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- JANUS 2007 -



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Dez anos na África lusófona

Manuel Ennes Ferreira *

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Dez anos depois da criação em 1996 da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que mudou nos países da África lusófona? Dada a sua diversidade económica, as diferenças em recursos humanos, dimensão populacional e geográfica, disponibilidade de recursos naturais, localização ou ainda as implicações diferenciadas da pertença a espaços regionais diversos, tornam impossível poder concluir-se por algo que os caracterize como um grupo homogéneo, único ou específico com um mesmo trajecto económico-social e político nos últimos dez anos (1996-2006). Para além de uma língua oficial comum, pouco mais se pode assinalar.


Desempenhos económicos diferenciados

Embora o desenvolvimento de um país não se esgote na sua dimensão económica, esta é, porém, incontornável e decisiva para o tão desejado take-off dos países. A África lusófona não escapa a esta realidade. Uma primeira nota relativa a esta questão deve tomar em atenção o comportamento da taxa de crescimento real do PIB. Embora positivo em todos os cinco países e para os anos selecionados no Quadro 1, destaca-se claramente o comportamento da economia angolana, seguindo-se-lhe um grupo de dois países (Moçambique e Cabo Verde) e, mais atrás, a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. No que se refere ao crescimento de Angola, devem ser assinalados não apenas os efeitos positivos decorrentes do fim da guerra civil em 2002 mas sobretudo a contribuição do rápido crescimento do sector petrolífero. A importância deste ofusca, e penaliza, o crescimento dos restantes sectores económicos. Por circunstâncias específicas do país, a forte inflação que caracterizou o passado (1650% em 1996) diminuiu recentemente para níveis mais aceitáveis, variável que continua sob forte atenção em Moçambique e São Tomé, ao contrário do que ocorreu em Cabo Verde. Qualquer uma destas economias apresenta um mercado interno de reduzida dimensão pelo que a procura externa é um dos factores determinantes para a estabilidade e dinamismo económicos. Ao analisar-se o comportamento das suas exportações e importações, verifica-se que o saldo da balança comercial é negativo em todos eles, excepto em Angola. Uma vez mais o petróleo explica. E à medida que esta matéria-prima aumenta de preço no mercado mundial, assim o superávite angolano se alarga igualmente, tendo passado de 3 mil milhões de USD em 1996 para mais de 7 e 18 mil milhões, respectivamente em 2004 e 2006. Em sinal exactamente oposto encontramos nomeadamente Cabo Verde e São Tomé, enquanto Moçambique tem vindo a controlar melhor esse déficite. A isto não é alheia a importância das exportações oriundas da Mozal, indústria transformadora a partir do alumínio, e que tendo sido responsável por 33% das exportações em 2000, passou para 66% em 2004 e 75% em 2006. O resultado final é claro: as exportações moçambicanas foram multiplicadas por quatro nos últimos dez anos. Tal como acontece com a balança comercial, também o saldo da balança de transacções correntes (BTC) é negativo em todos os países com excepção de Angola, onde o enorme superávite da balança comercial contribue para que a BTC seja positiva. No caso de Cabo Verde, nem as remessas de emigrantes (quase o dobro do valor das exportações do país) conseguem compensar a elevada dependência do país no que respeita às importações. Quanto à balança de pagamentos global (BP), uma entrada acentuada de investimento estrangeiro canalizado para o sector petrolífero e diamantífero em Angola a par do saldo da BTC, dá origem a um superávite ainda maior na BP. No caso de Cabo Verde é sobretudo a conta de operações financeiras que permite que o saldo desta balança seja positivo. Quanto a São Tomé e Príncipe, a inversão do saldo da BP para terreno superavitário e com um valor expressivo, tem uma explicação pontual e que para muitos é um sinal de esperança no futuro económico do país: a entrada de 49,2 milhões de dólares em 2005 fruto do bónus de assinatura dos primeiros contratos com empresas petrolíferas que se preparam para iniciar a extracção de petróleo no país. Finalmente, e como reflexo das necessidades de financiamento da economia, a dívida externa dos cinco países, diferente em valor, permite agrupar Angola e Moçambique de um lado e os restantes três países do outro. E embora o montante do stock da dívida seja importante, o peso que esta representa para as disponibilidades em divisas do país pode ser observada pelo rácio da dívida externa relativamente ao valor das exportações de bens e serviços (última coluna do Quadro 1): enquanto o valor da dívida era, em termos absolutos, mais baixa em São Tomé, encontrando-se assim no extremo contrário de Angola, é exactamente o inverso que acontece no que respeita ao constrangimento representado pelo rácio da dívida externa. De realçar que a queda abrupta deste rácio em 2004 e no caso de Moçambique, tem a ver com o perdão de dívida de que este país foi beneficiado no âmbito do HIPC.

Ao comportamento macroeconómico retratado pelo Quadro 1 deve ser adicionado o desempenho destes países nas áreas sociais. Tomando em conjunto os dois níveis, o Indice de Desenvolvimento Humano procura captar num único valor a realidade dos países. A observação do Quadro 2 demonstra que os dois países que se situavam no escalão do IDH médio (Cabo Verde e São Tomé), continuam a ser os únicos casos na África lusófona dez anos depois. Destaque para Cabo Verde que melhora a sua situação relativa em termos mundiais e quase entra no grupo dos cem primeiros países. Quanto aos três outros, Angola e Moçambique melhoram o valor do índice, mais acentuado em Angola sobretudo devido à componente do PIB com origem petrolífera, enquanto a Guiné-Bissau estagnou no valor 0,34 e piorou a sua posição no ranking mundial.

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A componente política do desempenho económico e social

A análise do percurso económico e social dos países africanos lusófonos entre 1996 e 2006 é bem o exemplo da influência das condicionantes políticas no seu desempenho económico e social. A instabilidade política na Guiné-Bissau a partir dos finais dos anos 90, com golpes e contragolpes de Estado e levantamentos militares, com intervenção armada estrangeira, criou um clima tal de incerteza que hipotecou durante bastantes anos a credibilidade quer do país quer dos governos que se sucederam. Sem dinâmica económica interna e sem apoios financeiros internacionais, o país arrastou-se. O facto de o valor do IDH ter estganado é um indicador que reflecte bem a situação vivida. Por outro lado, a instabilidade regional em que se insere a Guiné-Bissau contribui igualmente (ver os reflexos do problema de Casamance) para o seu baixo desempenho. Com certas semelhanças poder-se-ia falar em São Tomé e Príncipe. Com dois levantamentos militares neste período, com uma sucessão de governos demitidos e nomeados, reflexo igualmente de interesses presentes e futuros da possibilidade de o país poder vir a ser um produtor de petróleo, os frágeis equilíbrios internos implodiram, castigando fortemente a credibilidade e a estabilidade do país, afastando potenciais investidores, adiando decisões das instituições internacionais.

O caso de Angola é também ele paradigmático. Assolado pela guerra civil que terminou em 2002, a inviabilização do estabelecimento de um mercado interno forte associado ao elevado risco-país fora do sector dos petróleos e à instabilidade regional que ultrapassa as fronteiras nacionais, foi o suficiente para adiar o país, fazendo-o pagar uma factura social e humanitária indescritível. Contudo, após o cessar-fogo de 2002, a economia tem dado sinais de querer recuperar, fortemente estimulada, para o bem e para o mal, pelo boom do sector petrolífero. De qualquer modo, a apetência pelas potencialidades do país parece ser inegável, agora que diminuiu o constrangimento político. Neste âmbito e ainda mais exemplar é o caso de Moçambique. Depois das consequências da guerra civil e da instabilidade regional, desde 1996 que o país tem vivido um clima de estabilidade política, com a realização de eleições legislativas, presidenciais e autárquicas, criando um ambiente mais favorável à governação. Reflexo disso é o seu desempenho económico. Quanto a Cabo Verde, a sua trajectória de desenvolvimento num passo seguro, sem nunca ter sofrido um clima de instabilidade como se registou na Guiné-Bissau e em São Tomé, só tem beneficiado o país. O facto de este ano Cabo Verde ter subido de ‘divisão’ no contexto mundial, abandonando o estatuto de País Menos Avançado (onde todos os outros quatro países se encontram) para País de Rendimento Médio, traduz o que se acabou de dizer.


Há uma especificidade lusófona?

Decorridos dez anos após a criação de uma instituição que apela para factores comuns como sejam a língua e a história (CPLP), é possível detectar-se alguma mudança significativa ou estrutural e sobretudo específica da África lusófona no que diz respeito ao seu desempenho económico e social? Dificilmente a resposta é sim. Mais do que a história, é o presente que conta, as condições particulares de cada país, as suas políticas de desenvolvimento, os seus equilíbrios políticos internos e a sua diferente inserção regional que determinam o rumo que trilharam e que continuarão a palmilhar no futuro. A mudança verificada no forte aceleramento da taxa de crescimento económico anual em Angola deve-se ao agravamento da estrutura económica existente – dependência do sector dos petróleos – que atravessa nos últimos anos um período de expansão. Felizmente que ocorreu uma mudança estrutural a nível político – o fim da guerra civil –, o que só veio beneficiar aquele crescimento. Porém, o agravamento da instabilidade política na Guiné-Bissau e em São Tomé, ao alterar os precários equilíbrios internos apenas prejudicou as dimensões económica e social. No pólo oposto encontramos Cabo Verde cuja mudança nestes últimos dez anos parece ser lenta mas segura, o que lhe permitiu sair do grupo dos países menos desenvolvidos.

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Informação Complementar

A armadilha das matérias-primas

O desempenho económico de alguns países em desenvolvimento padece de um grave problema que tem sido apelidado de “maldição dos recursos naturais”. A existência de importantes matérias-primas agrícolas e minerais em países que apresentam baixas taxas de crescimento económico anual, mantêm níveis de pobreza elevados e que carecem de instituições fortes e credíveis dão sustento àquela perspectiva. Isto é: sem promoverem quaisquer alterações estruturais na sua economia, esta baseia-se na renda obtida pela produção e exportação dessas matérias-primas, sem quaisquer benefícios para o país. Antes pelo contrário, acarinhando e aprofundando o enviesamento das suas economias, normalmente em prejuízo de outros sectores da actividade económica. No caso dos países da África lusófona, nestes últimos dez anos, três deles apresentam-se como fortes candidatos a esta maldição: Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. A elevada dependência das suas exportações a partir de uma matéria-prima coloca-os ao sabor da forte volatilidade dos preços no mercado internacional e da tendência de deterioração a longo prazo que se regista nos termos de troca desses produtos. As exportações de Angola, em 1996, dependiam em 95% do petróleo; em 2000, em cerca de 90% o que, juntado à exportação de diamantes, dava 100%, o mesmo que ocorreu em 2004 e projecta-se para 2006. No caso da Guiné-Bissau, trocada a produção exportável de amendoim pela castanha de caju, em bruto, este produto contribuiu em 1996 para 90% das exportações, 96% em 2000 e 2004 e 93% em 2006. Finalmente, em São Tomé, o cacau contou para 99% das exportações em 1996, 88% em 2000, 2004 e 2005.

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* Manuel Ennes Ferreira

Licenciado, mestre e doutor em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Professor do ISEG do Departamento de Economia. Lecciona e investiga nas áreas da economia do desenvolvimento e da economia da defesa e da paz, com destaque para a área dos conflitos e desenvolvimento em África, nomeadamente em Angola.

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Bibliografia

AFRICA SOUTH OF THE SAHARA (1996-2006). London: Routledge.
Banco de Portugal (1996/2006) — Evolução das Economias dos Palop. Disponível em http://www.bportugal.pt
IMF (1996 a 2006) — Country Reports e Article IV Consultation. Disponível em http:// www.imf.org
UNDP (2005) — Human Development Report. Disponível em http://www.undp.org

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Principais indicadores macroeconómicos de 1996 a 2006

Link em nova janela Índice de desenvolvimento humano (IDH) e ranking

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