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Nova diplomacia: agenda, métodos, desafios

Luís Moita *

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Prosseguindo a análise anterior acerca do que estamos a chamar “nova diplomacia”, temos de ver que o seu novo paradigma, os seus novos actores e os seus novos espaços implicam logicamente uma nova agenda, mas também novos métodos para a diplomacia. Por último, havemos de considerar alguns desafios da actualidade.

 

Nova agenda

Comparativamente com os tempos do embaixador “clássico”, cujas funções se reportavam em prioridade aos temas políticos e estratégicos (defesa dos interesses nacionais e segurança), com a nova diplomacia alarga-se o espectro dos domínios da acção externa.

Esta tendência exprime-se na quantidade de adjectivos hoje usados na qualificação da diplomacia. Algumas dessas expressões são correntes. Por exemplo, a diplomacia cultural enquanto exercício de soft power: a difusão da língua e da cultura como factor de influência política de determinado país. Encontramos aqui o domínio da geocultura e das políticas culturais como instrumento da projecção das nações, como ocorre em espaços culturais bem conhecidos como os da francofonia, ou anglofonia, ou lusofonia, ou área ibero-americana. Um outro exemplo marcante é o da diplomacia económica (ver caixa), trazida para a actualidade, e cuja importância justifica análise especial em diversos textos deste mesmo Anuário.

Outras designações estão menos divulgadas, embora apontem para dimensões relevantes. A diplomacia ambiental tornou-se ponto essencial das políticas externas, sobretudo a partir da lógica introduzida pelo Protocolo de Quioto e da consequente redistribuição do poder mundial em torno dos níveis de emissões de gases geradores do efeito-estufa, além de que as questões ecológicas no seu conjunto ocupam hoje um lugar de primeira grandeza no relacionamento internacional. A diplomacia humanitária prende--se com as respostas dos países às grandes crises que afectam a existência ou mesmo a sobrevivência de multidões, seja por razões naturais, seja em consequência de conflitos armados; e o direito dito de “ingerência humanitária” introduz na prática dos actores internacionais novas inquietações e diversos problemas ainda sem resposta satisfatória.

Alguns autores referem ainda o que designam por diplomacia militar, não no sentido da gestão dos assuntos da guerra, mas antes do uso ou da ameaça de uso da força em ordem a evitar a guerra ou a promover e consolidar a paz. É também a diplomacia preventiva, que se traduz na capacidade de antecipar as crises, de as prevenir, de as gerir, de mediar conflitos ou contribuir de outros modos para a sua resolução, de promover o controlo de armamentos e, em geral, o acatamento do direito internacional na formação militar e no decorrer das hostilidades.

Esta perspectiva obriga a colocar o tradicional tema da segurança (objecto por excelência da “diplomacia clássica”) no âmbito mais vasto da chamada segurança humana: para além da segurança territorial garantida por meios militares, valoriza-se actualmente a concepção abrangente de segurança que envolve todas as dimensões dos riscos que pesam sobre as sociedades – segurança alimentar, segurança económica, segurança ambiental, luta antiterrorista, segurança contra as pandemias... e assim por diante. Na presente cena internacional, o tema de segurança humana é sobretudo dinamizado por três países – o Canadá, a Noruega e o Japão – cujas políticas externas se mobilizam em volta desta causa. Ainda há pouco, numa declaração conjunta, os ministros dos Negócios Estrangeiros do Canadá e da Noruega afirmavam: «Temos necessidade de novos entendimentos e de novos utensílios. Temos necessidade de uma nova forma de diplomacia. Uma diplomacia fundada nos esforços colectivos de uma variedade de actores, tanto no interior como no exterior dos governos. Ela dependerá da nossa aptidão para fazermos as pessoas tomarem consciência das necessidades humanas essenciais no domínio da segurança, e exigirá um novo consenso alargado para responder firmemente às necessidades e aos direitos humanos elementares que afectam o quotidiano de milhões de pessoas. Esta diplomacia vai mais longe que as relações entre Estados, para envolver os indivíduos e as organizações pertencentes à diversidade de sectores no interior da sociedade civil».

Como estamos a ver, a actual agenda da nova diplomacia não se interessa apenas por geopolítica mas também por geoeconomia e geocultura, e ultrapassa os níveis das relações bilaterais e mesmo das multilaterais, para absorver as questões literalmente globais (que pouco a pouco fomos identificando). O embaixador do futuro será apenas um dos muitos intervenientes, estatais e não estatais, na gestão da globalidade, isto é, dos problemas que não são susceptíveis de solução no âmbito das instituições tradicionais, mas apenas a uma escala globalizada.

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Novos métodos

A evolução no sentido da nova diplomacia parece impor aos diplomatas profissionais novos métodos de actuação, necessidade que é sentida em diversos quadrantes. Ainda recentemente, a propósito da “nova diplomacia democrática”, o Secretário Geral adjunto das Nações Unidas para os assuntos do desarmamento afirmava numa reunião: «O papel dos diplomatas mudou dramaticamente nas últimas décadas graças às novas tecnologias dos transportes e das comunicações. Os diplomatas, em comparação com o passado, estão muitos menos isolados da sua capital. Esta nova revolução leva a redefinir a própria profissão de diplomata. Além de que novos participantes entraram no jogo diplomático. A natureza da transmissão passiva de mensagens e as funções de representação mudaram, a sociedade civil tornou-se um actor activo e um meio de influência das políticas».

No domínio da informação, o embaixador já não é o canal de contacto por excelência dos governos com as realidades exteriores. A CNN faz chegar notícias mais velozmente que qualquer chancelaria. Sem prejuízo do valor, ainda insubstituível, da informação personalizada, o diplomata enquanto informador confidencial é hoje um pequeno ponto num universo mediatizado. Daí também a sua necessária atenção à comunicação política e a importância da prática de abertura e transparência na acção diplomática.

A capacidade de trabalho em equipa adquire maior relevo, também como condição para ultrapassar o modelo fechado de tomada de decisões em política externa e de superar o padrão hierárquico rígido que ainda domina os aparelhos existentes.

A flexibilidade de métodos e de procedimentos está, por sua vez, ao serviço da maior inserção do diplomata na sociedade do seu país, melhorando as capacidades de diálogo e cooperação com as diversas instituições públicas (governo, parlamento, administrações central e local) e os numerosos actores da sociedade civil (empresas, organizações e associações), sociedade ela própria estruturada em redes múltiplas e complexas. Com maioria de razão, o diplomata tem de enfrentar as dificuldades de diálogo e inserção na sociedade do país estrangeiro onde trabalha.

 

Novos desafios

Esta complexidade é mais um factor a tornar imperiosa a necessidade de pensar a política a longo prazo, designadamente nas duas vertentes que são objecto dos estudos seguintes: a emergência de uma diplomacia europeia com uma certa dimensão de supranacionalidade e o papel do diplomata como promotor da internacionalização da economia no âmbito da diplomacia económica.

Para um país como Portugal, um dos maiores desafios neste domínio é o da dinâmica introduzida pela política externa e de defesa comum da UE. No presente, a evolução da PESC é afectada pelo grau de incerteza gerado em torno da ratificação do Tratado Constitucional europeu, com as decisões negativas dos referendos francês e holandês. Seja como for, a tendência para um centro de decisão em Bruxelas em matéria de política externa e a dinâmica de criação do serviço exterior da Comunidade Europeia suscitam tanto problemas de fundo como questões práticas de relevo (ver Caixa). Que se passará no futuro? Existirá uma verdadeira PESC ou encontraremos na Europa vinte e seis políticas externas – a de cada um dos Estados-membros mais a comum? Como se irá compatibilizar o atributo de soberania da definição autónoma de política externa pelos Estados com a criação de instâncias de nível supranacional? É pensável o cenário de, dentro de uma década, as embaixadas dos Estados-membros serem unificadas em embaixadas da União?

O fenómeno da globalização veio também trazer uma outra dose de incerteza para o futuro da diplomacia, designadamente na vertente da diplomacia económica (ver caixa). Tal como o anterior, trata-se de um tema de tanta envergadura que justifica ser estudado demoradamente neste capítulo.

O desafio da complexidade, o da PESC e o da diplomacia económica, ficam como três marcas a assinalar a problematização da nova diplomacia. Resta a dúvida acerca da nossa capacidade de imaginarmos a embaixada do futuro (ver caixa). Como antecipar os caminhos de uma evolução incerta? Assistiremos à fusão das instâncias propriamente diplomáticas com as representações de pendor económico? No caso português, as chancelarias do futuro albergarão também as delegações do ICEP e do Instituto Camões (para as diplomacias económica e cultural)? Quais as reformas que se vão necessariamente introduzir no serviço exterior e na formação dos diplomatas?

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Informação Complementar

SOBRE A DIPLOMACIA ECONÓMICA

Boris Biancheri foi destacado diplomata italiano, embaixador em Tóquio, Londres e Washington, até 1997 foi Secretário Geral do ministério italiano dos negócios estrangeiros, donde passou para Presidente da ANSA, a maior agência jornalística do país. No seu livro Accordare il mondo – la diplomazia nell'età globale aborda o tema da diplomacia económica:

«Em paralelo com a internacionalização da vida económica e com a maior importância que o comércio externo e o investimento directo estrangeiro revestem na formação da riqueza, a política externa foi-se crescentemente orientando para coordenadas de ordem económica. Esta tendência, naturalmente, não é de hoje mas acentuou-se visivelmente a partir do conflito israelo-árabe de 1973 e do consequente embargo árabe do petróleo. Este último clarificou o modo como a segurança dos Estados – e em particular dos Estados altamente industrializados – está ligada não apenas a factores político-militares mas, em doses pelo menos iguais, a factores de ordem económica e, antes de mais, ao acesso a fontes de energia. (...) A Realpolitik de hoje tem quase sempre um fundamento económico».

Articulando depois a diplomacia económica com o processo de globalização, acrescenta estas reflexões:

«Equipar um sistema económico para os desafios e os riscos da globalização não é, evidentemente, mera responsabilidade do Estado e menos ainda é a principal responsabilidade dos órgãos que gerem a política externa, isto é, a diplomacia. É prioritariamente tarefa das empresas, que devem visar uma competitividade que não se funde – como em larga medida aconteceu até agora em Itália – na desvalorização competitiva da moeda, bem como tarefa dos bancos, que devem desenvolver novos produtos e assumir maior quota de riscos. Mas o apoio ao processo de internacionalização permanece como responsabilidade importante, à qual o Estado pode fornecer não só uma melhor articulação dos instrumentos clássicos de intervenção (como cobertura de seguros ou créditos à exportação), mas também participando na formação de uma estratégia de política industrial e fornecendo-lhe um contributo informativo e de suporte da própria rede diplomática e consular e de promoção comercial».

 

A NOVA DIPLOMACIA NA UNIÃO EUROPEIA

O Embaixador Philippe Petit publicou, já no ano de 2001, um texto na revista Point de vue do Institut Universitaire de Hautes Études Internationales de Génève, com o título “La diplomatie du 21. e siècle”. Depois de afirmar: «O meu sentimento é que há lugar para uma nova diplomacia, que já não seja fundada exclusivamente na correlação de forças, mas que se esforce por ordenar a nossa aldeia planetária», acrescenta algumas interessantes reflexões sobre a prática diplomática no quadro da União Europeia:

«Uma vez que os Estados-membros da União se fundem progressivamente num mesmo conjunto, poderia pensar-se que já não há lugar para a diplomacia e os diplomatas na Europa. Desenganem-se. Pelo contrário, é o triunfo da diplomacia».

«Os afrontamentos armados de ontem, particularmente entre a França e a Alemanha, deram lugar à concorrência económica, industrial, comercial e cultural. Em vez de se matarem como fizeram durante séculos, os europeus negoceiam o regime de importação de bananas e o número de eixos dos camiões aos quais se proíbe o transporte de animais».

«Os diplomatas que, outrora, só se ocupavam de política e de estratégia, ocupam-se hoje mais de economia e de cultura que de política propriamente dita. Os jornalistas fazem muito bem o trabalho de informação que dantes era tarefa dos diplomatas. A diplomacia é muito menos contemplativa e observadora, intervém mais no concreto e num maior número de domínios».

«A União Europeia gerou um número incalculável de encontros e de concertações onde se negoceia primeiro longamente o que se vai defender perante terceiros. É um reforço, e não um enfraquecimento, da diplomacia».

 

A EMBAIXADA DO FUTURO

Shaun Riordan foi diplomata britânico durante dezasseis anos e é professor associado da London School of Economics. Publicou na edição espanhola da revista Foreign Policy (disponível em www.fp-es.org) um artigo sobre “A nova diplomacia”, onde propõe diversas reflexões e sugestões para a reforma do serviço exterior:

«Os ministros dos assuntos exteriores precisam de desenvolver uma capacidade para pensar a política a longo prazo e para a análise geopolítica e é certo que apresentam uma notável debilidade nestes aspectos O excesso de hierarquização nos processos de tomada de decisões, com os consequentes entraves administrativos e estímulos ao conformismo, em prejuízo da inovação e da criatividade, condenam os funcionários a uma fixação no curto prazo, tanto na tomada de decisões, como na análise. Deveriam aprender a experiência do sector privado, que utiliza profusamente as técnicas de planificação de cenários desenvolvidas pela Shell nas décadas de 1960 e 70, bem como as novas técnicas de criação de modelos derivadas da teoria das redes e da complexidade (...). Isto requer uma mudança, tanto na cultura, como na estrutura. Os ministérios de assuntos exteriores continuam presos a um paradigma fechado de tomada de decisões, segundo o qual se decide a política e depois ela é «vendida» a outros governos. Este padrão subsiste em grande parte, mesmo entre aliados que mantêm estreita ligação. Mas resulta inadequado ou mesmo contraproducente, quando se trata de conseguir a colaboração de uma ampla gama de governos e de sociedades civis (...).»

«As grandes delegações ocidentais dedicam demasiado tempo a tarefas de administração, à gestão do pessoal e de grandes propriedades e a falar com outros diplomatas. Privilegia-se a capacidade de manejar a papelada procedente dos gabinetes centrais, mais que o trabalho com as redes locais. As futuras embaixadas serão menos volumosas e mais flexíveis, dependerão menos de edifícios prestigiados e estruturar-se-ão em torno de redes funcionais. (...) No futuro, cinco ou seis diplomatas com boa preparação, motivados e com objectivos claros, que se desloquem constantemente e que estejam em contacto com a rede do ministério através dos seus telemóveis e dos seus computadores portáteis resultarão muito mais eficazes que os actuais 30 ou 40 presos a uma mesa de trabalho.»

Para o mesmo autor, as necessárias reformas estruturais do serviço diplomático são estas: «emagrecimento da estrutura de direcção do ministério para aproveitar ao máximo as oportunidades que oferece a nova sociedade da informação; criar embaixadas mais pequenas, com objectivos mais precisos e mais motivadas; retirar das embaixadas os diplomatas no estrangeiro de modo a que se integrem na vida civil; utilizar os novos meios de transmissão da informação para incorporar as embaixadas no processo de elaboração das políticas; explorar as possibilidades de privatizar alguns serviços comerciais e alguns aspectos dos serviços consulares.»

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* Luís Moita

Vice-reitor da UAL.

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