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- JANUS 2007 -



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O lobby judaico-americano: mito e realidade

Esther Mucznik *

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No primeiro trimestre de 2006, dois académicos americanos, John Mearsheimer e Stephen Walt publicaram na London Review of Books um estudo denunciando a influência do “ Lobby israelita” na política externa dos Estados Unidos. Num tom deliberadamente polémico, pouco habitual em publicações deste tipo, os autores procuram demonstrar que “nenhum lobby terá conseguido afastar tanto a política externa dos Estados Unidos do que deveria ser o interesse nacional, convencendo os americanos de que os interesses dos Estados Unidos e os de Israel são, no essencial, os mesmos.” Indo mais longe, os autores afirmam que “se os Estados Unidos têm um problema com o terrorismo, é em grande parte porque têm Israel como aliado próximo” e acusam o lobby de ter influenciado a decisão de invadir o Iraque, “decisão que os Estados Unidos estariam longe de tomar sem o seu esforço.”

Não é o propósito deste artigo entrar em polémica com os autores sobre se o “ Lobby israelita” influencia bem ou mal a política externa dos EUA, se é ou não responsável por tudo o que os autores consideram errado nessa política. Todas as pessoas interessadas em acompanhar este debate podem fazê-lo consultando o site da Universidade de Harvard. Basta-me apenas referir que, em minha opinião, mais do que um documento de análise, este documento é uma acusação, sustentada pelas opções políticas dos autores, ao “poder ímpar” do “Lobby” – escrita, aliás, com maiúscula para vincar o seu carácter todo-poderoso. Assim, sem entrar no detalhe das questões políticas mencionadas no texto, o objecto deste artigo será apenas uma tentativa de caracterização do lobby judaico na América, do seu funcionamento e da sua real influência na política externa americana para o Médio Oriente.

 

Um lobby entre outros...

Contrariamente ao que acontece na Europa – onde o conceito de lobby ainda remete para uma imagem infamante de grupos de pressão mais ou menos desleais e clandestinos, espécie de quinta coluna conspirativa, – nos EUA, a actividade de lobbying é protegida pela Constituição e os grupos de pressão actuam abertamente porque representam interesses de segmentos da população, considerados legítimos. Não será por acaso, que logo em 1830, Alexis de Tocqueville compreendeu e descreveu a importância da associação de grupos de cidadãos no sistema político americano, em defesa dos seus interesses. Nos EUA existem assim lobbies de reformados – considerado, aliás, o mais forte de todos –, petrolíferos, agrícolas, têxteis ou de comércio de armas, lobbies religiosos de católicos, judeus ou muçulmanos, lobbies nacionais de arménios, cubanos, irlandeses, árabes e outros, lobbies de países estrangeiros como Taiwan... e todos eles, exercem, em maior ou menor grau, ou esforçam-se por exercer, uma certa influência. Assim, por exemplo, a legislação sobre Cuba, com o embargo que dura há meio século, não é indiferente à influência dos grupos de emigrados cubanos, tal como a política anterior de relativa indulgência em relação ao IRA, contra a vontade do próprio governo britânico, esteve relacionada com o papel das associações de americanos de origem irlandesa, ou ainda a posição americana sobre Chipre, mais favorável à Grécia do que à Turquia, se deve em parte à influência da comunidade grega mais bem organizada e numerosa. Esta realidade tem a ver com o sistema político americano e também com o verdadeiro mosaico de minorias étnicas e religiosas que compõem o tecido social do país.

O lobby judaico não foge à regra, mas talvez fosse mais rigoroso falar de lobbies no plural e não no singular, porque se trata de uma rede extraordinariamente diversificada. O grupo mais importante será provavelmente o American Israel Public Affairs Comittee – AIPAC, criado em 1954 por líderes judeus americanos que entenderam que a filantropia não era suficiente para ajudar o jovem Estado de Israel. A AIPAC conta com perto de cem mil membros activos e reúne no seu seio diversas organizações judaicas. Mas para além da AIPAC existem outras instituições importantes: o American Jewish Committee , criado em 1906 para ajudar os judeus vítimas dos pogroms na Rússia czarista; o World Jewish Congress , fundado em 1918, a fortíssima Conference of Major American Jewish Organizations , a Anti-Defamation League , o B'nai B'rith ... e a lista não acaba aqui. Estas instituições, antes da guerra centradas na luta contra a discriminação, evoluíram mais tarde para o apoio a Israel. Para além destas, existem outras de carácter filantrópico, como a United Jewish Appeal , que doa cerca de mil milhões de dólares anuais a diversas causas judaicas no mundo, o American Jewish Joint Distribution Committee , cuja missão é também a solidariedade judaica e que teve um papel fulcral durante a guerra no apoio aos refugiados e sobreviventes do nazismo, incluindo em Portugal; a World Jewish Restitutuion Organization , que pugnou junto dos bancos suíços pela restituição dos bens espoliados aos judeus durante a guerra... Esta multiplicidade de organizações reflecte o modelo americano, plural e descentralizado, e nenhuma delas se pode arrogar a representação exclusiva dos judeus, cada uma operando separadamente. Já a Europa tem uma tradição mais centralizada, o que se reflecte nas suas organizações: em França, funciona o CRIF (Conselho Representativo das Instituições Judaicas de França); na Alemanha, o Zentralrat , na Grã-Bretanha, o Board of Deputies , organizações federativas dos judeus nesses países.

As organizações judaicas americanas – que por comodidade podemos denominar no seu conjunto de lobby – têm um peso significativo devido a vários factores: em primeiro lugar, uma consciência profunda da sua identidade por parte dos judeus; em seguida, os meios financeiros de que dispõe e que angaria no seu seio; em terceiro lugar, a capacidade em se adaptar à legislação americana e de forjar uma organização extraordinariamente eficaz; finalmente, o posicionamento político, social e intelectual de muitos dos seus membros. Tal como os outros grupos de pressão, o lobby judaico actua através de campanhas políticas levadas a cabo junto de deputados eleitos, do financiamento público (e não oculto), de campanhas eleitorais de candidatos ao posto de senadores ou de presidente, actua também junto de representantes do mundo da indústria, das universidades e dos media.

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... Ou um lobby omnipotente?

Mas será o lobby judaico assim tão poderoso, como pretendem os redactores do documento acima mencionado, ao ponto de determinar a política externa dos EUA para o Médio Oriente? Será o lobby judaico o tal polvo da mitologia de “Os Protocolos dos Sábios de Sião” capaz de controlar a maior (e única) superpotência mundial?
É evidente que não. Em primeiro lugar, pela própria dimensão da população judaica nos EUA que não ultrapassa os 2% da população global – 5,6 milhões de judeus. Em seguida, porque é um lobby heterogéneo, frequentemente dividido em relação aos objectivos e estratégias a levar a cabo, animado por sensibilidades ideológicas e espirituais diferentes: esquerda/direita, laicos/religiosos, reformistas/ortodoxos... o que se reflecte claramente nos actos eleitorais. Em terceiro lugar, e isto é fundamental, porque o próprio lobby judaico se confronta com outros grupos de influência, nomeadamente do petróleo e muito particularmente com a Realpolitik e os interesses geopolíticos da Casa Branca, do Departamento de Estado, do Senado e do Pentágono. Não faltam exemplos de combates perdidos pelo(s) lobby ( ies ) pró-israelitas devido à decisão soberana de presidentes, democratas ou republicanos, inclusive entre os mais fervorosos partidários de Israel, como Ronald Reagan, Bill Clinton ou Bush Júnior, sobre questões candentes: venda de aviões Awack à Arábia Saudita (1979); abandono do apoio financeiro ao projecto Lavi (caça-bombar-
deiro israelita, anos 80); suspensão das garantias bancárias para a integração dos judeus da União Soviética (como forma de pressão sobre Itzhak Shamir antes da Conferência de Madrid, 1991); rejeição repetida de indulto para Jonathan Pollard (acusado de espionagem, 1980-2000); suspensão da transferência da embaixada americana de Tel-Aviv para Jerusalém (vetos presidenciais desde 1996); pressões para travar a venda de material militar estratégico a entidades consideradas hostis (China 2003); exigência de concertação para operações políticas ou militares de envergadura... (1)

A ideia que os autores do documento acima mencionado tentam fazer passar, de que a política externa americana no Médio Oriente é um simples resultado da acção do lobby é, pois, simplesmente falsa. Contrariamente ao mito sustentado pela extrema esquerda, segundo o qual Israel e o sionismo não passam de marionetas do “imperialismo” americano e aos velhos fantasmas anti-
-semitas de uma América dirigida do interior pelos judeus e/ou pelo “sionismo mundial”, a realidade mostra que a aliança que une os dois países conheceu, ao longo da sua curta história, momentos de instabilidade e de grande tensão. Até 1967, o aliado privilegiado de Israel não foram os EUA, mas sim a França, como testemunha a questão do canal de Suez em 1956. A viragem inicia-se em 1962 com o presidente John Kennedy – garantindo a Golda Meir o apoio dos EUA ao Estado Judaico, em caso de invasão pelos países árabes – mas é sobretudo a Guerra dos Seis Dias de Junho de 1967, ou mais precisamente a amplitude da vitória israelita que torna Israel um aliado importante para os EUA e que une os dois países de forma duradoura. A progressão soviética no Médio Oriente e a necessidade de conter a “vaga vermelha”, a constatação da capacidade militar israelita e o reforço do lobby pró-israelita – devido ao receio de ver Israel desaparecer, vinte e cinco anos depois da Shoah –, tudo isso faz do jovem país um aliado a defender. No entanto, mantêm-se divergências ao longo dos anos, tais como a oposição americana aos colonatos, o reconhecimento por Washington da OLP em 1988 e sobretudo as pressões exercidas entre 1989 e 1992 por Georges Bush Sénior e o seu secretário de Estado James Baker, de reconhecidas ligações ao lobby texano-saudita do petróleo, mais interessado em manter boas relações com o mundo árabe.

Em síntese, pode afirmar-se que a aliança entre os EUA e Israel é uma constante ao longo da história do Estado de Israel, mas este nunca teve carta branca, sobretudo num quadro ofensivo. Washington nunca sacrificou, em nome dessa relação, uma parceria ou aliança com qualquer Estado árabe sob pressão de Israel ou do lobby judaico-americano. Real, mas complexa, a relação privilegiada entre os EUA e Israel merece uma análise séria e rigorosa e não os fantasmas e diatribes de certas correntes extremistas de direita ou de esquerda.

 

Uma base nacional, afectiva e religiosa

Na realidade, o “segredo” da aliança entre a América e Israel e a força do lobby judaico--americano tem uma base nacional, afectiva e teológica que é totalmente ocultada no documento dos dois universitários. Essa força reside precisamente na conjugação destes dois termos judaico-americano, ou seja no seu carácter nacional americano: os judeus estão presentes em solo americano desde meados do século XVII e o lobby judaico é um grupo nacional de cidadãos dos EUA e não um agente de um Estado estrangeiro e pago por ele. Mas mesmo como grupo nacional, forte e organizado, ele seria ineficaz e impotente se a opinião pública americana não tivesse uma profunda simpatia em relação a Israel. Todas as sondagens de opinião desde 1945 mostram, com variações maiores ou menores, um importante apoio popular a Israel, factor mais decisivo certamente do que a acção dos lobbies para influenciar a política americana. Porque, na realidade, os dois países partilham uma experiência essencial: a de duas nações erguidas deliberadamente a partir de um projecto filosófico, político e religioso. Entre os pioneiros do Novo Mundo e os pioneiros do Lar Nacional Judaico, há muitos pontos em comum: a procura da liberdade, a vontade democrática, a valorização do trabalho, as profundas raízes bíblicas. Nesse mosaico de minorias étnicas que é Israel, a América reconhece a mesma obstinação que foi a sua em construir uma nação – uma nação de homens e mulheres livres, decididos a não deixar mais o seu destino em mãos alheias.

Mas o apoio a Israel não tem apenas uma dimensão afectiva. Do ponto de vista teológico, para muitas igrejas protestantes americanas que representam dezenas de milhões de fiéis, presentes nas elites políticas, industriais e financeiras, o sionismo e o retorno dos judeus à Terra de Israel é o prenúncio da realização das profecias de Isaías, Jeremias e Ezequiel e condição da segunda vinda de Cristo. Um dos erros dos dois autores do estudo já referido é o de escamotearem – incluindo-os no lobby judaico – a influência crescente destes círculos evangélicos protestantes imbuídos de um sionismo cristão que se tem vindo a reforçar ao longo anos.

Sobre o seu país, os israelitas costumam dizer: “Tem história a mais e geografia a menos”. Para os EUA, a questão põe-se exactamente ao contrário. Mas para lá da história e da geografia há uma certa comunhão de destino e sobretudo de valores entre os descendentes dos peregrinos do Mayflower e os descendentes dos sobreviventes do Exodus . Esse é fundamentalmente o “segredo” da força – relativa – do lobby judaico na América.

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Informação Complementar

Lista das pricipais associações / organizações judaico-americanas

AIPAC (American Israel Public Affairs Committee);
American Friends of Soroka Medical Center of the Negev;
American Gathering of Jewish Holocaust Survivors;
American Jewish Committee,
American Jewish Congress;
American Jewish Joint Distribution Committee (JDC);
American Jewish World Service;
American ORT;
Anti-Defamation League;
B'nai B'rith International;
Central Conference of American Rabbis;
Conference of Presidents of Major American Jewish Organizations;
Congregation Beth Simchat Torah;
Hadassah, Women's Zionist Organization of America;
Hebrew Immigrant Aid Society (HIAS);
Jewish Communal Fund;
Jewish Council for Public Affairs (JCPA);
Jewish Foundation for the Righteous;
Jewish Labor Committee;
Jewish Reconstructionist Federation;
Jewish War Veterans;
Jewish Women International;
Lilith Magazine;
MAZON: A Jewish Response to Hunger;
Meretz USA;
National Council of Jewish Women;
New Israel Fund;
New York Association for New Americans (NYANA);
Rabbinical Assembly;
Rabbinical Council of America;
Reconstructionist Rabbinical Association;
Religious Action Center of Reform Judaism;
Tikkun Magazine;
UJA-Federation of New York;
Union of American Hebrew Congregations;
Union of Orthodox Jewish Congregations;
United Jewish Communities (UJC);
United Synagogue of Conservative Judaism;
Ve'ahavta: Canadian Jewish Humanitarian and Relief Committee;
Women of Reform Judaism;
Women's American ORT;
Women's League for Conservative Judaism.

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1 - Frédéric ENCEL; François TUALGeopolitique d'Israel. Seuil, 2004.

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* Esther Mucznik

Diploma Universitário de Estudos Literários Secção Sociologia. Licence e preparação da maîtrise em Sociologia, Sorbonne, Paris. Curso de História Judaica e Holocausto no Instituto de Estudos do Holocausto, Yad Vashem, Jerusalém. Frequência do Curso Superior de Ciência das Religiões na Universidade Lusófona. Curso de liderança judaica na Leatid Europe, Centro Europeu de Formação de Líderes, Veneza, Itália. Investigação e organização do arquivo histórico da Comunidade Israelita. Membro da direcção da Comunidade Israelita de Lisboa desde 1992 e sua Vice-Presidente desde 2000.

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Dados adicionais
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