Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2006> Índice de artigos > Conjuntura e tendências internacionais > Actualidade europeia e mundial > [ O euro e a política monetária (II) ]  
- JANUS 2006 -

Janus 2006



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

O euro e a política monetária (II)

Manuel Farto *

separador

No texto anterior analisaram-se os tortuosos caminhos do euro e da política monetária na área do euro, tendo-se tentado descrever de que forma as decisões monetárias têm sido altamente condicionadoras do processo de convergência na União Europeia.

Nas próximas linhas irá analisar-se mais detalhadamente a questão da inflação e do objectivo para a inflação na área do euro, tentando relevar até que ponto a sua (má) definição tem posto em causa o processo de crescimento económico na Europa do euro.

Terminaremos com algumas “sugestões” quanto aos caminhos que devem ser trilhados para consolidar o euro, enquanto moeda, e a União Europeia, enquanto espaço de crescimento económico sustentado e de solidariedades multiculturais.

 

A taxa óptima de inflação

Um segundo problema relaciona-se com o target antes referido de 2% para a taxa de inflação. É frequente pensar-se que este objectivo para a taxa de inflação deveria corresponder a uma noção próxima de taxa óptima de inflação.

Todavia o debate sobre a questão de saber se aquela taxa deve ser zero ou pode ser um número positivo baixo, levada a cabo por autores como Milton Friedman, Edmund Phellps, Robert Lucas e muitos outros, não parece conduzir a resultados claros. Com efeito, ou nos mantemos num quadro de referência walrasiano , onde o equilíbrio se realiza para qualquer valor do nível absoluto dos preços, apresentando-se este exclusivamente como uma variável dimensão para os preços sem que para ele se possa definir qualquer valor de referência, menos ainda óptimo, ou entramos na discricionariedade, introduzindo hipóteses ad-hoc que conduzem à discussão, mais ou menos interminável, referida anteriormente.

Existe todavia uma taxa óptima de inflação, mas ela só pode ser definida verdadeiramente no quadro de uma economia monetária, isto é, onde os preços são em geral viscosos à baixa e, por consequência, onde o próprio nível absoluto dos preços assume um papel como variável de ajustamento. Neste caso, a taxa óptima de inflação é a taxa mínima de inflação que permite o pleno emprego dos recursos produtivos de maneira eficiente, correspondendo à variação do nível absoluto dos preços que acomoda a alteração dos preços e salários relativos decorrente das alterações dinâmicas da produtividade. Estas alterações de preços irão, por sua vez, suscitar a transferência de recursos entre sectores e empresas, entre outros, minimizando os ajustamentos quantitativos criadores de desequilíbrio e de desemprego.

Corresponderá a taxa de 2% a este nível? É claro que não. A situação monetária vivida na Europa poderia hoje caracterizar-se pela ideia de deflação implícita , uma vez que o nível de inflação é inferior ao que permite os ajustamentos necessários numa economia dinâmica, que se operam através da variação do nível absoluto dos preços.

Mesmo zonas monetárias óptimas como os Estados Unidos da América assumem, ainda que subjacente à política económica, a consideração de uma taxa de inflação óptima superior a 2%. Igualmente, alguns autores, como Pierre Fortin, definiram para o Canadá um intervalo entre 2 e 4%. Manifestamente, uma economia como a europeia, a viver um complexo processo de transição com assimetrias muito superiores e não constituindo, de toda a evidência, uma zona monetária óptima, deveria evidenciar uma inflação claramente superior.

Assim, dado que uma economia monetária se caracteriza pela viscosidade dos preços, na ausência de mecanismos de ajustamento suficientes do lado dos preços absolutos que acomodem os diferenciais da evolução das produtividades intersectoriais, os ajustamentos tenderão a efectivar-se pelas quantidades, que é como quem diz, pelo desemprego.

 

A deflação implícita e a estagnação económica

Sem que se possa sustentar que a fraqueza do crescimento europeu é consequência de uma política monetária pouco sustentada, é necessário assumir que o euro está associado a um dos períodos de menor crescimento económico das últimas décadas na Europa, ao mesmo tempo que os países da área do euro crescem igualmente menos que os outros países da União Europeia. Sustentamos, em consequência, que não sendo a única, aquela é uma das causas das dificuldades por que passa a Europa.

Sustentaremos ainda que a Europa necessita de um outro objectivo de médio prazo para a política monetária, associado a políticas de pendor mais expansionistas sem as quais se arrisca a perder a primeira década deste século no que respeita ao crescimento económico.

Topo Seta de topo

A ausência de uma política anticíclica concertada

Já nos referimos a esta questão em vários textos. A duvidosa política monetária que tem sido seguida pela área do euro tem consequências mais gravosas se tivermos em conta igualmente a existência de políticas orçamentais nalguns casos pró-cíclicas, e a ausência completa de coordenação entre elas.

Com efeito, se às insuficiências da política monetária desenvolvida pelo Banco Central Europeu acrescentarmos a ausência de uma política orçamental decididamente anticíclica dependente da Comissão de Economia e Finanças, vulgarmente conhecida por ECOFIN, bem como a inexistência de coordenação entre ambas, temos as condições necessárias para a criação de um quadro completo de impotência da política económica, que pode impedir qualquer actuação capaz de atacar um movimento de estagnação da economia europeia que ameaça instalar-se.

No seu conjunto, estas orientações que impediram uma política anticíclica atempada têm vindo a contribuir seriamente para que uma recessão se transforme em estagnação persistente, de consequências imprevisíveis para a economia europeia, para o euro e para a própria Europa. Se criou o euro, designadamente para se redimensionar, não pode a Europa permanecer eternamente numa atitude passiva, esperando indefinidamente os efeitos motores induzidos pelo elevado crescimento dos Estados Unidos da América do Norte, que manifestamente parecem tardar cada vez mais a manifestar-se. Até quando vai a economia europeia esperar pelos efeitos de arrastamento que parecem não se produzir?

Naturalmente, a estagnação parece estar a induzir um aumento do desemprego estrutural que tenderá a acentuar-se por efeito da perda de competitividade que um euro forte vai gerando para os produtores europeus e, em particular, para os países que ao mesmo tempo mantêm uma taxa de inflação superior à da média da união.

 

O que há afinal a fazer pelo euro?

A manutenção de uma moeda europeia comum a um grupo cada vez mais alargado e diferenciado de países e que pretende assumir-se como uma referência nos mercados internacionais, a par do dólar e, num futuro não muito distante, eventualmente do renminbi chinês, exige em nossa opinião que sejam acautelados alguns aspectos, que passaremos de seguida a enunciar.

• Em primeiro lugar, mas não necessariamente mais importante, haverá que acautelar devidamente o próprio alargamento da União. Não se trata de impor que as fronteiras Leste e Sul da Europa se situem algures na Turquia e em Chipre, mas antes de inibir que um país que não cumpra criteriosamente as condições económicas, sociais e políticas tidas por necessárias para fazer parte da União a ela possa aderir. De outra forma, qual a lógica intrínseca à imposição de critérios de adesão para grande parte dos actuais membros da UE? Países economicamente mais frágeis, socialmente mais fragmentados ou politicamente instáveis não fortalecem o euro nem a União Europeia, antes os condicionam.

• Em segundo lugar, torna-se necessário um esforço de harmonização do discurso político, por forma a erradicar os episódios desagradáveis como o protagonizado pelo ministro da Solidariedade Italiano e os seus desejos referendários, ou as contradições no seio do ECOFIN ou mesmo entre altos responsáveis do BCE e de alguns bancos centrais nacionais. Os mercados reagem a estas contradições penalizando a moeda dos países/zonas em que elas surgem e, pelo contrário, beneficiam as moedas dos países em que o discurso oficial é uno e não os surpreende (1) .

Mas o dinamismo do euro e, em certo sentido, a sua própria sobrevivência enquanto moeda comum a um vasto conjunto de países depende ainda mais decisivamente de um outro factor. A União Europeia não é uma nação, muito menos um país. A sua construção tem sido alicerçada muito mais na harmonização das condições económicas e sociais, tarefa que aliás está ainda longe de se encontrar terminada, do que propriamente numa harmonização política que, como muito bem dizia um antigo Presidente da República de Portugal, irá desembocar num Estado Federal. Ora, enquanto assim for, isto é, enquanto não estiverem concluídos os alicerces necessários à criação de uma Nação Europeia (2) , os avanços em matéria de unificação económica e financeira (de que o euro é obviamente o exemplo mais flagrante) estarão condicionados precisamente pelo desempenho económico da União.

Quer isto dizer, em discurso simples e directo, que continuamos a acreditar, hoje como em 2001, que o destino do euro e da União Europeia está intrinsecamente ligado à qualidade das suas políticas macroeconómicas: políticas adequadas e que permitam manter ritmos de crescimento robustos e populações confiantes e prósperas, significam uma progressiva consolidação do euro. Pelo contrário, políticas de âmbito discutível e que não sejam geradoras de crescimento e prosperidade arriscam-se a prejudicar irreversivelmente a economia europeia e a pôr em causa o euro e a União.

Infelizmente, nos últimos anos, parece-nos que tem prevalecido este segundo cenário.

Topo Seta de topo

 

Informação Complementar

A POLÍTICA MONETÁRIA E O CRESCIMENTO ECONÓMICO NA ÁREA EURO

À data em que se esboçam as últimas linhas do Janus 2006, ou seja, estando nós nos primeiros dias de Novembro de 2005, cresce no mercado financeiro a especulação em torno de uma eventual subida das taxas de juro oficiais por parte do Banco Central Europeu (BCE), algures no 1.º trimestre de 2006.

Estes focos de especulação têm a sua origem próxima em declarações de membros do próprio BCE que, na boa tradição germânica, começam a ficar preocupados com o aumento da inflação na Europa do euro. Falamos, para ser claro, de crescimentos homólogos do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) inferiores a 3% (mais precisamente, 2,6% em Setembro, quando nos meses anteriores rondou os 2,1%-2,2%).

Isto é, a concretizar-se esta medida, quase inevitável depois dos sucessivos comentários de alguns dos seus membros mais destacados, se o Banco Central Europeu quiser manter a respectiva credibilidade, mais uma vez a Europa arrisca-se a passar à margem de um ciclo de crescimento económico que atingiu quase todo o planeta. É que o eventual aumento das taxas de juro oficiais na área do euro dificilmente será apenas um episódio singular, antes deverá ser apenas o início de um ciclo de subida, cujo condão será “matar” aquilo que mal começou, isto é, a recuperação da economia da área do euro.

separador

1 O exemplo Greenspan nos EUA é absolutamente ilustrador de como as autoridades oficiais, neste caso a nível da Reserva Federal dos EUA, podem beneficiar de uma boa convivência com os mercados e, sobretudo, de agirem em sintonia com os operadores desses mercados, não os surpreendendo. Durante a era Greenspan, raramente uma decisão de política monetária nos EUA surpreendeu os analistas, o que é benéfico para a estabilidade dos mercados e da economia em geral.
2 Que não é necessariamente a visão que o autor destas linhas tem para a Europa da União, mas que é indiscutivelmente uma opção política, eventualmente até a mais provável.

separador

* Manuel Farto

Licenciado em Economia pelo ISEG. Doutorado em Economia pela Universidade de Paris-X. Docente no ISEG. Docente visitante da Universidade de Orléans (França) e da Universidade Federal da Paraíba (Brasil). Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela IHPC - Taxa de variação homóloga

Link em nova janela Evolução da cotação do euro face ao dólar dos EUA

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2005)
_____________

2005

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores