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Janus 2005



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A questão da paz no Fórum Social Mundial

Teresa Cunha *

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As sociedades contemporâneas vivem hoje marcadas por relações internacionais de uma complexidade e interdependência crescentes.

 

As globalizações do milénio

As comunidades humanas, as nações, os Estados, assim como as suas organizações de base regional ou internacional, políticas, económicas e sociais, estão, do mesmo modo, expostas aos múltiplos fenómenos de um tempo e de um espaço nos quais as diferentes globalizações que estão em marcha exercem um enorme atractivo e influência. Portugal faz parte desta mega-comunidade, sofrendo e usufruindo dos fluxos, colapsos e potencialidades provocados por esta realidade. O predomínio financeiro na economia, a criação de um mercado planetário, a deterioração do princípio do multilateralismo, que marcara as relações internacionais na segunda metade do século XX, o agravamento das desigualdades mundiais no acesso e distribuição da riqueza produzida e existente, a proliferação de conflitos violentos dentro e fora das fronteiras dos Estados nacionais, tal como o aumento e a irreversibilidade dos desequilíbrios ecológicos, criaram novos problemas e produziram novos contornos em todas as relações sociais existentes.

Durante a década de 90 consolidou-se a globalização das relações económicas segundo um modelo neoliberal, liderado pelas elites dos países tecnologicamente desenvolvidos, que instaurou uma concepção que não se esgota no acesso e transformação de matérias-primas mas, que pelo contrário, coloca sob o seu domínio a maioria das relações sociais materiais e imateriais. É neste contexto, em que diversos movimentos de fragmentação e universalização se cruzam, se contradizem e se impõem, que as questões da paz e da guerra, entre muitas outras coisas, saem das relações sociais e transformam-se em realidades passíveis de se tornarem meros objectos informados de uma estética que se mediatiza e naturaliza através dos meios de comunicação de massas.

 

O Fórum Social Mundial

O movimento do Fórum Social Mundial surge de uma ideia fundadora que é a de que o projecto imperial neoliberal não só é extremamente injusto para a esmagadora maioria da população humana, promove guerras e conflitos bélicos incontáveis e de consequências dificilmente avaliáveis, como conduzirá a um ambiente insustentável e absolutamente incapaz de manter a vida e, no limite, a existência do planeta. Numa palavra, a globalização protagonizada pelas elites instaladas no poder dos países do centro do sistema mundial e das organizações transnacionais como a OMC, o FMI e o BM, é suicida para a humanidade e para o mundo. Sem um projecto e sujeito únicos e universais de mudança, este movimento constrói-se a partir da ideia de um internacionalismo forte, no qual se possam expressar as várias formas que as comunidades de mulheres e homens têm vindo a inventar para resistir e resolver os seus problemas e que são as suas ideias de emancipação ou libertação No início do ano de 2001, nas datas em que se reunia o Fórum Económico e Social em Davos reúne-se pela primeira vez, em Porto Alegre, a capital do estado do Rio Grande do Sul do Brasil, o primeiro Fórum Social Mundial (FSM).

Caracterizado como um espaço de encontro da “sociedade civil global”, não governamental, não confessional e não partidário, e arena de resistência ao pensamento único neoliberal, busca a articulação de acções concretas e alternativas, constituindo-se, também, como uma assembleia mundial não deliberativa mas propositiva de uma globalização contra-hegemónica. Esta, ao invés da outra, é protagonizada pelos povos, pelos grupos humanos e pelas suas acções de resistência ou de luta expressa, livres da coacção e da violência, por um mundo onde a economia e o mercado possam servir a humanidade e não o contrário. Encontrando um eco importante nos movimentos sociais de todo o mundo, o FSM reúne-se de novo em 2002 e 2003 em Porto Alegre com um número crescente de participantes e de acções desenvolvidas por organizações de todos os continentes.

Apesar da dinâmica mundial presente desde o início, a sub-representação de pessoas e movimentos da África e Ásia acaba por se tornar evidente. Tentando contrariar a institucionalização e promovendo uma estratégia de diversificação de pessoas, propostas e visões presentes nestas assembleias mundiais em que se traduz cada um dos Fóruns, em 2004 ele é realizado em Mumbai, na Índia. Torna-se essencial criar o espaço e a oportunidade para que a Ásia e, pelo menos, a África Oriental possam enriquecer com as suas visões o movimento e o processo de construção de uma agenda mínima comum de resistência e luta contra o neoliberalismo. Ainda que o número de participantes e o número de actividades tenha decrescido, na verdade ganhou-se em diversidade de público e numa nova maneira de ver e falar desta globalização contra-hegemónica.

 

A paz no Fórum Social Mundial

Na lógica do FSM, a paz aparece desde o início como um pré-requisito de uma mudança substancial no actual estado das coisas públicas humanas. A paz é expressa enquanto recusa de um mundo militarizado predisposto a tornar cada objecto privatizável, num alvo militar para o obter ou para assegurar a protecção à continuidade da sua exploração. A paz, tal como aparece na retórica oficial do FSM, é, sobretudo, a ausência de guerra ou de conflito bélico, em consequência de uma política global assente na extrema competição, apropriação e exploração. A paz, neste sentido, surge no discurso do Fórum como um conceito abrangente mas relativamente vago e que pretende vincar apenas uma posição geral não militarista. Porém, a análise dos programas de 2002, 2003 e 2004 permite conceber melhor como o conjunto do Fórum percebe, evolui e age acerca da paz e da guerra.

Em primeiro lugar e no que diz respeito às iniciativas da responsabilidade das organizações presentes, percebe-se que existe uma preocupação muito generalizada e diversificada acerca da paz e da análise das causas e consequências dos conflitos violentos. A centralidade da paz, com sentido abrangente mas com um valor concreto para a vida das pessoas, aparece disseminada pelo conjunto de seminários, oficinas, mesas de diálogo e controvérsia, painéis e conferências, propostas e realizadas em cada um dos três anteriores FSM. No Fórum de 2002 não se encontram muitas oficinas e actividades autopropostas e geridas que tratem explicitamente do problema de paz e da guerra, mas muitos dos assuntos abordados são claramente conectáveis com elas. De entre todos podem-se destacar os seguintes: as práticas da não-violência; as organizações internacionais e a regulação das relações internacionais; imperialismo e violência; a crise capitalista e a guerra; a paz e a justiça social; a globalização de baixo para cima desafiando a globalização inversa e a guerra; a construção da paz nos países afectados pelas guerras ou regimes políticos militaristas e genocidas; a cultura da paz; a nova ordem geopolítica internacional e as suas implicações; paz e trabalho. Estas actividades surgem quase todas organizadas no âmbito do eixo temático IV designado como Poder Político e Ética na Nova Sociedade. No FSM de 2003 a conjuntura mundial faz precipitar as preocupações pela paz e pela guerra, assim, aumentam e amplificam-se as acções e as iniciativas das organizações, redes e movimentos, em torno deste problema.

A organização do Fórum define um quinto eixo temático, Ordem Mundial Democrática, Luta contra a Militarizaçãoe promoção da Paz, cujo nome traduz o interesse e a urgência crescentes, em torno da paz e da guerra. Durante este Fórum as oficinas e outras actividades auto-organizadas sobre estes assuntos ascendem a uma centena, analisam e abordam problemáticas tais como: a não-violência; acção directa pela paz; relações internacionais, paz e governação mundial; arte e paz; educação e paz; paz interior; paz interna para uma paz mundial; a análise dos processos de conflito e construção da paz vinculadas a casos nacionais – Colômbia, Palestina, Afeganistão, Congo, Paquistão, etc; transformação positiva e criativa dos conflitos; diálogo intercultural e resolução de conflitos; guerra e terror; mulheres e paz; feministas e paz; paz e democracia; paz e autodeterminação dos povos; paz e segurança; religiões e paz.

Em Mumbai, o número deste tipo de actividades decresceu, situando-se em cerca de meia centena, mas as propostas de análise densificam o conceito de paz que se desenvolve no seio do FSM, através das actividades e soluções trazidas pelos movimentos e redes. Ao longo dos quatro dias do FSM trataram-se assuntos como os seguintes: armas ligeiras; armas nucleares; guerra e autodeterminação; cultura da paz; guerra e pobreza; media e militarismo; educação e paz; construção da paz – Afeganistão, Iraque, Libéria, Colômbia, Palestina, Tibete, etc; paz e justiça global; prevenção e resolução de conflitos; paz e segurança humana; desmilitarização e desarmamento para a paz; género e guerra; religiões e paz; reconstrução pós-bélica; as crianças nos processos de paz; água e guerra; ocupações imperiais bélicas; a militarização da ajuda humanitária; guerra e saúde pública; paz e direito; paz e ética; sociedade civil na construção da paz; controlo de armas; e ainda, o militarismo.

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Desta pequena análise se destaca que, um após outro evento, não só a Paz ocupa um espaço importante nas discussões das organizações e do Fórum em geral, como se amplificam os paradigmas interpretativos do conceito. Aliás, quase que se pode afirmar que este passa a funcionar como um meta conceito transversal a todas as visões, necessariamente plurais, do lema fundador: um outro mundo é possível. Em segundo lugar, e apesar de serem muito menos diversificados e ricos tematicamente do que as acções e iniciativas das bases do movimento, os programas dos três últimos Fóruns revelam a importância, a atitude e o discurso presentes na programação oficial internacional da responsabilidade dos diferentes Comités Organizadores. De facto, desde 2002 que a paz aparece sempre referida e sempre como um horizonte das múltiplas utopias que o Movimento anuncia. Com um pico quantitativo em 2003, continua a aprofundar o seu espectro em 2004. É relevante o facto de, no último Fórum em Mumbai, o discurso de abertura ter sido numa parte importante dedicado à guerra e à paz. Ao lugar central que a guerra tem no projecto imperial neoliberal, corresponde um lugar primordial da paz na construção da resistência, alternativas e respostas que o Movimento precisa de realizar e consolidar de forma global.

 

Informação Complementar

FSM: PAINÉIS E CONFERÊNCIAS MUNDIAIS

2002

Globalização e militarismo
Geopolítica e geocultura –
Visões de uma nova ordem imperial
Guerra e paz –
Os instrumentos do direito internacional na regulação entre os países
A luta contra a guerra imperialista –
Desafio na construção do internacionalismo no início do século
Paz e trabalho
Terror de Estado
Fórum um mundo sem guerras é possível
Uma polícia democrática e cidadã para a construção da paz  

2003

Marcha da diversidade contra a guerra
Tambores e vozes pela paz
Ordem mundial –
Soberania e papel dos governos e da ONU
Estratégias democráticas para resolver conflitos internacionais
Império, guerra e unilateralismo
Resistência à militarização
Governação económica global e instituições internacionais
Cooperação democrática –
Integração, multilateralismo e paz
Contra a militarização e a guerra
Paz e valores
Como enfrentar o império
Globalização e militarização –
Obstáculos ao progresso dos países em desenvolvimento com foco específico na região árabe
Guerra contra o Iraque –
Estratégias de solidariedade internacional
Guerra contra o Iraque –
Impacto social, político e económico
Rede da Europa contra a guerra no Iraque
Em oposição às guerras do século XXI, como construir a paz entre os povos  

2004

Militarismo, guerra e paz
Guerras contra as mulheres e mulheres contra as guerras
A luta contra o neoliberalismo e a guerra –
O seu significado para o FSM
A ocupação pelos USA do Iraque e os problemas da Palestina e do Afeganistão
Tribunal Mundial das Mulheres sobre os crimes de Guerra dos EUA
Os instrumentos do imperialismo –
Guerra, comércio e finanças
Dívida, livre comércio e militarização –
A estratégia imperialista nas Américas e a resistência a ela
Combatendo o unilateralismo e reformando as Nações Unidas

 

CARTA DE PRINCÍPIOS DO FSM

O Fórum Social Mundial opõe-se a toda a visão totalitária e reducionista da economia, do desenvolvimento e da história e ao uso da violência como meio de controlo social pelo Estado. Propugna o respeito dos Direitos Humanos, prática de uma democracia verdadeira, participativa, relações igualitárias, solidárias e pacíficas entre pessoas, etnias, géneros e povos, condenando todas as formas de dominação assim como a sujeição de um ser humano pelo outro.

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* Teresa Cunha

Licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pós-graduada em Ciências da Educação pelo CIFOP da Universidade de Aveiro. Mestranda em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigadora do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Docente na Escola Superior de Educação de Coimbra.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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Link em nova janela Número de eventos

Link em nova janela Número de países representados

Link em nova janela Número total de participantes

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