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Janus 2005



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Os conflitos dos últimos 25 anos (II)

Luís Moita *

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Até há pouco tempo, as guerras ganhavam-se ou perdiam-se, eram desencadeadas com o objectivo de alcançar a rendição do adversário ou com a expectativa de ganhos proporcionalmente vantajosos, havia vencedores e vencidos. Podia dizer-se com razoável precisão: Israel ganhou a guerra de 1967, o Vietname do Norte venceu o Vietname do Sul, Fidel Castro derrotou Fulgêncio Baptista, o movimento de libertação na Argélia tomou o poder pela via armada, a guerrilha sandinista derrubou a ditadura de Somoza. Guerras convencionais entre Estados, lutas anticoloniais ou sublevações violentas contra regimes opressivos tinham o seu desfecho, saldavam-se por vitórias ou derrotas.

Em contrapartida, como vimos no texto anterior, as intervenções armadas no quadro dos conflitos interestatais dos últimos tempos deixam-nos a sensação de ineficácia, de inutilidade. Quando há a decisão política de utilizar meios militares, presume-se que exista a expectativa de obtenção de resultados (eles próprios políticos). Mas a prática tem demonstrado défice de vantagens políticas e frustração quanto às vantagens esperadas. Talvez o símbolo máximo dessa situação se localize na década de 80, na mais sangrenta guerra dos últimos anos, a que opôs o Iraque e o Irão em nome de reivindicações territoriais e para disputa de hegemonia regional, e que terminou sem resultados militares, não obstante o milhão de mortos. Pelo seu lado, dos movimentos de libertação tradicionais, nenhum obteve a esperada vitória pela força das armas, antes as suas lutas se arrastaram interminavelmente ou eles mudaram de estratégia.

Em África, a Frente Polisário não conseguiu a independência do Sara Ocidental, enquanto a ZANU no Zimbabué, a SWAPO na Namíbia e o ANC na África do Sul chegaram ao poder pela via eleitoral e não por força de vitória militar. Na Palestina, a OLP preferiu a Intifada às operações armadas, enquanto os atentados violentos estão longe de alcançar dividendos. As acções violentas na Nova Caledónia apenas abalaram a presença colonial francesa. Os separatismos nas Filipinas e na Indonésia não parecem em vias de ter êxito militar. A independência de Timor-Leste, por maior que tenha sido o heroísmo das FALINTIL, ficou talvez a dever-se prioritariamente à organização clandestina da resistência, à luta política nas cidades e ao papel da Igreja. Simultaneamente, o que se passava com os grupos radicais europeus, que optaram pela luta armada em sociedades democráticas, permitia um balanço negativo sobre a eficácia do uso da violência. “Baader-Meinhof ” na Alemanha, “Brigate Rosse” na Itália, “Brigadas Revolucionárias” em Portugal, ETA em Espanha.... são porventura os casos mais conhecidos da incapacidade de atingir objectivos políticos através da luta armada (talvez com a excepção do IRA na Irlanda, que aceitou a via da negociação). Tais grupos desagregaram-se ingloriamente ou prosseguem uma actividade mais próxima da criminalidade que da acção política.

Quanto às guerrilhas revolucionárias, a regra tem sido a desistência ou a difícil sobrevivência. Veja-se a América Latina: Montoneros na Argentina, Tupamaros no Uruguai, Sendero Luminoso no Peru, M-19 na Colômbia, Unidad Revolucionaria Nacionalna Guatemala, Frente Farabundo Martí em El Salvador – com destinos diferentes, poderá falar-se em êxitos revolucionários? Só no México a prolongada experiência zapatista de Chiapas parece conjugar força militar, mobilização democrática e luta pelos direitos de minorias ameríndias. Na Ásia, antigas oposições armadas prosseguiram combates inglórios na Birmânia, na Malásia e na Tailândia. Nas Filipinas não foi a guerrilha que obrigou Marcos ao exílio, foi Corazón Aquino. Como antes tinha sido um religioso, um imã, a depor o xá do Irão. A resistência do povo curdo não logrou restabelecer a unidade e a soberania do Curdistão.

A violência dos separatistas patanes e beluchis no Paquistão, dos sihks na Índia e dos tâmiles no Sri Lanka não satisfez as suas reivindicações. Em África, só os tigrinhas da Etiópia, apesar de minoritários, conseguiram tomar o poder em Addis Abeba, como mais tarde a frente anti-Mobutu no Zaire. Mas o panorama das lutas no continente é desolador, com relevo para a zona dos Grandes Lagos. Na Serra Leoa, no Sudão, na Somália, na Libéria, na Costa do Marfim as guerrilhas apodrecem sem solução militar à vista, numa situação só comparável à longa agonia dos khmers vermelhos no Cambodja ou à sangrenta ineficácia da violência fundamentalista na Argélia.

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Incertezas interpretativas, causas múltiplas e conclusões provisórias

Está absolutamente fora de causa insinuar qualquer pretensa “lei” da história, segundo a qual na nossa era a guerra teria entrado em declínio, ou arriscar qualquer conclusão apressada donde se pudesse deduzir a obsolescência das forças armadas ou a improbabilidade de novos conflitos sangrentos. Seria também insensato ignorar que há comunidades que se mobilizam pela defesa dos territórios dos seus antepassados, que há fanáticos que heroicamente se imolam por causas sagradas, que a escassez de recursos vitais pode ser um factor crítico potenciador de conflitos, que o comércio de armas continuará a ser rendoso ao ponto de instigar novas guerras.

Mas todas estas evidências não impedem que os factos pareçam apontar para a relativa ineficácia da utilização dos meios militares com vista à resolução de conflitos entre as comunidades humanas. O recurso a esses meios poderá estar a tornar-se não apenas moralmente condenável como ainda estrategicamente inadequado. Temos por agora alguma dificuldade em identificar as causas desta presumível tendência. Pode invocar-se a perigosidade dos arsenais disponíveis e o consequente efeito de dissuasão: a sofisticação dos armamentos e o seu poder destrutivo provocariam inibição para dar o primeiro tiro.

Pode argumentar-se com a desproporção dos meios usados para obter os fins em vista: os custos da guerra já não seriam compensadores face aos eventuais ganhos políticos, enquanto a relativa desvalorização dos territórios tende a tornar obsoletas as guerras de conquista. Não faltam razões de ordem ecológica para dissuadir a utilização de meios militares: os riscos para o equilíbrio – quando não para a sobrevivência – do ecossistema são hoje demasiado visíveis. Será também verdade que o expansionismo das potências deixou de precisar do domínio físico para impor hegemonias: o “soft power” tende a substituir o “hard power”. Para alguns, as “guerras económicas” levariam a suplantar as “guerras militares” porque, esse sim, será o teatro de operações onde se jogam os grandes conflitos. E a densidade das interdependências é de tal modo acentuada que a iniciativa da guerra pode implicar fortes prejuízos recíprocos. Por muitas razões, a ideologia guerreira tem sofrido um processo de deslegitimação, seja pela via da crítica ao nacionalismo exacerbado, seja porque se tende a estabelecer relação entre a disseminação da democracia e a resolução pacífica dos conflitos. Finalmente, não será certamente desprezível a existência de dispositivos internacionais tendentes a impedir ou estancar a violência, através da mediação, da arbitragem e do acatamento da jurisprudência internacional. Seja como for, a observação atenta da conflitualidade dos últimos 25 anos, entre 1979 e 2004, permite assim avançar algumas conclusões provisórias:

  • Verificaram-se grandes transições geopolíticas, sem guerra global;
  • A conquista territorial caiu em desuso;
  • Quem inicia uma guerra de conquista, perde-a;
  • As guerras interestatais tornaram-se comparativamente mais raras;
  • As guerrilhas ou lutas populares prolongadas, designadas como “guerras subversivas” ou “guerras de baixa intensidade”, raramente tiveram êxito;
  • Existe uma tendência para o arrastamento dos conflitos, sem solução militar.

 

Ineficácia dos meios militares?

A estas conclusões provisórias, algumas outras reflexões se devem acrescentar, todas elas apontando na direcção da possível perda de eficácia dos meios militares. Um primeiro tópico reporta-se ao que o sociólogo alemão Ulrich Beck designa “sociedade de risco”, enquanto característica predominante da nossa actualidade: a presente civilização desenvolveu processos altamente produtores de riscos, os quais já não derivam de factores naturais, mas têm origem na intervenção humana, abrangendo aspectos tão distintos como, por exemplo, a possibilidade de desequilíbrio do ecossistema, a contaminação nuclear, o aquecimento global, a desflorestação massiva, a extinção de espécies vivas, as pandemias como a SIDA, as ameaças presentes na cadeia alimentar e assim por diante. Ora, é sintomático que nenhum destes perigos seja susceptível de combate por instrumentos de violência ou por força armada.

Apesar do seu carácter global e da rede de interdependências que determinam, estes riscos não cedem a medidas de tipo militar. Outro tipo de riscos se somam a estes e integram já em si mesmos elementos de violência armada, como é o caso do terrorismo global. O que os factos têm demonstrado é que os meios militares convencionais se estão a manifestar inadequados para prevenir ou punir os actos terroristas. Mais ainda, os territórios das próprias super potências deixaram de gozar da invulnerabilidade que parecia caracterizá-los, perdendo a sua tradicional natureza de “santuários”, ao abrigo de qualquer ataque inimigo. Não obstante os excepcionais dispositivos defensivos instalados em permanência, o World Trade Center, o Pentágono, um teatro de Moscovo, um comboio de Madrid, ou um bairro de Telavive são hoje alvos possíveis de operações terroristas. Isto significa que o sobre-armamento não garante a invulnerabilidade.

Por sua vez, a análise das operações militares convencionais levadas a efeito neste último quarto de século leva a concluir que o poderio militar, mesmo quando em absoluto desproporcionado face a adversários incomparavelmente mais fracos, não garante a obtenção dos desígnios políticos em que assentaram as mesmas operações. Os factos inventariados no ponto B. da caixa do texto anterior, acerca dos conflitos interestatais, apontam exactamente para essa tendência. Basta recordar que o potencial soviético não logrou vergar o Afeganistão entre 1979 e 1988, ou que a superioridade da África do Sul não bastou para vencer Angola nos anos 80, ou que os poderosos “marines” foram humilhados pelos “senhores da guerra” somalis em 1992-93, ou que o esmagador poderio israelita tem-se mostrado incapaz de neutralizar a resistência palestina, da mesma maneira que a Rússia se tem revelado incapaz de resolver a questão da Tchetchénia, primeiro com Ieltsin entre 1994 e 1996, agora com a linha dura de Putin, desde 1999. Esta verificação torna-se particularmente enigmática quando aplicada à experiência militar dos EUA nos últimos 25 anos, ou mesmo um pouco mais, se quisermos recuar até meados da década de 70, para incluir a retirada do Vietname.

O levantamento que fazemos em caixa é, sem dúvida, surpreendente, se recordarmos que estamos a falar daquela que a linguagem técnica qualifica como “hiperpotência”, justamente para assinalar o seu excepcional poderio, de onde se poderia esperar um balanço militar heróico. Em vez disso, encontramos uma sucessão de fracassos, à mistura com reduzidas vitórias e operações inconsequentes. É verdade que algumas acções bélicas norte-americanas foram razoavelmente bem sucedidas, como aconteceu em Granada e no Panamá, e mesmo parcialmente no Haiti. Mas trata-se de iniciativas dirigidas a pequenos países da mais directa esfera de influência dos EUA, nessa região das Caraíbas e da América Central. Nestes casos estaríamos mais próximos das operações policiais do que propriamente de actos de guerra em grande escala. No período em apreço, países árabes e islâmicos foram alvo, nos anos 80 e 90, de intervenções militares caracterizadas por bombardeamentos aéreos de retaliação selectiva, em resposta a acções contra objectivos norte-americanos. Tal ocorreu na Líbia, no Sudão, no Afeganistão e no Iraque – mais do que actos de guerra propriamente dita, podem ser classificados com propriedade como raides punitivos.

A lista das acções redondamente fracassadas, sem ser longa, é bastante elucidativa. No processo dos reféns do Irão, no sul do Líbano, na já referida Somália, as forças norte-americanas saíram penalizadas e desprestigiadas. Deve acrescentar-se referências a duas situações que envolvem também o poderio militar dos EUA, directa e indirectamente, com reiteradas provas de incapacidade para a resolução dos problemas pelas forças das armas: a aliança militar privilegiada com Israel e a luta contra o narcotráfico na Colômbia. Por último, restam as operações militares de envergadura da última dúzia de anos, duas delas com cobertura das Nações Unidas (no Iraque em 1991 e na Bósnia), uma com natureza de operação NATO (no Kosovo) e outras duas de iniciativa unilateral dos EUA, pilotando coligações ad hoc de aliados (no Afeganistão em 2001 e no Iraque em 2003).

Seria longo detalhar a análise de cada uma destas guerras, de modo que não é possível tratar aqui o tema em pormenor, mas é provável que esteja generalizada a percepção de que os Estados Unidos, apesar da gigantesca utilização de meios e da desproporção tecnológica entre os beligerantes, têm encontrado as maiores dificuldades em atingirem os objectivos políticos que motivaram a intervenção militar. Mesmo quando a vitória militar parece adquirida, os fins estão longe de serem alcançados: por exemplo, a derrota dos sérvios não impediu a limpeza étnica no Kosovo, só que ela reverteu a favor dos albaneses e em benefício das respectivas máfias; a derrocada do regime taliban não permitiu a captura dos líderes procurados, nem sequer o controlo do Afeganistão, desestabilizado, fragmentado, reconvertido em narco-Estado. E a evolução da actual guerra do Iraque talvez seja o episódio mais eloquente desta aparente tendência para o declínio da eficácia dos meios violentos como forma de imposição de vontade. A confirmar-se uma tal tendência, que grande número de factos aqui inventariados torna admissível, as consequências serão enormes para o pensamento estratégico.

 

Informação Complementar

25 ANOS DE INTERVENÇÕES MILITARES NORTE-AMERICANAS

0. Saída norte-americana do Vietname (1975)

1. Intervenções menores contra países vizinhos (quase operações policiais...)

a. Granada (Operação “Urgent fury” em 1983)
b. Panamá (Operação “Just Cause” em 1989)
c. Haiti (Operação “Suport Democracy” em 1994)

2. Raides punitivos

a. Líbia (1986)
b. Sudão (1998)
c. Afeganistão (1998)
d. Iraque (Operação “Desert Fox” em 1998)  

3. Acções militares fracassadas

a. Tentativa de recuperar os reféns no Irão (Operação “Eagle Claw” em 1980)
b. Intervenção dos marines no sul do Líbano (1982-84)
c. Intervenção na Somália (Operação “Restore Hope” em 1993)

4. Intervenções indirectas

a. Apoio continuado ao esforço de guerra do Estado de Israel
b. Apoio militar à luta contra o narcotráfico na Colômbia (nomeadamente desde 1999, com o Plan Colombia)

5. Operações militares em grande escala

a. Primeira guerra contra o Iraque (Operação “Desert Storm” em 1991)
b. Intervenção na Bósnia-Herzegovina, no quadro da ONU (1995)
c. Operação contra os sérvios no Kosovo, no âmbito da NATO (1999)
d. Guerra do Afeganistão contra os Taliban (Operação “Infinite Justice”, depois designada “Enduring Freedom” em 2001)
e. Segunda guerra contra o Iraque (2003)

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* Luís Moita

Vice-Reitor da UAL.

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