Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2006> Índice de artigos > Internacionalização da educação e da cultura > O ensino superior face a Bolonha > [ Federalismo "competitivo" e ensino superior alemão ]  
- JANUS 2006 -

Janus 2006



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Federalismo "competitivo" e ensino superior alemão

Fernando Amorim *

separador

As universidades alemãs remontam nas suas origens ao século XV, reflectindo desde então uma longa tradição de excelência académica e de internacionalização.

Após a reforma realizada por Wilhelm von Humboldt (1767 - 1835), as universidades alemãs tornaram-se o paradigma do “modelo Humboldt” que implicava a unidade entre pesquisa e ensino, e a busca do conhecimento de forma independente e livre de qualquer tipo de controlo ou censura por parte do Estado. Este modelo constituiu-se como paradigma alternativo e concorrente ao modelo francês (“napoleónico”), assente numa formação universitária orientada somente para a profissão, mas que acabou por se estabelecer em outros países da Europa.

 

A relação do Estado com a universidade

Na Alemanha, assim como na Europa continental em geral, incluindo os países escandinavos, as universidades e todo o sistema educativo integram-se nas funções
públicas do Estado que tem a responsabilidade de legislar e assegurar a administração e o seu financiamento. Esta característica é consequência do desenvolvimento de uma filosofia do Direito e do Estado (Hegel), segundo a qual aquele, e não a sociedade ou o indivíduo, personifica a razão ética e a
liberdade e tem a primazia na responsabilidade em assegurar o bem-estar público.

O que constitui uma diferença comparativa fundamental em relação ao Reino Unido e aos EUA que, por razões diferentes, possuem uma visão distinta do Estado e insistem, sobretudo, na própria responsabilidade dos cidadãos, o que explica a expansão e autonomia das suas universidades privadas. Ao contrário, na Alemanha, o sistema de universidades públicas que oferecem vagas suficientes deixou pouco espaço de implantação para as universidades privadas que, ao contrário do sistema público, dependem da cobrança de propinas para financiar o seu orçamento. Este condicionalismo produz um cenário em tudo semelhante ao do ensino superior privado português, em que os custos exorbitantes no investimento em cursos de ponta impedem a sua afirmação no mercado da investigação científica. Pelo que, em regra, a aposta das universidades privadas se concentra, principalmente, em cursos que não exijam maiores custos e que ofereçam boas perspectivas profissionais, superando as públicas pela via da personalização da formação, a que aquelas não podem almejar, tendo em conta o elevadíssimo número de alunos e as debilidades inerentes. Ainda assim, o Estado federal alemão não abdica da sua função de “protecção preventiva ao consumidor” através de um controlo regional sobre as universidades privadas, as quais necessitam do reconhecimento estatal, tanto para a sua criação como para a organização e reconhecimento dos currículos dos seus cursos, em nome da garantia de uma qualidade comparável à das universidades estatais.

 

Estrutura institucional e financiamento

Sendo uma república federal com 16 estados, cada um com as suas próprias competências em matéria de legislação, administração e financiamento da educação, ciência e cultura, apenas os Länder , e não o Estado federal ou os municípios, possuem universidades públicas. A coordenação das políticas de educação era feita, numa fase próxima à reunificação, unicamente ao abrigo de tratados e convénios básicos e no âmbito da Conferência dos Ministros da Educação e Cultura dos Länder , a quem competia eliminar qualquer diferença essencial na
estrutura, organização e funções das universidades da Alemanha. Na sequência dos processos de reforma levados a cabo a partir de 1988, procedeu-se à promulgação de uma nova lei-quadro que consubstanciou uma alteração radical de pendor mais acentuadamente descentralizador. Com efeito, enquanto a lei anterior, datada de
1976, continha um grande número de disposições uniformes e vinculativas, a partir daquela data consagrou-se o oposto pela transferência de atribuições em exclusivo para os estados federados, os quais podem regular legislativamente todo o sector e, também, conferir extensa liberdade de decisão às universidades. Actualmente, todos os Länder aprovaram as respectivas novas leis, passando assim a existir regulações distintas, no quadro de uma nova perspectiva constitucional e política de construção de um federalismo “competitivo”, distinto do federalismo “unitário” anteriormente consagrado, o qual fora responsável e criticado pelo excessivo conformismo e uniformidade assentes na definição de um “mínimo denominador comum” legislativo.

Na sequência deste processo e da reunificação alemã, em 1990, o sistema de ensino superior e investigação científica da Alemanha tornou-se bastante diversificado e passou a apresentar um pendor fortemente desregulado e descentralizado, que reconhece maior autonomia às universidades, incrementa a competição e a diversidade, procura garantir a qualidade e fomenta a
internacionalização a partir da transformação das estruturas decisórias e de direcção.
Desde 1992-1993, a partir de um total de 318 instituições, o número de estabelecimentos de ensino superior na Alemanha sofreu um rápido crescimento de mais de 15%, com as universidades ( Universitäten / Technische Universitäten ) e os colégios superiores a crescer 6%, e as universidades de ciências aplicadas ( Fachhochschulen ), incluindo colégios de administração pública (Fachhochschulen für öffentliche Verwal-tung ), a aumentar de número em cerca de
25%. No ano lectivo de 2003-2004 a Alemanha tinha em funcionamento um total de 365 instituições de ensino superior, compreendendo 174 universidades e colégios superiores (52 colégios de Belas Artes e Música – Kunsthochschulen –,
6 colégios de educação, 16 colégios de teologia) e 191 Fachhochschulen (com cursos mais curtos, voltados para a prática, com obrigação de estágio durante o curso e sem possibilidade de doutoramento). Cerca de 75% destas instituições são estatais e integram 97% dos estudantes. Das 25% restantes, aproximadamente metade é de administração eclesiástica, e a outra metade privada, contando cada uma com menos de 2% dos estudantes.

Este desenvolvimento do ensino superior foi o resultado de uma reestruturação alargada do sistema, que transformou pólos universitários e departamentos específicos em instituições autónomas de ensino superior, bem como o resultado da fundação de novas instituições universitárias privadas (onde não se incluem as academias profissionais – Berufsakademien ) que cresceram de 62, no ano lectivo de 1992-1993, para 101 no ano lectivo de 2003-2004. No início de 2005 o modelo público de ensino superior sofreu um rude golpe, na sequência de uma sentença do Tribunal Constitucional Federal, sedeado em Karlsruhe, que culminou um debate que se estendia há muitos anos e que se prendia com a questão do financiamento do sistema. Esta sentença pôs fim a décadas de financiamento e apoio a estudantes de famílias carenciadas, com recurso a verbas públicas, mas sobretudo, ao princípio da gratuitidade e da isenção do pagamento de propinas universitárias. Ao declarar inconstitucional uma lei federal que visava manter os estudos gratuitos em todo o país, consagrou um novo paradigma para o sistema ao estabelecer que apenas os Estados federados alemães ( Länder ) poderiam determinar se as universidades continuarão a ser gratuitas ou não. Esta mudança de paradigma foi forçada por uma política cega de aumento de universidades e de vagas de acesso sem as necessárias medidas de adequação financeira, o que provocou o subfinanciamento e sobrecarga do sistema. Contudo, as vozes críticas desta decisão argumentam que a cobrança de propinas poderá constituir um sério obstáculo ao objectivo estratégico de, no quadro do “processo de Bolonha”, promover a internacionalização do sistema de ensino alemão, tendo em conta que uma das grandes vantagens competitivas da Alemanha, no sector educacional, resultava do facto de o ensino superior (ainda) ser gratuito.

A contestação à mudança sustenta que ao abandonar o sistema 100% subsidiado pelo poder público, o país nivelará o seu “poder de atracção” internacional com o de países como EUA, Inglaterra e Austrália, três dos maiores “importadores” de alunos estrangeiros do mundo, sem com isso poder superar o obstáculo competitivo que constitui a necessidade de proficiência linguística no alemão, mesmo que diminua a exigência de domínio do idioma aos estudantes estrangeiros, aumente a oferta de cursos com um currículo internacional e multiplique os cursos em inglês.

Topo Seta de topo

Demografia e massificação

Numa população de 82.431.390 habitantes no “semestre de Inverno” de 2003-2004, 2.020.000 estudantes encontravam-se matriculados numa instituição de ensino
superior alemão, distribuindo-se aproximadamente 1,5 milhões pelas universidades clássicas e técnicas, cerca de 500.000 pelas universidades de ciências aplicadas e mais de 20.000 pelas instituições de belas artes e de música. Deste total 10% são estudantes estrangeiros (percentagem com tendência crescente), situando-se a média anual de jovens que entram no sistema público em cerca de 380.000. Por sua vez, o número de jovens matriculados em instituições de ensino superior privado duplicou de 33.200 entre o “semestre de Inverno” de 1992-1993 para 65.100 no semestre homólogo de 2003-2004, o que representa um incremento de 1,8% para 3,2% na percentagem de estudantes inscritos no sistema de ensino superior privado. A tendência é de crescimento (ao contrário de Portugal), até que o quadro se inverta face à considerável diminuição da natalidade prevista. Contudo, legalmente, as instituições do sistema privado apenas leccionam um pequeno leque de cursos universitários que não podem ultrapassar uma média de frequência de 652 estudantes (dez vezes menos que a média das universidades públicas), o que limita a sua dimensão e capacidade de expansão.

Pese embora estes condicionalismos, as instituições de ensino superior privado alemãs encontram-se, para efeitos de garantia de qualidade e de certificação e acreditação das qualificações conferidas, juridicamente sujeitas, tal como as públicas, à legislação federal definida pela Lei de Bases do Ensino Superior ( Hochschulrahmengesetz ) e, desde 1-02-2005, à Fundação-Conselho Alemão da Acreditação ( Akkreditierungsrat ) competindo, por sua vez, aos Länder executar os processos de acreditação através de agências específicas.

 

O “processo de Bolonha” e a internacionalização

Até à adesão ao processo de reforma estabelecido em Bolonha, em 1999, o sistema de graduação superior da Alemanha assentava no modelo de um nível (“ one tier ”) que consistia em apenas um ciclo integrado de estudos traduzido em cursos
longos cuja duração média oficial ia de 8 ou 10 a 12 semestres, sem saída intermédia para o mercado de trabalho e que, terminando geralmente numa tese, conferia um de três tipos de titulações, peculiares do sistema alemão: o “ Diplom ” (para as ciências exactas e naturais); o “ Magister ” (para as ciências humanas e sociais); e o “ Staatsexamen ” (para as áreas de direito e medicina), todos dando acesso ao doutoramento. O “ Diplom ” era obtido pela frequência de um curso único, enquanto o “ Magister ” resultava de um curso de carácter interdisciplinar, em que eram combinados dois ou três cursos distintos (“ zwei Hauptfächer ” na variante que combina dois cursos principais, ambos com um peso de 50%; “ ein Hauptfach, zwei Nebenfächer ” na variante que combina três cursos, sendo um principal e dois secundários, com pesos respectivamente de 50% e 25% + 25%). Nestes graus, que sugerem uma equivalência ao título português de mestrado, a duração efectiva do curso tendia a prolongar-se, em razão da possibilidade oferecida ao estudante de livremente organizar a frequência e distribuição das unidades curriculares pelos semestres lectivos do ano académico, o qual é divido em dois: o semestre de Verão, que vai de Abril a Setembro, e o semestre de Inverno, de Outubro a Março. Qualquer um destes cursos era dividido em um ciclo básico de 4 semestres (“ Grundstudium ”) e um ciclo profissional avançado (“ Hauptstu-dium ”) de dois ou três anos. Para passar à fase profissional era necessário realizar uma prova intermédia; “ Vordiplom ” para o “ Diplom ”; “ Zwischenprüfung ” para o “ Magister ”, que incidia sobre os conheci-mentos gerais adquiridos até àquela fase. A conclusão passava pela realização de uma prova final em algumas matérias específicas e pela elaboração de uma dissertação. Contudo, em alguns cursos (línguas e literaturas) existia ainda o título de “ Lehramt ”, uma aproximação ao “nosso” grau de Licenciatura. O aumento da competitividade transcontinental e europeia no sector do ensino superior; a existência de uma taxa diminuta de estudantes estrangeiros; a necessidade de potenciar os investimentos na educação e investigação e de desenvolver um novo sistema mais internacionalizado de programas de estudos; a afirmação estratégica da Alemanha como potência cultural europeia no quadro de uma sociedade europeia do conhecimento, que deverá ser uma “referência de qualidade para todo o mundo” até ao ano 2010; ainda, o objectivo de supremacia da União Europeia face aos EUA, como “espaço económico, baseado no conhecimento, mais competitivo e dinâmico do mundo” (Conselho Europeu de Lisboa, 2000), tornaram incontornável uma profunda reestruturação dos programas de estudos de maior duração (Magister, Diploma, Exame Estatal), pela adopção progressiva, a partir de 2002, do sistema de Bolonha, assente em dois ciclos consecutivos de formação [ two tier ]; um inicial [ bachelor ] e outro complementar, que conduzirá aos graus de mestre [ master ] e ou de doutor, com uma duração total de cinco anos. Estes podem ser combinados em 3+2 até 4+1, mantendo-se apenas em algumas carreiras, sobretudo na medicina e nas matérias com exame estatal, programas integrados de maior duração, de 4 a 6 anos. Este processo está a ser implementado por uma Comissão de Trabalho e Acompanhamento que integra entre outros, representantes do Ministério Federal da Educação e Investigação (BMBF), da Conferência dos Ministros da Educação e Cultura dos Länder (KMK) da Conferência de Reitores das Universidades alemãs (HRK) do Serviço Alemão de Intercâmbio Académico (DAAD), da Fundação-Conselho Alemão da Acreditação ( Akkreditierungsrat ) e de outros parceiros sociais e profissionais.

E se os estados federados fixaram 2010 como prazo limite para a implementação completa de todas as medidas, as quais se têm realizado, até agora, de forma voluntária e variada, a verdade é que no semestre de Verão de 2005, estavam já reestruturados 2.925 programas de bachelor e de Master , o que representa 26,3% dos programas de graduação disponíveis, sendo que 716 estavam já acreditados (316 bachelors e 401 masters ), correspondendo a 7,5% da população universitária estudantil (2003).

Apesar de, ao abrigo do programa Erasmus , continuar a ser um país que envia mais estudantes do que recebe, no semestre de Inverno de 2003-2004 as universidades alemãs albergavam já 246.136 estudantes estrangeiros, constituindo 12,2% da sua população matriculada total, os quais foram titulares de metade dos 3.000 masters concedidos, a maioria nas áreas da Economia, Gestão, Ciência Computacional e Engenharia. A estratégia de internacionalização do ensino superior alemão está assim a produzir rápidos efeitos, tendo em conta que, de acordo com um estudo da OCDE, a Alemanha detém já, em conjunto com o Reino Unido, o segundo lugar no ranking dos destinos universitários internacionais no contexto da mobilidade estudantil.

separador

* Fernando Amorim

Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente e Investigador do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Editor do Janus.

separador

Bibliografia

GERLACH, Johann W. – O desenvolvimento actual da educação superior da Alemanha no contexto europeu . Berlim: Freie Universität Berlin, 2004.

GALLER, Birgit; HENDRIKS, Birger – «National Reports 2004-2005». In BOLOGNA-BERGEN Summit 2005. – Towards the European higher education area: Bologna process national reports 2004-2005 . http://www.bologna-bergen2005.no/Docs/Germany/National_Reports-Germany_050118-orig.pdf

HAHN, Karola – «Germany». In J. Huisman & M. van der

Wende (Eds) – On Cooperation and Competition: National and European Policies for the Interna-tionalisation of Higher Education , vol. I, pp. 51-79.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Número de estudantes alemães Erasmus

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2005)
_____________

2005

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores