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Análise estatística da morosidade judicial (1990-2002)

Fernando Cruz Gabriel *

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A crescente acumulação de pendências processuais e o aumento da morosidade judicial são frequentemente apontados como os maiores problemas da Justiça em Portugal. O objectivo principal deste artigo é contribuir para a compreensão das causas da ineficiência relativa dos tribunais portugueses de primeira instância através da apresentação de um conjunto de indicadores estatísticos caracterizadores da movimentação processual nos tribunais portugueses ao longo do período de 1990 a 2002.

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Entre 1990 e 2002, o número de processos pendentes nos tribunais portugueses de primeira instância aumentou 115,9% – mais do que duplicou (ver gráfico intitulado “Evolução da Pendência de Primeira Instância 1990-2002”). Em consequência, o número de processos a aguardar sentença judicial de primeira instância passou de cerca de 635.000 em 1990 para quase 1.370.000 em 2002. A acumulação de pendências é um problema claramente com origem na tutela cível (veja-se o gráfico supramencionado), uma vez que o número total de processos pendentes nas tutelas penal e laboral manteve-se praticamente invariante ao longo do período de 1990 a 2002.

Em primeiro lugar, verifica-se que a aceleração do crescimento do número de processos pendentes (1) é um fenómeno temporalmente limitado ao período de 1993-1998 (ver a tabela “Processos de Primeira Instância Pendentes, Entrados e Findos 1990-2002”). Com efeito, observou-se um decréscimo da pendência total nos anos anteriores a 1993, e uma nítida desaceleração do respectivo crescimento nos anos posteriores a 1998.

A acumulação de processos pendentes é habitualmente apresentada como a consequência de um sistema judicial ineficiente, sendo também frequentemente indicada a baixa produtividade dos operadores judiciários como a causa do problema.

Para avaliar a validade empírica deste argumento, é necessário encontrar resposta para duas questões. Como medir estatisticamente a eficiência judicial? Qual a relação entre a “eficiência” do sistema judicial e a produtividade dos operadores judiciários?

A eficiência judicial é aqui definida como a capacidade de resposta, medida pelo número de processos findos num dado período, à totalidade da procura, medida pela soma dos processos entrados e pendentes em cada período. Deste modo, a eficiência judicial pode ser aferida pelo seguinte índice: IEt=Ft/(Et+Pt), onde: Ft designa o número de processos findos no período t; Et designa o número de processos entrados no período t; e Pt designa o número de processos pendentes no início do período t. Este índice assume valores no intervalo [0,1], correspondendo o valor 0 a uma situação de eficiência judicial “mínima” – nenhum processo resolvido – e o valor 1 a uma situação de eficiência judicial “máxima” – resolução num só ano de todos os processos entrados nesse ano e de todas as pendências acumuladas até então. A interpretação deste índice deve ser feita com algum cuidado, dado que o seu valor é condicionado pela proporção de processos pendentes relativamente aos processos entrados (2). O índice de eficiência judicial de primeira instância só atingiu valores superiores a 50% em três dos últimos treze anos (1991, 1992 e 1994) e, destes três anos, em apenas dois se verificou uma recuperação de processos pendentes (1991 e 1992). O valor médio do índice de eficiência judicial para o período de 1990 a 2002 é de 46,4% (ver gráfico respectivo).

O gráfico referido permite concluir que a eficiência relativa das diferentes tutelas judiciais foi marcadamente diferente entre 1990 e 2002: enquanto as tutelas penal e laboral contribuíram positivamente para a capacidade de resolução processual ao longo de todo o período analisado, já a tutela cível teve um efeito sistematicamente negativo. Porque o peso relativo dos processos cíveis na totalidade da movimentação processual de primeira instância é muito elevado, a baixa eficiência judicial cível, bem como a respectiva tendência temporal decrescente determinou em larga medida a baixa eficiência judicial global entre 1994 e 2000.

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Acumulação de pendências e morosidade processual

A acumulação de pendências não resulta apenas de um crescimento quantitativamente superior do número de processos entrados relativamente ao do número de processos findos (ver tabela desta página). Na tabela referida é detectável uma significativa quebra da produtividade judicial em 1995, mas logo em 1996 houve uma recuperação parcial. Porém, com a excepção desse ano, no período de 1993 a 1998 não é evidente que exista um crescimento do número de processos entrados suficientemente maior relativamente aos processos findos, de modo a explicar a rápida acumulação de pendências nesse período.

Consequentemente, este facto aponta para a existência de um outro motivo para a acumulação de pendências: o aumento do tempo médio de resolução processual (ver gráfico sobre as Durações Médias de alguns Processos de Primeira Instância).

A duração média dos processos de primeira instância decresceu de dezasseis meses em 1990 para um ano em 1994, mas aumentou em seis meses entre 1994 e 2000, o que representa um aumento de 50% da duração média. Em 2000 atingiu-se o valor máximo de duração média (18 meses), decrescendo desde então e regressando em 2002 ao valor do início da década de 90. Esta redução da morosidade judicial sugere que algumas das medidas de política entretanto tomadas já terão começado a produzir efeitos.

Como explicar o aumento da duração média de resolução processual? Em primeiro lugar, é preciso saber “onde procurar a explicação”. O gráfico mencionado deixa claro que o problema reside na tutela cível. Os elementos estatísticos apresentados sugerem que a explicação para o aumento da morosidade judicial se encontra nas alterações ocorridas na segunda metade da década de 90, ao nível da composição da procura de tutela cível.

 

A procura de justiça cível e a acumulação de pendências

Do total de processos pendentes em primeira instância no ano de 2002 (1.369.982 processos), cerca de 71,6% eram processos cíveis (981.323 processos). Obviamente, os problemas da pendência e morosidade judicial são, essencialmente, problemas existentes na tutela cível.

Em 1990, a pendência executiva correspondia a apenas 33,7% da pendência cível (96.690 processos em 286.819 processos). Em 2002, esse valor tinha passado para 52,7% (516.780 processos em 981.323 processos). A acumulação de pendências cíveis corresponde, portanto, a um período temporal em que as acções executivas se tornaram dominantes no conjunto das acções cíveis. O trabalho de caracterização das acções cíveis findas recentemente efectuado (3) aponta, em termos globais, para a seguinte conclusão: os processos (declarativos e executivos) relacionados com a cobrança de dívidas de baixo e muito baixo valor têm um elevado peso relativo na movimentação processual cível e contribuem de forma significativa para o aumento da morosidade judicial.

Os elementos estatísticos disponíveis apontam, então, para que a principal causa da morosidade judicial cível, e, portanto, da morosidade judicial de primeira instância seja a existência de um efeito negativo sobre a produtividade média do trabalho judicial, medida pelo número de processos findos, quer por magistrado, quer por funcionário judicial, resultante da elevada quantidade de processos declarativos e executivos do tipo acima mencionado e que entraram no sistema judicial na segunda metade da década de 90.

Como se pode observar, há uma tendência sistemática para o decréscimo da produtividade média dos funcionários judiciais ao longo de toda a década. Essa tendência não é tão clara ao nível da produtividade dos magistrados. Ambos os factos são, porém, consistentes com a explicação apontada.

A quebra da produtividade média dos funcionários judiciais não implica necessariamente um decréscimo de trabalho realizado na tarefa de resolução processual. É aliás, consistente precisamente com o contrário, ou seja: com o aumento do esforço de trabalho desenvolvido pelos operadores judiciários. Mas o esforço de trabalho não tem necessariamente correspondência em termos de produtividade.

Não se pode desprezar o facto de, do aumento do número de processos entrados, decorrer um acréscimo de trabalho burocrático associado à tramitação processual em cada unidade judicial, que poderá ter um efeito adverso sobre a capacidade de resolução de cada processo, quando individualmente considerado. Trata-se, portanto, de um problema de deseconomias de escala observáveis, principalmente, ao nível da tutela cível.

A ser esta a explicação, tal implicaria maiores intervalos temporais em que os processos estariam pura e simplesmente parados nas secretarias dos tribunais, ajudando desse modo a compreender por que razão a duração média dos processos aumentou tanto no período em questão (4).

 

Conclusões

Há um problema de “circularidade” na acumulação de pendências, que pode ser resumido do seguinte modo: o crescimento do número de processos a aguardar sentença judicial resulta da baixa “eficiência” do sistema, que, por sua vez, é consequência do elevado número de processos por resolver, dado que a produtividade dos operadores judiciários é negativamente afectada pelo volume total de processos no sistema.

Quais as soluções para este problema? Como princípio geral, todas as medidas que possam constituir “fugas” dos processos ao sistema judicial contribuirão, em princípio para a redução da morosidade judicial e, portanto, da pendência acumulada.

De entre as principais medidas, destacam-se: a reforma da acção executiva; o recurso crescente a meios de resolução alternativa de litígios; a reforma da organização e gestão dos tribunais, particularmente a reorganização dos tribunais cíveis. Muitas destas medidas estão em curso de aplicação ou em estudo. Os próximos anos permitirão avaliar se a tremenda dimensão estatística e social do problema da acumulação de pendências cíveis está a “reagir” ao tratamento.

__________

1 - O número de processos pendentes no início do ano t, (Pt) é igual ao número de processos pendentes no início do ano anterior (Pt-1) mais o número de processo entrados (Et-1) menos o número de processos findos (Ft-1) durante o ano t-1. Formalmente: Pt = Pt-1 + Et-1 - Ft-1. Os valores relativos aos processos pendentes nem sempre verificam esta identidade, o que se deve à realização, no decurso de um determinado ano, de recontagens dos processos pendentes em alguns tribunais, alterando o número de processos pendentes registados no dia 1 de Janeiro do ano subsequente.
2 - Suponha-se, por exemplo, que o número de processos pendentes representava o dobro dos processos entrados. Se o índice de eficiência fosse 0,5, isso corresponderia à resolução de 1,5 vezes o número de processos entrados, o que corresponderia a uma assinalável recuperação de pendências.
3 - O ano mais recente para o qual existem elementos de caracterização estatística é 2001. Veja-se Anuário da Justiça [2001], publicado pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça.
4 - Observe-se que, para lidar com o aumento de procura de tutela cível, teria sido necessário um aumento da produtividade média judicial. Porém, a produtividade dos magistrados demonstrou uma tendência para a estabilidade.


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* Fernando Cruz Gabriel

Consultor do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça.

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