça; a tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos, ainda que tenham assumido o estatuto de arguido; e o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa com a prática do crime. Aqui incluída a paz jurídica do arguido, a quem a Constituição reconhece o direito de ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa e a quem dá a garantia de não poder ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (arts. 29.º, n.º 5, e 32.º, n.º 2).

Tudo isto por contraposição a estruturas processuais de base inquisitória, as quais tendem a privilegiar a finalidade de descoberta da verdade material e de realização da justiça, à custa dos direitos fundamentais do arguido, o qual é visto mais como objecto do processo penal do que como sujeito deste. Importa não perder de vista, no entanto, que a legislação processual penal extravagante – a mais recente (por exemplo, a Lei n.º 93/99, de 14-7, a Lei n.º 101/2001, de 25-8 e a Lei n.º 5/2002, de 11-1) – tem vindo a privilegiar a primeira das finalidades apontadas, em detrimento da tutela dos direitos fundamentais. Algo que tem encontrado justificação frequente nas orientações político-criminais da União Europeia, de que poderão constituir exemplo a Resolução do Conselho, de 23 de Novembro de 1995, relativa à protecção de testemunhas no âmbito da luta contra o crime organizado internacional e a Decisão-quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, relativa ao branqueamento de capitais, à identificação, detecção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime.

Avaliando as garantias do arguido no processo penal português, comparando-as com as previstas no direito de outros países europeus e analisando-as à luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode afirmar-se que o direito processual penal português se inscreve, também ele, num fundo europeu comum, guiado pelas disposições daquela Convenção (artigos 5.º e 6.º). Um fundo europeu comum, onde devemos destacar o direito a um processo equitativo; o princípio da publicidade da audiência de julgamento; a garantia de um processo penal com duração razoável; o princípio da presunção de inocência; o direito de o arguido ser informado sobre as razões da privação da liberdade e sobre os factos que lhe sejam imputados; o direito de assistência, nomeadamente por intérprete e defensor; o princípio do contraditório; o direito de recorrer de decisão que pessoalmente o afecte, nomeadamente da decisão que o prive da liberdade em razão de prisão ou de detenção; e a garantia do ne bis in idem.

 

Informação Complementar

Constituição da República Portuguesa

Artigo 29.º (Aplicação da lei criminal)

[...]

5. Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

 

Artigo 32.º (Garantias de processo criminal)

1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.

[...]

5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

[...]

8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.

 

Convenção Europeia dos Direitos do Homem

Artigo 5.º (Direito à liberdade e à segurança)

[...]

2. Qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela.

[...]

4. Qualquer pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

 

Artigo 6.º (Direito a um processo equitativo)

1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá sobre (...) o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela (...).

2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada

 

Código de Processo Penal

Artigo 60.º (Posição processual)

Desde o momento em que uma pessoa adquirir a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício de direitos e de deveres processuais, sem prejuízo da aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e da efectivação de diligências probatórias, nos termos especificados na lei.

 

Artigo 61.º (Direitos e deveres processuais)

1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:

a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;

b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;

c) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar;

d) Escolher defensor ou solicitar ao tribunal que lhe nomeie um;

e) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, em privado, com ele;

f ) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias;

g) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem;

h) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis [...].

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* Maria João Antunes

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na área de Ciências Jurídico-Criminais.

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Bibliografia

FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal (Lições coligidas por Maria João Antunes), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9. FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, O Novo Código de ProcessoPenal. Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1988, p. 3 e ss.

MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal I, Verbo, 1996.

CHIAVARIO/ DELEUZE/ DELMAS-MARTY/ DERVIEUX/ JUNG/ JUY-BIRMANN/ LEMONDE/ MATHIAS/ PERRODET/ PESQUIÉ/ SALAS/ SPENCER/ TULKENS, Procedure Penali d’ Europa, Cedam, 2001.

ANABELA RODRIGUES, “A defesa do arguido: uma garantia constitucional em perigo no ‘admirável mundo novo’”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2002. p. 549 e ss.

DAMIÃO DA CUNHA, Perda de Bens a Favor do Estado, Centro de Estudos Judiciários, 2002.

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