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Portugal e as missões de paz na ex-Jugoslávia (I)

Carolina Cordeiro *

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A participação nacional nas operações de paz multinacionais ganhou relevo na década de 90, quando as Forças Armadas Portuguesas (FAP) foram chamadas a intervir em diversos teatros de operações nos quatro cantos do globo, contribuindo em operações de paz ao abrigo das Nações Unidas (ONU) ou de organizações regionais europeias, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), União da Europa Ocidental (UEO) e União Europeia (UE). Neste contexto, destaca-se a participação em missões de paz na ex-Jugoslávia, em todas as fases e cenários daquela guerra, com o envio de observadores militares, contingentes militares e/ou forças policiais, o que representou uma evolução radical no sentido de uma “europeização da política de defesa” (1) nacional com um maior envolvimento político e operacional no seio da OTAN e UEO.

 

A primeira fase do conflito (1991-1995): missões de paz tradicionais

Portugal colaborou timidamente com a comunidade internacional e europeia logo no início do conflito na ex-Jugoslávia em 1991, quando do envio pelas Comunidades Europeias de uma missão de observadores internacionais – a European CommunitiesMonitoring Mission for Yugoslavia (ECMM-YU) – para verificar o cumprimento do cessar-fogo acordado em Brioni entre a Eslovénia e a República Federal da Jugoslávia e que seria, ainda durante esse ano, alargada à Croácia e Bósnia Herzegovina, com o defl grar do conflito nestas repúblicas. A limitada colaboração inicial portuguesa nesta missão estava de acordo com o nosso tradicional posicionamento em política externa e de defesa. Desde a 1ª Guerra Mundial que Portugal havia adoptado uma política de neutralidade e não intervencionismo no cenário europeu. Este não intervencionismo escudava-se na defesa do princípio de não intervenção, num contexto de Estados soberanos, e na crença no princípio de neutralidade, do período salazarista, que tão bons resultados tinha dado.

Por outro lado, refugiava-se no realce da primazia das relações com os PALOP e na manutenção de uma saudável relação transatlântica. A Europa era um contexto recente ao qual Portugal ainda não se tinha adaptado e sobre o qual guardava uma certa desconfiança, com excepção do campo económico. No entanto, ao assumir a Presidência das Comunidades Europeias em Janeiro de 1992, Portugal viu-se forçado a alterar a hierarquia de valores e a adoptar uma posição mais forte e coerente nos assuntos políticos e de defesa europeia, sobretudo face ao conflito na ex-Jugoslávia que ameaçava a estabilidade do continente. Como estabelecido, Portugal assumiu a chefia da missão de monitores europeus, indo portanto desempenhar um papel importante ao nível diplomático e operacional. Foram enviados para o terreno cerca de 50 civis e militares, que se juntaram aos seis monitores portugueses já presentes desde 1991.

Geograficamente repartidos por centros regionais em Split, Belgrado, Sarajevo e Ljubljana, os observadores da ECMM-YU tinham como missão a monitorização da situação no terreno através de visitas a unidades cercadas, prisioneiros de guerra e minorias étnicas ameaçadas, bem como a supervisão do levantamento de campos de minas e da recolha de vítimas das frentes de batalha, conhecidas por “no-man’s land”, exercendo ainda algumas funções de mediação em situações de disputa ou conflito com que se deparassem no desempenho das suas funções no terreno. Paralelamente à presença de observadores no terreno, eram desenvolvidos múltiplos esforços diplomáticos em nome da Comunidade Europeia para travar o conflito e alcançar a paz. Infelizmente, nenhum destes elementos foi capaz de trazer a paz à região e contribuir decisivamente para a solução do conflito. Numa análise feita no final da presidência portuguesa, concluía-se que “Também a acusação de que, passados dez meses de acção, a guerra continua, é uma injustiça para com os monitores da CE. A responsabilidade pela política ter falhado na Jugoslávia não é deles. De qualquer modo, neste conflito, enquanto a paz não for desejada por todas as partes, ela não será alcançad.”(2).

Portugal reduziu nessa altura a sua representação na ECMM, permanecendo até ao final da missão em2001 apenas um observador no terreno. Uma vez finda quase na totalidade a missão na ECMM-YU, Portugal mantém presença no terreno através da Força de Protecção das Nações Unidas (UNPROFOR), criada pela Resolução 743 (1992) do Conselho de Segurança da ONU. Prevista inicialmente para durar seis meses e se limitar ao conflito em território croata, viu a sua duração e mandato serem sucessivamente alargados até estar presente em todo o território da ex-Jugoslávia em 1995, em resposta aos sucessivos desenvolvimentos e exigências do conflito. A participação de Portugal na UNPROFOR foi novamente limitada, tendo sido enviados no primeiro trimestre de 1992 cinco observadores militares que integraram a United Nations Military Observation (UNMO), parte da UNPROFOR.

Este número ascendeu aos doze durante o ano de 1993, mas foi novamente reduzido em 1995 para sete observadores nacionais – seis nas missões da ONU na Croácia (UNCRO e UNMO) e um na Macedónia (UNPREDEP). A missão de observação da ONU regia-se por regras não muito diferentes da prévia missão europeia. Os monitores actuavam em equipas de quatro a dez militares, chefiadas por um “team leader”, num sistema de rotação periódica (quatro a seis meses) pelos vários postos de observação. A principal diferença residia nos aspectos logísticos, uma vez que as Nações Unidas apenas forneciam as viaturas, recebendo os observadores um “per diem” para cobrir despesas com alojamento e alimentação (no caso da ECMM-YU todos estes aspectos eram da responsabilidade da equipa de coordenação da missão).

A participação portuguesa no esforço da UNPROFOR completava-se com a presença de valiosos elementos das forças policiais nacionais e de algumas equipas de apoio médico e sanitário. Portugal enviou trinta e nove elementos da PSP que desempenharam funções de observação nas operações da UNPROFOR na Bósnia e duas equipas médico-cirúrgicas do Exército Português para a zona de Bihac, Kyseljak e Sarajevo, na Bósnia. Paralelamente, Portugal empenhou a Marinha e Força Aérea nas missões de vigilância do cumprimento dos embargos e sanções aplicadas pela comunidade internacional, levadas a cabo pela OTAN e UEO no Mar Adriático e espaço aéreo bósnio. Estas operações são frequentemente esquecidas na análise do envolvimento internacional no conflito; contudo, são elas as grandes responsáveis pelo sucesso dos esforços de mediação do conflito levados a cabo entre 1992 e 1995. Elas introduziram no processo diplomático o até então ausente e crucial elemento militar dissuasor, sobretudo durante o ano de1995, quando adoptaram uma postura mais activa e se registaram os primeiros ataques aéreos a forças no terreno em resposta a violações dos acordos assumidos nas mesas de negociação.

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A segunda fase do conflito (1996-1997): imposição da paz

Apesar dos esforços envidados, o envolvimento internacional no conflito até meados de 1995 pautou-se por uma geral falta de coerência, coordenação e capacidade de dissuasão. Só com um envolvimento mais “musculado” da comunidade internacional durante 1995, reflectido nos ataques aéreos em resposta a violações dos compromissos e resoluções acordados, se conseguiu levar as partes em conflito à mesa de negociação. As negociações de paz iniciadas em Dayton (Novembro de 1995) culminaram na assinatura do Acordo de Paz para a Bósnia, a 14 de Dezembro de 1995 em Paris. Logo no dia seguinte o Conselho de Segurança da ONU adoptava a Resolução 1031, sancionando uma implementação dos aspectos militares do Acordo de Paz através da missão IFOR (Implementation Force) da OTAN.

A IFOR tinha um mandato claro e capacidades adequadas à missão que foi chamada a cumprir. De facto, uma das principais preocupações no planeamento desta força tinha sido evitar que se cometessem os mesmos erros ocorridos durante a presença da UNPROFOR no terreno, resultantes do facto de o mandato daquela missão ter sido sucessivamente alargado sem que paralelamente a força no terreno tivesse visto a sua capacidade material e operacional ser adaptada de forma a cumprir tais exigências, acabando por se tornar num elemento refém do conflito e sem qualquer capacidade de influenciar decisivamente a evolução da situação no terreno.

Determinou-se que a IFOR se deveria concentrar nos aspectos militares dos acordos de paz e, secundariamente, fornecer apoio e aconselhamento em termos de segurança às operações no campo civil e humanitário. Cabia-lhe supervisionar a marcação e cumprimento das linhas de separação inter-entidades (IEBL); verificar, e se necessário forçar, a retirada das forças beligerantes para os seus territórios e a criação de uma zona de separação entre as partes; assumir o controlo do espaço aéreo sobre a Bósnia Herzegovina e do tráfego rodoviário militar nas principais estradas; garantir a total liberdade de movimentos no território; estabelecer a Joint MilitaryCommission para servir de fórum de resolução de disputas no cumprimento

do Acordo entre as partes; e, em segundo plano, cooperar com as organizações civis e humanitárias.

Portugal ponderou esta participação logo em 1994, quando ainda se planeava a operação Determined Effort destinada a retirar as forças das Nações Unidas do terreno em finais de 1995. Nessa altura, o então ministro da Defesa, A. Figueiredo Lopes, demonstrou a disposição de Portugal em participar, em nome da solidariedade europeia e internacional, numa tal missão. Para esse efeito, ordenou o início do aprontamento de um batalhão das tropas nacionais. Foi no entanto ao governo socialista, saído das eleições legislativas de Outubro de 1995, que coube a decisão de enviar as tropas portuguesas para o terreno, já no âmbito da nova missão da OTAN. Na sequência dos Acordos de Paz e da criação da IFOR (Operação JointEndeavour), Portugal manteve a sua resolução de participação, ainda que o carácter da IFOR se afastasse do de uma operação de paz tradicional e se assemelhasse a uma operação de paz de segunda geração, com um mandato de imposição da paz através de uma presença militar forte e maior legitimidade do uso da força. Foi enviado para o terreno em Janeiro de 1996 um contingente de cerca de novecentos elementos, composto por 687 elementos do 2º Batalhão de Infantaria Aerotransportada (2º BIAT/BAI) e por 225 elementos do Destacamento de Apoio e Serviços, todos eles voluntários em regime de RV/RC (3).

Tal como havia sido previamente acordado, o contingente português foi incorporado na Brigada Multinacional Norte, comandada por italianos (por sua vez integrado na Divisão Multinacional Sudeste – Sarajevo/ Mostar, sob comando francês). A sua área de responsabilidade estendia-se entre Rogatica, Kukavice, Gorazde, Vitkovici, Ustipraca e Praça, zona maioritariamente sérvia e com uma “bolsa” muçulmana em Gorazde. O nosso contingente, denominado “Agrupamento Júpiter”, tinha como responsabilidade directa: acções de patrulhamento das zonas de separação interétnica, de Gorazde e Praca; escoltas a colunas humanitárias ao longo da InterimRoute 1, uma das principais rodovias do país que ligava Sarajevo a Gorazde; e acções de marcação e vigilância das IEBL. A missão foi cumprida com sucesso e sem incidentes de maior, conseguindo-se ultrapassar com mérito alguns momentos de maior tensão.

A decisão de participação portuguesa na IFOR marcou efectivamente uma mudança

profunda na política de defesa portuguesa em relação ao contexto europeu, pelo abandono da política de neutralidade e não intervenção e adopção de uma posição activa e interveniente na defesa da paz no espaço europeu. O governo português apresentou três motivos fundamentais para defender esta decisão: a necessidade de manter a credibilidade de Portugal como parceiro no projecto europeu perante os compromissos assumidos no seio da OTAN e da União Europeia; razões de solidariedade para com as vítimas do conflito na ex-Jugoslávia; e a defesa do interesse nacional. Este último motivo é de extrema importância para realçar a mudança registada na postura portuguesa: o interesse nacional não se limitava já a uma defesa da integridade das fronteiras nacionais, mas passava a incorporar a defesa do projecto europeu e da estabilidade do continente. Era o assumir da defesa da fronteira de interesses, cada vez menos coincidente com a das fronteiras territoriais nacionais, e paralelamente a incorporação da Europa e das suas fronteiras no interesse nacional português.

Esta mudança conceptual tinha sido pela primeira vez delineada no Conceito Estratégico Nacional de 1994, onde se afirmou que as Forças Armadas Portuguesas deveriam ser um “instrumento da política externa do Estado” na satisfação dos “compromissos assumidos por Portugal no âmbito da OTAN e União Europeia”, bem como o seu papel nas “missões de paz, integradas em forças multinacionais a construir no “âmbito internacional”. A decisão de participação portuguesa na IFOR enquadrava-se assim numa mudança da postura nacional em termos de defesa e política externa, adaptando-se ao novo contexto pós Guerra-Fria e aos desafi os dos anos noventa.

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1 VASCONCELOS, A. – “A Europeização da Política de Defesa”, Estratégia Revista de Estudos Internacionais. Nº 14, 2º semestre 1999, p. 13.
2 BOENNEMANN, K. – “Mais uma Ilusão Perdida”, Revista Boina Verde. Nº 161, Abril/ Junho 1992, p. 29.
3 Trata-se de um duplo voluntariado, uma vez que só se admitem militares em regime de contrato que se voluntariem especificamente para esta missão. Esta prática passou a ser norma por parecer governativo de Março de 1996.

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* Carolina Cordeiro

Licenciada em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Pós-Graduada em Direitos Humanos e Democratização pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Doutoranda em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Católica Portuguesa.

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Dados adicionais
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