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Janus 2006



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O sector financeiro chinês

Henrique Morais *

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As políticas excessivamente favoráveis para as exportações e o investimento estrangeiro fizeram sentido depois do país ter aberto a economia em 1979. Mas, desde então, induziram a ideia errada de que o seu apoio incondicional levaria a um consistente excedente comercial. Esta mentalidade deverá ser modificada. O excedente comercial não é sempre necessariamente bom.

Surpreendentemente, estas palavras foram proferidas por Guo Shuqing, ex-responsável pelo organismo estatal encarregue de administrar o mercado cambial, vice-governador do banco central da China e recentemente nomeado presidente de um dos quatro maiores bancos estatais chineses (o China Construction Bank)!

Se, por um lado, ilustram bem as dúvidas que existem na sociedade chinesa, mesmo nos meios governamentais, quanto ao modelo de desenvolvimento que está a ser seguido, por outro lado são imprescindíveis para compreender melhor as contradições de todo o sistema e, nomeadamente, aquelas que afectam o sector financeiro e que põem em risco o próprio equilíbrio da economia chinesa.

Mas recuemos um pouco...

 

Abertura, mas devagar...

Quando no final dos anos 70 as autoridades oficiais deram os primeiros passos no sentido de alguma abertura da economia e sociedade chinesas, a mensagem foi bem clara: abrir as fronteiras ao investimento estrangeiro, fomentá-lo até nalguns sectores, mas não esquecer o objectivo principal da política económica: criar excedentes comerciais tão elevados quanto possível.

No entanto, talvez também porque as próprias autoridades oficiais temessem a sustentabilidade a prazo de uma estratégia deste tipo, poucas (ou nenhumas alterações) se introduziram noutras áreas da economia.

Em especial no que toca ao mercado de capitais, a China está nos antípodas do que deve ser um mercado desenvolvido e a funcionar eficazmente: o segmento obrigacionista é dominado pelas emissões de dívida pública e, na vertente das acções, a maioria das empresas cotadas são públicas e as suas acções não se negoceiam. Aliás, os índices de cotações chineses têm tido um comportamento pouco favorável nos últimos anos, tendo em conta o dinamismo relativo da economia chinesa. Deste modo, em 2004, os dois principais índices de cotações chineses, referentes a Xangai e a Shenzhen, perderam 15,2% e 16,5%, respectivamente, em contraciclo com as principais praças mundiais (1). No período de 1993 a 2004, a taxa média de crescimento destes índices foi de 7,5% e 12,3%, não muito distante do observado na Europa (o Eurostoxx 50 subiu 11,2%) ou nos EUA, em que o Dow Jones aumentou 11,5% e o Nasdaq 15,6%.

Neste contexto, o financiamento da economia tem sido assegurado pelo sector bancário e pela retenção de lucros das empresas. Aliás, nos últimos anos observou-se um aumento notável do crédito concedido pelos bancos, perante o cenário de forte crescimento do investimento. Deste modo, entre 2002 e 2004, o crédito concedido aumentou cerca de 5.350 mil milhões de yuans (aproximadamente 645 mil milhões de dólares dos EUA), ou seja, o novo crédito concedido correspondeu, em termos médios, a cerca de 20% do PIB em cada um dos anos em causa.

Ora, pouco ou nada se alterou a nível do (mau) funcionamento dos grandes bancos chineses, desde logo porque se mantiveram na posse, e ao serviço, do Estado. Actualmente, os quatro maiores bancos chineses (2) representam cerca de 55% do crédito total concedido pelo sector financeiro, ou seja, aproximadamente 1.500 mil milhões de dólares, ou, visto por outro ângulo, 85% do produto interno bruto da China. Por outro lado, os depósitos na posse destes 4 bancos correspondem a 60% do total do sistema bancário.

Em paralelo com estes grandes bancos públicos coexistem imensos microbancos de carácter cooperativo (mais de 30 mil) e algumas filiais de bancos estrangeiros que, todavia, são responsáveis por apenas cerca de 15% dos activos totais do sistema financeiro. No entanto, a cobiça internacional, designadamente dos grandes grupos financeiros norte-americanos, pelos bancos chineses já começou, com a tomada de posição relativamente significativa do Bank of America no China Construction Bank (9%) e com a posição do HSBC no capital do Bank of Communications (20%).

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O fantasma das reservas...

Para que o modelo de crescimento baseado na materialização de excedentes comerciais se pudesse perpetuar, as autoridades chinesas definiram, em 1994, um sistema de fixação do valor do yuan (a moeda local) face ao dólar norte-americano. Pretendia-se com esta decisão evitar eventuais efeitos negativos na competitividade da indústria transformadora nos mercados internacionais, associados a uma mais do que previsível apreciação da moeda chinesa, com a progressiva materialização de excedentes da balança corrente em larga escala.

Não admira, portanto, que associado ao forte crescimento dos excedentes comerciais se desenvolvesse um movimento de rápida acumulação de reservas em moeda estrangeira no banco central: entre 1980 e 2004, as reservas oficiais chinesas passaram de 1,99 mil milhões de DSE para 395,68 mil milhões de DSE (ao câmbio actual do DSE cerca de 578,8 mil milhões de dólares), isto é, o peso das reservas oficiais da China no contexto mundial aumentou de 0,6% para 15,9%. A China é actualmente o 2º país do mundo com mais reservas oficiais, atrás do Japão, ultrapassando largamente a área do euro.

Estas reservas estrangeiras rapidamente se tornaram também um motivo de preocupação para as autoridades chinesas, dado que a sua gestão passou ao longo dos anos pela realização de aplicações no exterior, com clara primazia para o mercado da dívida pública norte-americana. Tratou-se, aliás, de uma aplicação bastante rentável para o banco central chinês, num contexto em que a descida das taxas de juro de médio e longo prazo nos mercados internacionais nos últimos anos propiciou, até ao momento, ganhos de capitais consideráveis nos títulos de dívida pública de taxa de juro fixa.

No entanto, os milhões das reservas em moeda estrangeira são hoje um factor de extrema preocupação para as autoridades. Por um lado, porque a sua dimensão “astronómica” aconselha a uma maior diversificação dos países em que se efectuam as aplicações e dos próprios instrumentos a utilizar, o que, ironicamente, pode também significar um risco de mercado adicional. Por outro lado, a China é hoje, a seguir ao Japão, o maior detentor de títulos do Tesouro norte-americano, pelo que a mais do que provável alteração do ciclo recente de descida das taxas de rendibilidade daquele mercado se materializará em perdas massivas dos detentores desses títulos.

Mas as reservas são motivo de preocupação ainda por outra razão. Nos últimos anos, muito se discutiu a propósito da necessidade de uma revalorização da moeda chinesa, recentemente apenas timidamente tentada. Ora, novos passos mais decisivos no sentido dessa revalorização induzirão perdas expressivas no valor em moeda local dos activos externos detidos pelas autoridades oficiais, devendo ainda deteriorar os rácios de capital dos bancos estatais, na medida em que o seu capital está agora expresso em dólares, enquanto os depósitos e os empréstimos estão maioritariamente denominados na moeda local.

Finalmente, a rápida acumulação de reservas tem vindo a dificultar a implementação da política monetária na China. Apesar do reconhecimento oficial de que a economia terá de desacelerar, o facto é que o banco central está limitado no recurso ao instrumento das taxas de juro. Na verdade, a eventual adopção de uma estratégia consistente de subida das taxas de juro oficiais poderia ser contraproducente em termos dos seus efeitos na contenção das pressões sobre os preços, dado que seria susceptível de induzir um ainda maior fluxo de capitais estrangeiros ao país que, se não fossem esterilizados, resultariam em liquidez adicional. Mais uma vez os bancos seriam penalizados, dado que a subida das taxas de juro resultaria em perdas de capital nas aplicações em dívida pública interna a taxa de juro fixa.

 

... e o do crédito mal parado!

O sistema financeiro, em especial ao nível dos bancos, enfrenta todavia um outro desafio bem mais imediato, e que tem a ver com o crédito mal parado.

Segundo números oficiais, o crédito mal parado na posse dos bancos representava, em 2002, cerca de 402 mil milhões de dólares, ou seja, aproximadamente 19% do total do crédito concedido. No entanto, o crédito mal parado total, isto é, aquele que estava na posse dos bancos e o que foi entretanto transferido, por uma mera operação de cosmética financeira, dos bancos públicos para empresas de gestão de activos, era, nesse ano, de cerca de 570 mil milhões de dólares norte-americanos, ou seja, 45% do PIB chinês.

Embora nos últimos anos o peso relativo do crédito mal parado na posse dos bancos tenha diminuído (estima-se que, em 2005, represente cerca de 15% do crédito total e 23% do PIB, com o crédito mal parado total a situar-se em 32% do PIB), julgamos que esta tendência poderá rapidamente inverter-se. Na verdade, a taxa média de crescimento do crédito total entre 2003 e 2005 foi de aproximadamente 14,3% (números absolutamente impensáveis numa perspectiva dos mercados mais avançados), o que, sobretudo perante o provável abrandamento do crescimento na China nos próximos anos, deixa em aberto a possibilidade de novas situações de incumprimento em massa no crédito (5).

A tudo isto deve acrescentar-se o facto de, como muito bem lembrou o Banco Mundial, o processo de esterilização da massa monetária que tem vindo a ser induzido pela acumulação de reservas, está a ser feito “à custa dos bancos”, na medida em que os bancos públicos são “forçados” a aceitar dívida pública a taxas de juro muito abaixo do que aquelas que deveriam estar a ser praticadas se o mercado funcionasse.

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Informação Complementar

CHINA CONSTRUCTION BANK: A PONTA DO ICEBERG

Em 15 de Março de 2005, Zhang Enzhao demitiu-se do cargo de presidente do China Construction Bank (CCB), o 3.º maior banco chinês, alegadamente por aceitar pagamentos em troca da aprovação de empréstimos e por manipulação na compra de equipamento informático. Entretanto, cerca de 50 quadros do CCB foram acusados de fraudes no valor global de 85 milhões de dólares norte-americanos. Por outro lado, o anterior presidente do CCB (Wang Xuebing) foi condenado, em 2003, a 12 anos de prisão, por corrupção quando era um quadro do Bank of China .

O curioso é que estes casos de corrupção surgiram depois de o governo chinês ter realizado uma operação de injecção de capital de 45 mil milhões de dólares, em 2003, com o objectivo de cotar alguns bancos públicos nos mercados de capitais internacionais, abrindo assim o seu capital ao investimento estrangeiro. Em 2005, o governo planeia colocar 3 bancos públicos nas bolsas de valores de Hong Kong e, possivelmente, de Nova Iorque: o Bank of Communications, o Bank of China e o próprio CCB.

Estes episódios são o culminar natural da maior exposição pública do sistema financeiro, com a melhoria dos processos de auditoria interna e com a necessidade de maior transparência associada às operações de alienação de partes do capital social no exterior. No entanto, o facto de envolverem o banco público chinês mais reformista (e que, aliás, foi recentemente objecto de uma operação de compra de 9% do seu capital pelo Bank of America) reforça a tese de que a corrupção no sector financeiro chinês é uma realidade, sobretudo nos balcões situados fora dos principais centros urbanos.

Ou seja, tudo isto poderá ser apenas a ponta de um longo e perigoso iceberg.

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1 Nos EUA, o DJI e o Nasdaq valorizaram-se 3,1% e 8,6%, o Eurostoxx 50 subiu 9,9% e o Nikkei japonês 8,6%.
2 E que são o China Construction Bank (CCB), o Bank of China (BoC), o Industrial & Commercial Bank of China (ICBC) e o Agricultural Bank of China (ABC).
3 Tecnicamente, trata-se de um sistema de flutuação gerida, através de uma banda de 1%. Na realidade, é um verdadeiro peg ao dólar.
4 Em Outubro de 2004, o banco central subiu as taxas de juro de depósito e do crédito em cerca de 25 p.b., numa decisão que ocorreu pela 1 a vez em 9 anos.
5 As estimativas independentes apontam para valores do crédito mal parado consideravelmente superiores aos dados oficiais. Segundo Roubini e Setser, o crédito mal parado na posse dos bancos públicos chineses poderá atingir entre 400 e 500 mil milhões de USD.


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* Henrique Morais

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Docente na UAL e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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