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- JANUS 2007 -



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Novidades no direito internacional

Patrícia Galvão Teles *

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A última década foi marcada por alguns eventos na cena mundial que tiveram um impacto significativo no direito internacional.

Sem se poder falar de uma mudança de paradigma, de um direito internacional “onusiano”, i.e. baseado na Carta das Nações Unidas e na ordem mundial saída da Segunda Guerra Mundial, para um “novo” direito internacional, os últimos dez anos revelaram algumas novas tendências na ordem jurídica mundial.

Sem qualquer pretensão de uma enumeração exaustiva destas tendências, impossível até numa publicação com as características do Janus, apontamos simplesmente duas, sem dúvida até interrelacionadas.

A primeira poderá ser caracterizada como a centralidade, nestes últimos anos, das questões relacionadas com o uso da força nas relações internacionais.

A segunda prende-se com a consolidação do princípio da promoção e protecção dos direitos humanos e com a consequente assunção de uma responsabilidade colectiva da comunidade internacional a esse respeito.


A centralidade das questões relacionadas com o uso da força


Importantes guerras ocorridas nos últimos dez anos vieram colocar num lugar de destaque nas relações internacionais as questões relacionadas com o uso da força.

Falamos da intervenção militar da NATO durante a crise do Kosovo em 1999, da “guerra contra o terrorismo” desencadeada pelos eventos do 11 de Setembro de 2001 e da guerra do Iraque em 2003.

A intervenção militar da NATO em 1999 foi justificada com base nos seus fins humanitários.

O 11 de Setembro deu lugar a um novo “fenómeno”, designado como “guerra” ou “luta” contra o terrorismo, que se materializou, em primeiro lugar, numa intervenção militar no Afeganistão, mas também em vários outros tipos de actuações que não se configuram em conflitos armados, ocorrendo antes em situações de paz, tais como a detenção e transferência de pessoas, actuações estas justificadas em nome da guerra contra o terrorismo.

Na guerra no Iraque em 2003 foram apresentadas diversas justificações, entre elas, a existência de um direito de legítima defesa preventiva para impedir o uso de armas de destruição maciça por parte do regime iraquiano ou por grupos terroristas.

Estas justificações – designadamente a intervenção humanitária, a luta contra o terrorismo e a questão da legítima defesa preventiva – colocam em causa, na ausência de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, as excepções actualmente consagradas ao princípio da proibição do uso da força (jus ad bellum), pela eventual consagração de novas causas justas ou legítimas para a guerra, bem como algumas regras fundamentais do direito aplicável em caso de conflito armado, também designado por direito internacional humanitário.

As reacções da comunidade internacional indiciam diferenças entre estas justificações para o uso da força.

A actuação da NATO na crise do Kosovo, apesar de criticada, foi considerada como muito próxima da legalidade, mesmo por aqueles que a catalogaram de ilegal.

Como veremos adiante, o desenvolvimento da ideia da “responsabilidade de proteger” parece vir confirmar que a comunidade internacional está disposta, observadas alguma condições importantes, a aceitar este tipo de justificação para o uso da força.

Por seu turno, a ideia da guerra preventiva parece ter menor acolhimento na prática dos Estados, como demonstraram as reacções de uma parte significativa da comunidade internacional a esta justificação para a intervenção militar no Iraque em 2003.

De uma forma semelhante, a ideia de uma “guerra contra o terrorismo” como verdadeira guerra e legitimação de determinados comportamentos, tem também sido objecto de uma significativa controvérsia da comunidade internacional, designadamente porque um número considerável de países, por exemplo no âmbito da União Europeia, não considera que a “guerra contra o terrorismo” seja verdadeiramente uma “guerra”.

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No processo de reforma da Organização das Nações Unidas, que culminou no Documento Final da Cimeira de Setembro de 2005, foi reiterada a necessidade de um novo consenso sobre a questão do uso da força nas relações internacionais.

No seu relatório de 2004 A more secure world,1 o painel de alto nível, secundado depois pelo próprio secretário-geral no relatório In larger freedom2 de 2005, considera que, embora a Carta das Nações Unidas constitua uma base legal adequada que não necessita de revisão, para além dos critérios legais é necessário respeitar cinco critérios de legitimidade do uso da força: ameaça grave; objectivo de colocar fim à ameaça; último recurso; proporcionalidade; e balanço das consequências.

A Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo realizada em Setembro de 2005 e que adoptou, por consenso, um Documento Final3 não foi, evidentemente, tão longe. No entanto, reafirmou “a importância de promover e reforçar o processo multilateral e de procurar resolver os desafios e problemas internacionais respeitando rigorosamente a Carta e os princípios do direito internacional” e “que as disposições pertinentes da Carta são suficientes para resolver todo o tipo de ameaças à paz e segurança internacionais”.


A emergência de uma responsabilidade de proteger

A protecção dos direitos humanos tem-se desenvolvido no sentido de ser também um dos princípios fundamentais do direito internacional contemporâneo.

Embrionariamente consagrada na Carta das Nações Unidas, mas afirmada de forma definitiva na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e em um importante conjunto de convenções universais e regionais concluídas na segunda metade do século XX, a protecção e promoção dos direitos humanos foi objecto central da Cimeira do Milénio, cujas conclusões se encontram na Declaração do Milénio, uma verdadeira agenda para o século XXI.

Um outro passo decisivo na consolidação da efectiva protecção dos direitos humanos foi, sem dúvida, a criação do Tribunal Penal Internacional em 1998 e cujo Estatuto entrou em vigor em 1 de Julho de 2002, contando actualmente com 100 Estados partes.

O Tribunal Penal Internacional tem competência para julgar indivíduos pelos crimes internacionais mais graves: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão. Em relação a este último crime, é ainda necessário incorporar no Estatuto a sua definição e as condições para o exercício da jurisdição do Tribunal, o que só deverá ocorrer na primeira conferência de revisão do Estatuto em 2009.

Trata-se da primeira jurisdição permanente e de aspiração universal, na sequência das experiências ad hoc de Nuremberga, Tóquio, ex-Jugoslávia, Ruanda, Serra Leoa, Camboja, Timor, Iraque, etc., que permitirá um efectivo combate à impunidade em caso de graves atrocidades contra os direitos humanos.

E, sem dúvida, foi o facto de a comunidade internacional ter assistido “em directo” e, por vezes, de uma forma passiva, a graves atrocidades durante a última década do século XX – a limpeza étnica nas guerras da Jugoslávia, o genocídio no Ruanda, as graves violações de direitos humanos e de direito internacional humanitário em Timor-Leste, na Serra Leoa e em vários outros países, que se começou a gerar um consenso em torno da possibilidade de usar a força militar para parar estas atrocidades.

Na Assembleia Geral do Milénio em 2000, o primeiro-ministro do Canadá anunciou a criação de uma comissão internacional independente sobre a questão da intervenção e da soberania dos Estados, para responder ao desafio lançado pelo secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan à comunidade internacional para tentar construir um novo consenso que permita responder às violações maciças de direitos humanos e do direito internacional humanitário.

Esta Comissão apresentou em 2001 o seu relatório4, que veio inverter o ónus, substituindo a ideia de um direito de intervenção pela responsabilidade de proteger e que fornece indicações importantes sobre quando e como deverá ceder o princípio da igualdade soberana dos Estados e seria legítima uma intervenção humanitária.

Os resultados deste estudo foram confirmados em 2004 no relatório A more secure world do painel de alto nível nomeado pelo secretário-geral das Nações Unidas no âmbito do processo de reforma da organização, bem como pelo próprio secretário-geral no seu relatório de 2005 In larger freedom.

O Documento Final da Cimeira da ONU de Setembro de 2005 consagrou definitivamente este conceito de uma responsabilidade de proteger:

• “Cada Estado é responsável por proteger as suas populações contra o genocídio, os crimes de guerra, a depuração étnica e os crimes contra a humanidade.”

• “A comunidade internacional, através das Nações Unidas, deve igualmente usar os meios diplomáticos e humanitários apropriados, bem como outros meios pacíficos, em conformidade com os Capítulos VI e VIII da Carta das Nações Unidas, para ajudar a proteger as populações contra o genocídio, crimes de guerra, depuração étnica e crimes contra a humanidade. Neste contexto, estamos dispostos a agir colectivamente, de uma maneira atempada e decisiva, através do Conselho de Segurança, em conformidade com a Carta, incluindo o Capítulo VII, numa base caso a caso e em cooperação com as organizações regionais pertinentes se for caso disso, se os meios pacíficos se revelarem insuficientes e as autoridades nacionais não estiverem manifestamente a proteger as suas populações contra o genocídio, crimes de guerra, depuração étnica e crimes contra a humanidade.”

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Informação Complementar

Principais convenções multilaterais universais concluídas no âmbito das Nações Unidas entre 1997 e 2007

1997
• Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba.
• Convenção sobre a Proibição da Utilização, Armazenagem, Produção e Transferência de Minas Antipessoal e sobre a Sua Destruição.
• Protocolo de Quioto à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas.
• Convenção sobre o Direito Relativo à Utilização dos Cursos de Água Internacionais para Fins Diversos dos de Navegação.
1998
• Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
• Convenção de Roterdão Relativa ao Procedimento de Prévia Informação e Consentimento para Determinados Produtos Químicos e Pesticidas Perigosos no Comércio Internacional.
• Convenção de Aarhus sobre o Acesso à Informação, Participação na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente.
• Protocolos de Aarhus à Convenção de 1979 sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância relativos aos Metais Pesados e aos Poluentes Orgânicos Persistentes.
1999
• Protocolo Opcional à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.
• Protocolo de Basileia sobre responsabilidade e indemnização por danos resultantes de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos.
2000
• Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo.
• Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional.
• Protocolos Adicionais à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, sobre o Fabrico Ilícito e Tráfico de Armas de Fogo e relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças.
• Protocolos Facultativos à Convenção sobre os Direitos da Criança relativos à Participação de Crianças em Conflitos Armados e à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil.
• Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica à Convenção sobre a Diversidade Biológica.
2001
• Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes.
2002
• Protocolo Opcional à Convenção contra a Tortura.
• Acordo sobre os Privilégios e Imunidades do Tribunal Penal Internacional.
2003
• Convenção contra a Corrupção.
• Protocolo sobre Resíduos Explosivos de Guerra.
• Protocolos de Kiev relativos à Avaliação Ambiental Estratégica, sobre Registos de Emissões e de Transferências de Poluentes e sobre Responsabilidade Civil e Indemnização por Danos resultantes de Efeitos Transfronteiriços de Acidentes Industriais em Águas Transfronteiriças .
2004
• Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens.
2005
• Convenção Internacional para a Supressão de Actos de Terrorismo Nuclear.
• Protocolo Opcional à Convenção sobre a Protecção do Pessoal das Nações Unidas e Pessoal Associado.

Fonte: Organização das Nações Unidas. http://www.un.org

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Casos perante o Tribunal Internacional de Justiça entre 1997 e 2007

1998 (5)
Convenção de Viena sobre Relações Consulares (Paraguai c. Estados Unidos da América).
Pedido de interpretação da sentença de 11 de Junho de 1998 no caso relativo à fronteira terrestre e marítima (Nigéria c. Camarões).
Soberania sobre Pulau Litigan e Pulau Sipadan (Indonésia c. Malásia)
Ahmadou Sadio Diallo (República da Guiné c. República Democrática do Congo).
Divergência relativa à imunidade de jurisdição de um relator especial da Comissão de Direitos Humanos (parecer consultivo pedido pela Assembleia Geral das Nações Unidas).
1999 (17)
Caso LaGrand (Alemanha c. Estados Unidos da América).
Legalidade do uso da força (Sérvia e Montenegro c. Bélgica; Canadá; França; Alemanha; Itália; Holanda; Portugal; Espanha; Reino Unido; e Estados Unidos da América).
Actividades armadas no território do Congo (República Democrática do Congo c. Burundi; Uganda; e Ruanda).
Aplicação da Convenção sobre a prevenção e a repressão do crime de genocídio (Croácia c. Jugoslávia).
Incidente aéreo de 10 de Agosto de 1999 (Paquistão c. Índia).
Delimitação marítima entre a Nicarágua e as Honduras no mar das Caraí-
bas (Nicarágua c. Honduras).
2000 (1)
Mandato de detenção de 11 de Abril de 2000 (República Democrática do Congo c. Bélgica).
2001 (3)
Revisão da sentença de 11 de Julho de 1996 no caso relativo à aplicação da Convenção sobre a prevenção e a repressão do crime de genocídio (Jugoslávia c. Bósnia Herzegovina).
Certos bens (Liechtenstein c. Alemanha).
Disputa territorial e marítima (Nicarágua c. Colômbia).
2002 (3)
Disputa fronteiriça (Benin c. Níger).
Actividades armadas no território do Congo (República Democrática do Congo c. Ruanda).
Revisão da sentença de 11 de Setembro de 1992 no caso relativo à disputa fronteiriça terrestre, insular e marítima (El Salvador c. Honduras).
2003 (4)
Certos processos penais em França (República do Congo c. França).
Soberania sobre Pedra Branca/Pulau Batu Puteh (Malásia c. Singapura).
Avena e outros nacionais mexicanos (México c. Estados Unidos da América).
Consequências jurídicas da construção de um muro no território palestiniano ocupado (parecer consultivo pedido pela Assembleia Geral das Nações Unidas).
2004 (1)
Delimitação marítima no mar Negro (Roménia c. Ucrânia).
2005 (1)
Disputa relativa a direitos de navegação e outros direitos relacionados (Costa Rica c. Nicarágua).
2006 (2)
Caso relativo ao estatuto de um enviado diplomático às Nações Unidas junto do Estado da sede da Organização (Dominica c. Suíça).
Fábricas de papel e celulose no rio Uruguai (Argentina c. Uruguai).

Fonte: Organização das Nações Unidas. http://www.icj–cij.org

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1 - ONU – A more secure world: our shared responsability. Disponível em http://www.un.org/secureworld.
2 - ONU – In larger freedom: towards security, development and human rights for all. Disponível em http://www.un.org/largerfreedom.
3 - UNRIC – Centro Regional de Informação das Nações Unidas. Disponível em http://www.runic-europe.org/portuguese/summit2005/World%20Summit%20Outcome-ptREV.pdf.
4 - ICISS, International Commission on Intervention and State Sovereignty – The Responsability to Protect. Disponível em http://www.iciss.ca/pdf/Commission-Report.pdf.


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* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutora em Direito Internacional Público pelo Institut Universitaire des Hautes Études Internationales da Universidade de Genebra (Suíça). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa. Consultora do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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